Embora perceba os autores que têm pressa de ver o país sair desta crise, a blogosfera portuguesa parece ter esquecido que o governo não concluiu dez semanas e que o essencial das reformas tem um calendário previsto entre Setembro de 2011 e Maio de 2012.
Julgo que ontem houve essencialmente quatro notícias: um "buraco" nas contas de 1,1% do PIB (por volta de 1,8 mil milhões de euros); o anúncio da antecipação de uma medida do memorando (aumento do IVA no gás e electricidade) que estava prevista para o fim do ano e que entra em vigor em Outubro; a aprovação feita pela troika das medidas do Governo no que respeita ao cumprimento do memorando; e ainda o anúncio do ministro das Finanças de que a despesa primária será cortada em 9% no próximo orçamento. Ou seja, encontraram um buraco e resolveram a questão; no próximo orçamento, está previsto um corte na despesa de 3 mil milhões de euros, mas ainda não há detalhes ministério a ministério.
Dias antes, tinha sido anunciada a antecipação de uma medida de corte na despesa (o fim do reembolso dos transportes de doentes), também prevista no memorando da troika, salvo erro para Dezembro, e só vi reportagens a criticar ou comentários hostis na blogosfera, em nenhum lugar a dizer que era uma medida prevista no memorando.
Do conjunto destas notícias surge uma única interpretação: o governo ainda só aumentou impostos e não está a cortar na despesa, como prometeu fazer.
Acontece que esta ideia está incorrecta. Os comentadores esquecem-se de que o corte no subsídio de Natal representa uma enorme redução na despesa pública, pois abrange numerosos funcionários públicos e pensionistas, que aliás já levaram uma talhada nos rendimentos, distribuída ao longo do ano.
Para mais, os famosos cortes na despesa estão previstos no memorando, mas para o período entre Setembro e Dezembro. Estamos em Agosto. Algumas das medidas já foram antecipadas, outras não foram anunciadas por estarem ainda em preparação. Mas o ponto é o seguinte: segundo os credores, o Governo está a cumprir os calendários previstos na negociação internacional.
A frase mais referida da conferência de Imprensa dos representantes da troika foi a de que "gostariam de ver mais cortes na despesa". Tratou-se da resposta a uma pergunta insistente, daquelas em que o resultado previsível é sempre afirmativo e julgo que não permite citação entre aspas (mas só vendo o original). Da conferência de imprensa que vi através da televisão, o que claramente retive foi a aprovação dos representantes e não senti qualquer tom crítico em relação a este governo, pelo contrário. Houve outro elemento importante e que julgo não estar a ser sublinhado: os representantes da troika esforçaram-se por explicar que o controlo das contas públicas sem as reformas estruturais é bastante inútil.
Julgo ser óbvio o facto de estarem previstos para os próximos dias e semanas cortes brutais na despesa pública e não entendo a impaciência dos comentadores. Alguns destes cortes serão terrivelmente dolorosos para a população. O dos reembolsos nos transportes, por exemplo, que parecia simples e pequeno, impedirá muitos deficientes de fazer tratamentos importantes para a sua qualidade de vida. "O pior está para vir" disseram os representantes da troika, numa frase muito citada (e bem).
A generalidade dos autores da blogosfera portuguesa não gosta deste governo: os autores de esquerda estão a vergastar cada decisão, má ou boa, prevista ou imprevista; os da direita detestam Passos Coelho e vão aproveitar cada deslize, real ou pressentido.
E julgo estar a ser criado um mito perigoso, segundo o qual seria melhor proceder a cortes cegos na despesa. Como a impaciência leva inevitavelmente ao erro, haveria por certo muito por onde criticar.
Nota: Este texto foi escrito em simultâneo com o post mais abaixo e não é uma resposta a Luis Menezes Leitão, que só li depois de publicar. Devo dizer que concordo com o meu colega de blogue quando ele refere que houve aqui um problema de comunicação. A conferência de imprensa do ministro visava anunciar cortes na despesa, afinal não houve qualquer conferência de imprensa, mas apenas uma declaração. Na entrevista à noite é que foi referido o corte de 9%. Pareceu inútil omitir o assunto de manhã.
Uma das maiores pobrezas do nosso planeta é que a grande maioria da população não recebe um mínimo não miserável de educação musical. Basta apenas saber tocar um instrumento para se ser logo menino bonito. Só o mínimo já é bom.
Se todos tocassem, só seria bom quem tocasse bem.
