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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

São Quatro da Tarde: Para Mais Tarde Comparar

São Quatro da Tarde: a procura e a oferta uniram-se para me lixar: não há sapatos quarenta e três bonitos e económicos em lado algum.

 

rvicent

 

 

 

Para mais tarde comparar:

Egipto: mantém-se o regime militar, fica tudo quase na mesma, mudam as caras, oxalá maior abertura política.

Líbia: ou Kadhafi fica e milhares de cidadãos vão (da pior maneira) - ou Kadhafi vai e a guerra civil instala-se.

Tunísia: democratiza-se: é o efeito "Cabo Verde": menos riqueza, menos cobiça, logo mais organização, melhor política e paz.

Independentemente destas opiniões, desejo muito que a democracia, a paz e o progresso cheguem a todos. Esses são bens universais, muito acima de diferenças e de quaisquer fronteiras.

Propagação Democrática

Na vaga de manifestações e tentativas de revolução que percorre o mundo muçulmano, aquilo que mais me surpreende é o contágio. Não era necessário que uma manifestação em Tunes se propagasse ao Cairo. Mas isso aconteceu: de umas cidades para as outras, foi-se formando uma linha de união entre os diversos países islâmicos.

 

A unidade entre países normalmente não é óbvia. A consciência colectiva das semelhanças entre países nem sempre existe mesmo quando essas semelhanças, vistas de fora, parecem evidentes. Em geral, sucede o contrário: o nacionalismo e o sentimento exacerbado de identidade e de diferença tendem mais a ser a regra do que a excepção. E, no entanto, aquelas diferentes nações muçulmanas foram seguindo o exemplo de umas para as outras.

 

Qual o mínimo de características e causas comuns necessário à propagação internacional da revolta democrática? Foi necessário um mesmo sentimento difuso de insatisfação económica e política, desemprego elevado, população jovem, informatizada e internetizada, subida de preços, língua e religião essencialmente comuns? Ou bastava menos do que isso tudo?

 

Se o mínimo necessário à propagação da democracia for pouco exigente, talvez possamos esperar que a revolta democrática se extenda, por exemplo, a Angola e a tantas outras não-democracias. Mas será que os angolanos, ou outros, podem sentir-se suficientemente próximos das nações muçulmanas, de modo a deixarem-se influenciar e seguir o exemplo? (Como, aparentemente, a América Latina se sentiu relativamente a Portugal e Espanha na transição para a democracia).

 

Será que a ausência de instituições democráticas e a falta de oportunidades são suficientes para criar um sentimento de irmandade que funcione como canal de propagação da revolta democrática, alargando-a para além das fronteiras linguísticas, culturais e religiosas?

 

Seria bom que fossem.

 

Quarta-feira Página 11

Martin Wolf afirma que um dos efeitos da recente crise económica e financeira mundial foi o de acelerar o futuro. Três realidades mundiais foram adiantadas no tempo uns bons dez anos pelo efeito da crise. Em primeiro lugar, o aperto fiscal, que já se previa através da observação das tendências demográficas nos países mais desenvolvidos, teve de ser antecipado para o tempo presente. A política de agora e dos próximos anos será dominada pelas finanças públicas, o que é um mau sinal. Em segundo lugar, o aumento do peso da China, Índia, Brasil e outras economias emergentes no produto mundial era já esperado. Mas ninguém previa que a sua importância aumentasse tão rapidamente. Isto foi o resultado da contracção das economias industrializadas mais velhas ao passo que as novas economias não pararam de crescer. Finalmente, uma tendência que ganhou uma aceleração ainda mais inesperada (ingenuidade ocidental?) foi a deterioração da imagem do "ocidente" e dos Estados Unidos da América um pouco por todo o mundo. Os falhanços militares e financeiros do ocidente deterioraram ainda mais a imagem que a Ásia tinha do "ocidente".