É como as mulheres na política. São tão poucas - realidade infeliz por diversas razões - que basta uma ter existência e ser jovem para ser logo considerada.
Quanto li o título deste post de Miguel Botelho Moniz (MBM), pensei em não responder. Ao ler o texto, percebi que se trata de um título muito infeliz para um post que merece resposta, pois há ali equívocos que convém esclarecer e um tema importante que seria útil discutir. Vou ignorar os remoques da falta de limpeza, das carapuças e do não pensar.
Na blogosfera há polémicas de um género que me irrita, que consiste em ocupar o terreno favorável, num patamar mais elevado, e dali debitar doutrina e lavar rabinho a meninos. Estamos, portanto, no primeiro equívoco. Sou acusado de ter tentado fazer o que sempre critiquei.
O autor de O Insurgente pensa que a minha frase "as pessoas bem informadas sabem..." presumia alguma ignorância da sua parte, quando fazia exactamente o inverso. Reconheço que fui pouco claro, mas este argumento era central na minha posição: se o autor sabe, então por que escreve o que escreve?
Há um segundo equívoco. Começo o meu texto por referir um facto: Pedro Passos Coelho foi objecto de ataques sem razão aparente (e ainda é); não afirmei que o autor critica por preconceito, daí que seja inútil o esclarecimento "não aprecio que me atribuam intenções ou preconceitos que não tenho", já que não lhe foi atribuído nenhum preconceito, apenas uma crítica sem razão aparente. MBM devia ter escrito: "Não aprecio que me atribuam ataques sem razão aparente".
O final do meu texto é de facto uma ironia, forma que aprecio, sabendo embora que os portugueses costumam detestar. A intenção não foi, obviamente, a de ofender.
Podemos agora entrar no sumo da questão, onde existe uma divergência política que seria útil discutir. O autor de O Insurgente julga ser legitimo e lógico fazer críticas ao actual governo durante o estado de graça, nomeadamente por causa de uma decisão que diz respeito ao subsídio de Natal dos portugueses, definida como "facilitista". Eu penso que até para a oposição isso é prematuro. Na realidade, não vejo qualquer utilidade neste tipo de ataque por parte do centro-direita ou mesmo do centro-esquerda. Custa-me compreender críticas a uma decisão cujas consequências não são ainda perceptíveis, a não ser que o autor tenha conhecimentos sobre as consequências.
A decisão resulta de uma emergência e não indica qualquer padrão na actuação do governo. Portugal tem de cumprir o objectivo do défice de 5,9% do PIB. Saberemos no início do próximo ano se a taxa resultou: se o défice for de 6%, tratou-se de uma má decisão; se for de 5,9%, estaremos perante uma boa decisão. E o autor do post não refere que esta medida cria receita mas também corta na despesa.
Também para mim é duro pagar, naturalmente; pelas minhas contas, a minha parte é de quase mil euros, que me fazem falta, mas reservo a crítica ou elogio para o início do próximo ano. Se o meu sacrifício for inútil ou desproporcionado, terei então amplas oportunidades para censurar o governo, por isso continuo a não perceber a crítica de MBM a duas semanas da entrada em funções, sendo isso o que estamos a discutir, mais a blindagem do discurso (quem critica o crítico é corporativo, um não argumento).
No post em que responde ao meu texto, MBM começa a certo ponto a explicar-me que simpatiza com o CDS, o que me leva a presumir (talvez erradamente) que no seu texto inicial o autor estava a criticar a parte CDS do governo... [não se ofenda, isto também era ironia].
Miguel Botelho Moniz escreve este conjunto de pérolas em O Insurgente, numa tentativa de criticar um post lúcido de Nuno Gouveia cujo excerto subscrevo. O contexto da polémica é um conflito antigo e que, presumo, as legislativas não resolveram. Há um sector da direita blogosférica que detesta Pedro Passos Coelho, não porque lhe encontrem algum verdadeiro defeito político, mas porque.
Enfim, não gostam das referências suburbanas, da classe social, do corte de cabelo, da escolha de gravatas, do discurso redondo, da boa educação, do nome social-democrata, das alusões liberais, e vice-versa. Não gostam, ponto.
Reparem na prosa: para o autor de Insurgente, "Passos tem de fazer prova de que é mais do que um mero anti-Sócrates e que merece a confiança...". Mas quem é que diz que os portugueses votaram nisto? Eu não votei num anti-Sócrates, votei em Passos Coelho e na estabilidade governativa e nas soluções para a crise e num primeiro-ministro que pudesse aplicar o programa da troika.
"O melhor que pode acontecer a este governo é ser criticado pelos seus apoiantes; só assim poderá emendar a mão", escreve Botelho Moniz. Concordo em teoria, mas será que isto faz sentido ao fim de meras duas semanas, para apoiantes ou não apoiantes do PSD e do CDS, quando não vimos nada, quando a oposição está ainda sem estratégia? Não seria prudente esperar um bocadinho?
Em democracia existe a tradição, julgo que saudável, do chamado estado de graça dos governos recém-eleitos, que costuma durar cem dias. As pessoas bem informadas sabem que um governo pode tomar muitas decisões nesse período, até cometer erros, mas que só estará de facto a controlar o País ao fim de, no mínimo, seis meses. Existem máquinas administrativas cheias de complexidades que prolongam este processo por quase um ano. Veja-se, para citar um exemplo pequeno, as férias dos funcionários públicos; para citar outro, o exemplo criticado no post, pois sendo necessário criar receitas depressa, para colmatar um buraco inesperado, optou-se por uma solução que dá receitas depressa. Também pago e isso chateia-me, mas a situação é o que é.
A legislatura tem quatro anos e será apenas em 2015 que os portugueses terão de pronunciar um veredicto sobre este governo. Dois anos antes, em 2013, há eleições europeias e autárquicas, onde poderão apresentar o também tradicional cartão amarelo. Entretanto, podem manifestar-se nas ruas e protestar nos blogues e jornais.
Mas, de preferência, quando tiverem alguma coisa para dizer, o que não é o caso, pois não se percebe o que faria o autor na siituação onde vislumbra "facilitismo e conveniência política".
Acho normal que os tenores socialistas já critiquem o governo e não respeitem o estado de graça, mas nunca tinha visto esta fúria dos "apoiantes", ainda por cima com a ressalva de quem os criticar estar a ser um socrático. Extremamente cómodo: o alegado apoiante critica Passos quando este ainda só teve tempo para dois conselhos de ministros, mas se vier alguém achar que isso é prematuro, aqui-d'el-rei, que é um corporativo laranja. Isto é à prova de bala, pode criticar-se à vontade sem temer ataques e ainda por cima derramando uma lágrima de crocodilo, perdão, de apoiante.
Para concluir. Miguel Botelho Moniz: o senhor não é apoiante coisíssima nenhuma. É um crítico da oposição, assim deve ser lido, e isso não tem mal. Assuma-se.
A propósito das recentes legislativas, não faltou quem desenterrasse uma frase proferida por Francisco Sá Carneiro em 1979, num contexto muito diferente do actual: "Um governo, uma maioria, um presidente." A frase deve situar-se à época: Portugal tivera 11 governos em escassos cinco anos, não produzira nenhuma maioria parlamentar estável desde a entrada em vigor da Constituição de 1976 e necessitava com urgência de reformas políticas profundas - com destaque para o fim do Conselho da Revolução como tutela militar das instituições civis, algo aberrante na Europa Ocidental.
Sá Carneiro e os seus sucessores políticos imediatos cumpriram estas metas: dotaram o País pós-revolucionário da primeira maioria parlamentar sólida e alcançaram um acordo político com o PS que possibilitou a revisão constitucional de 1982, pondo fim ao Conselho da Revolução após sete anos de existência e reduzindo os poderes discricionários do Presidente da República em benefício do Parlamento, em sintonia com a esmagadora maioria dos países da Europa comunitária.
O fundador do PSD não sonhava com um país político monocolor: pretendia, isso sim, que as sérias divergências institucionais que manteve com o presidente Ramalho Eanes (divergências que partilhou com outros primeiros-ministros, como Mário Soares e Pinto Balsemão) fossem dirimidas com o reforço da componente parlamentar no singular sistema político português. Foi um combate que travou com frontalidade, em prol do que entendia serem os interesses nacionais.
Passos Coelho nunca utilizou esta expressão nem faria qualquer sentido recorrer hoje a ela, fosse qual fosse o inquilino de Belém. Nem Cavaco Silva é apropriável por esta maioria nem o Presidente terá certamente a ilusão de que influenciará a actividade governativa fora dos estritos limites que a Constituição lhe impõe. Por outro lado, a maioria de que Passos dispõe no Parlamento está longe de ser monocolor: PSD e CDS são partidos autónomos, com programas políticos diferenciados e estratégias muito próprias, como hoje ficou bem patente na falhada eleição de Fernando Nobre para a presidência da Assembleia da República.