 

Ed Husain, sobre a revolução no Egipto e a Irmandade Islâmica, defende que é possível reorientar a Irmandade no sentido democrático. A tese é a de que não é forçoso que a Irmandade, no caso de conquistar o poder pela via democrática, perverta a democracia e imponha um regime fechado e intolerante. Pelo contrário, é possível seduzir a Irmandade no sentido de aceitar a laicidade do Estado egípcio e a separação entre política e religião. Por outras palavras, a opção não se reduz ou a impedir a ascensão da Irmandade através da manutenção do status quo autocrático ou a permitir a democracia, aceitar uma possível tomada do poder por parte da Irmandade e esperar que esta a pouco e pouco delapide a democracia. Uma terceira possibilidade é a Irmandade conquistar o poder mas abster-se de seguir a via fundamentalista. Tudo depende do discurso e atitude de alguns dos líderes da Irmandade, nomeadamente em relação ao pluralismo, direitos humanos e, naturalmente, o respeito por Israel.

 

Nouriel Roubini lembra-nos que três das últimas cinco crises económicas globais foram consequência de choques geopolíticos no Médio Oriente. Uma das preocupações associadas às alterações políticas na Tunísia, Egipto, Jordânia, Síria, ... é que ocorra um choque na oferta de petróleo. Esse choque pode inflectir a actual tendência de crescimento económico mundial, em que uma boa parte das economias recém saídas da crise ainda está numa posição financeira e macroeconómica muito frágil.

 

 

Ler hoje o Financial Times, um muito bom jornal inglês.

Cenários radicais

 

  

Defendi neste blogue que eleições democráticas no Egipto (e já agora, na Tunísia) darão com toda a probabilidade a vitória aos islamitas, no caso egípcio a Irmandade Muçulmana e no tunisino o Partido do Renascimento (Ennadha ou al-Nahda).

Nuno Gouveia escreve este artigo sobre os islamitas egípcios e tento entrar em controvérsia por não ser possível comentar o seu post. E o autor cita Robert Kaplan, aqui, como estando a refutar um cenário de vitória islâmica.

Se bem interpretei o texto, Robert Kaplan tenta dizer que não é inevitável um cenário iraniano, o que é diferente de não admitir a vitória islâmica. O autor faz uma comparação com a Europa de Leste, na linha do que também já escrevi, de que a actual crise é comparável à queda do Muro de Berlim, e admite vários cenários, desde transição fácil a guerra civil.

 

Nesta discussão, há elementos incontroversos: o poder eleitoral destes movimentos é importante. De facto, a irmandade não tem líder carismático, mas em vários países do leste europeu a oposição não tinha líderes carismáticos conhecidos no exterior e isso não impediu a transição. Na Tunísia existe um líder carismático, Rachid Ghannouchi, que compara o seu partido ao turco Justiça e Desenvolvimento, AK, que é uma formação democrática. 

No Egipto, em 2005, os candidatos independentes ligados à irmandade elegeram 88 deputados, apesar da chapelada governamental. Na Tunísia, em 1989, com todas as contrariedades do mundo, diz-se que os candidatos independentes ligados ao Ennadha podem ter ultrapassado os 10%. Vinte anos depois, correu muita tinta e estes movimentos ganharam popularidade, não a perderam.

 

Se houver eleições livres, no mínimo os partidos islâmicos terão boas votações. O que não quer dizer que vão imitar o Irão, pois a democracia representa para eles uma vantagem. Parece-me que existe uma confusão em algumas das abordagens que tenho lido: a maioria dos autores acha que a vitória islamita implica o fim da democracia. Mas existe uma leitura alternativa, de que a democracia dará provavelmente lugar à vitória islamita, iniciando uma transição para regimes democráticos onde os islâmicos serão o poder e os seculares estarão na oposição.

Ou seja, o cenário iraniano não é inevitável, mesmo que estes partidos radicais triunfem.

 

Nota: a minha insistência nestes pontos deve-se ao facto de ter feito reportagem na Tunísia e no Egipto. Falei com pessoas do regime e tive a sensação da rua. Em ambos os países tive a impressão nítida de que os islamitas na clandestinidade ou ilegalizados eram muito fortes.

Esta revolução no Egipto tem certa organização, o que implica a presença decisiva da irmandade. É de louvar a forma como eles protegeram o Museu do Cairo, onde estão tantas preciosidades do velho Egipto.