Basta o que referi para esvaziar de sentido esta frase no momento actual. Deixemo-la no contexto histórico a que pertence e tentemos interpretar os factos sem o recurso a fórmulas gastas. Aliás não é só a política que necessita de renovação: a análise política também.
Foto: António Ramalho Eanes e Francisco Sá Carneiro em 1980
Rui Bebiano faz aqui uma reflexão sobre o futuro do Bloco de Esquerda, na linha do que escreve Daniel Oliveira, em Arrastão. Para justificar o resultado decepcionante, os autores identificam erros da liderança, sobretudo dois: o anúncio de uma moção de censura e a recusa em reunir com a troika.
Sou observador externo, com conhecimento relativamente superficial do bloco, mas julgo que os comentários que tenho ouvido são injustos para a liderança do partido. As perdas podiam ter sido piores sem o bom desempenho de Francisco Louçã nos debates e a quebra deve-se, a meu ver, ao resultado excepcional obtido em 2009, quando o BE conquistou uma significativa fatia de eleitorado identificado com a esquerda do PS.
Desta vez, o partido foi vítima do voto útil e muitos socialistas da ala esquerda não votaram outra vez BE para tentarem impedir a vitória da direita. No fundo, o BE parece-se com o CDS: não tem máquina partidária, mostra mais força nas zonas urbanas, atrai muitos jovens, a sua expressão autárquica é limitada e os votantes militam pouco e flutuam em excesso.
Mas os textos que tenho lido mostram que o BE discute os seus problemas e que as comparações que se fazem com o PC revelam incompreensão da realidade. Também já ouvi comparar com o Partido Renovador, mas sinceramente não vejo semelhanças. Este é um partido jovem, não institucional, que mal existia em 1998 e que teve a sua primeira votação importante em 2005, semelhante à actual e na altura uma vitória. Está em crise de crescimento, não à beira do colapso. E as suas divisões são sinal de vitalidade.
Serve esta introdução para tentar sublinhar um ponto mais largo, sobre a esquerda europeia.
Em 1979, Francisco Sá Carneiro formou listas eleitorais. Alargando o espaço político do PSD ao centro e à direita, firmando uma coligação com o CDS de Freitas do Amaral e o PPM de Ribeiro Telles. Mas era também necessário alargar a influência eleitoral do seu partido à esquerda. O que fazer? Num daqueles lances tácticos que traçam a diferença entre o político mediano e o dirigente de excepção, atraiu para a nova coligação dois homens oriundos da esquerda, que pouco antes se haviam sentado no Conselho de Ministros como representantes da mais jovem geração de talentos do Partido Socialista: António Barreto, ex-titular da pasta da Agricultura, e José Medeiros Ferreira, ex-responsável dos Negócios Estrangeiros, anunciaram o voto na AD em nome do seu Manifesto Renovador, força política de centro-esquerda então lançada, dando o seu aval - como independentes - à nova coligação.
Os treinadores de bancada, que já nessa altura abundavam no PSD (embora em muito menor número do que agora), não tardaram a criticar Sá Carneiro, um político que - bem à portuguesa - só viu os seus méritos largamente reconhecidos após a morte. Acusaram-no de demagogia, de oportunismo, de abrupta viragem à esquerda, de tentar tudo na desesperada caça ao voto. O costume, entre nós: quando alguém tenta mudar alguma coisa, seja o que for, no quadro político português é logo cravejado de críticas pela corporação do comentário político, eternamente avessa a novos nomes e novas siglas, sempre passíveis de baralhar os quadros mentais instalados.
Sá Carneiro ganhou essa eleição de 1979. E com isso fez história: era a primeira vez que a direita chegava ao poder cumprindo as regras do jogo eleitoral. Barreto e Medeiros Ferreira contribuíram para essa maioria, também eles criticadíssimos pelos comentadores de serviço, que já na altura não entendiam nada. Alguns são os mesmos que continuam a não entender nada agora.
O programa Combate de Blogs vai comentar AO MINUTO na TVI24.pt os debates televisivos dos líderes dos principais partidos políticos nestas eleições legislativas. A maratona destes confrontos políticos inicia-se esta sexta-feira com um debate entre Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, e Paulo Portas, líder do CDS. Acompanhe os tweets de André Abrantes Amaral - Blog «O Insurgente» , Paulo Coimbra - Blog «Uncut Portugal», João Maria Condeixa - Blog «Rua Direita», Rui Tabarra e Castro - «Blogue de direita» e Fernando Moreia de Sá - - Blog «Albergue Espanhol».