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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Um Governo sem credibilidade.

aqui tinha escrito que o Orçamento para 2011 não tem a mínima credibilidade e que a única coisa que pode conseguir é obter o prémio para a melhor obra de ficção escrita em 2010. Infelizmente, apenas poucos dias após a sua aprovação, já é a própria Comissão Europeia que o vem reconhecer. Ora, se a Comissão Europeia diz isto do nosso Orçamento, há que perguntar por que razão foi o mesmo aprovado e se sujeitam os cidadãos a violentíssimos sacrifícios que para nada vão servir.

 

Toda a gente já percebeu que o País tem um sério problema de credibilidade nas suas contas públicas e ninguém acredita que este Governo seja capaz de efectuar as reduções do défice a que se comprometeu. A única excepção parece ser o próprio PSD que, depois de alguma hesitação, lá deu pela enésima vez, através da abstenção, o voto de confiança que este Governo necessitava para continuar na senda do desastre, tendo até aceite consagrar no Orçamento a escandalosa "adaptação" de sacrifícios nalgumas empresas.

 

A estratégia do PSD neste momento é deixar que o PS se afunde, levando o país ao desastre, para depois chegar ao Governo em melhores condições. Essa estratégia serve também os interesses de Cavaco Silva, na medida em que não perturba o seu passeio nas presidenciais. É uma estratégia que está a dar bons resultados, como se pode ver pelas sondagens. Mas também é uma estratégia que tem elevadíssimos custos para o País, que vai ser completamente arrasado com a continuação em funções de um Governo sem qualquer credibilidade. A Assembleia da República, face a estas declarações da Comissão Europeia, deveria assumir de imediato as suas responsabilidades. Porque os nossos credores não deixarão de fazer o que deles se espera.

As declarações de voto sobre o Orçamento de 2011.

Confesso que fico absolutamente perplexo com a prática parlamentar que se instituiu de os deputados, quando estão contra uma orientação de voto do seu partido, decidirem afinal acatar essa orientação, mas exprimirem publicamente através de uma declaração de voto a sua discordância com a posição que afinal subscrevem através do seu voto. Trata-se de uma posição totalmente contraditória e incoerente e que só contribui para descredibilizar ainda mais o Parlamento perante a opinião pública.

 

No caso da votação do Orçamento para 2011, parece que há deputados tanto do PSD como do PS que vão apresentar declarações de voto respectivamente a favor da imediata suspensão das grandes obras públicas e contra a criação de excepções às reduções salariais nas empresas públicas, mas ao mesmo tempo votam de acordo com a orientação que têm do seu partido, ou seja em sentido contrário às suas próprias declarações de voto. Ora, a declaração de voto, nos termos do art. 87º, nº1, do Regimento da Assembleia da República, destina-se a esclarecer o sentido da votação, não parecendo que seja correcto o seu uso para dizer que a própria posição do deputado é em sentido contrário ao que votou, uma vez que, a ser assim, ele deveria ter votado antes nesse sentido.

 

Ora, o que diz o art. 12º, nº1, do Estatuto dos Deputados é que estes "exercem livremente o seu mandato", impondo até o art. 10º do mesmo Estatuto a sua irresponsabilidade pelos votos que emitem no Parlamento. Se há uma divergência tão grande com uma orientação partidária, que leva deputados à apresentação de declarações de voto divergentes, então essa divergência deve ser assumida através de um voto em sentido contrário. Era isso o que acontecia nos primeiros tempos do nosso regime democrático, onde se assistia frequentemente a votos contrários dos deputados em relação ao seu próprio partido. Isso conduziu a cisões partidárias, expulsões dos partidos, abandonos voluntários do partido, nalguns casos, com regressos posteriores. Mas os debates parlamentares eram mais autênticos e assumiam-se posições claras, independentemente das consequências.

 

Devo dizer que neste caso acho que os deputados divergentes estão cheios de razão. No caso do PSD, não se compreende como é que um partido que fez ponto de honra em negociar o orçamento com o PS, pode agora inviabilizar a proposta de suspensão imediata das grandes obras públicas, proposta essa em que ele sempre insistiu, com o espantoso argumento de que o orçamento não é seu. Que se saiba, a aprovação do orçamento é da competência dos deputados, pelo que eles assumem a responsabilidade do que aprovam, não se compreendendo que não se tome imediatamente uma medida imprescindível como essa. No  caso do PS, só por absurdo é que um partido que pretende exigir sacrifícios aos portugueses afinal cria no Orçamento excepções apenas para alguns, em resultado de pressões a que não consegue resistir. Pela amostra, é de esperar que essa excepção seja a primeira de muitas e que o descalabro das contas públicas em 2011 ainda acabe por ser superior a 2010, com os mercados a assistir e naturalmente a reagir.

 

Os deputados divergentes deveriam por isso assumir claramente, através do seu voto, as posições que realmente defendem, as quais são neste caso justas e correspondem ao interesse nacional. Apresentar declarações de voto em sentido contrário ao que efectivamente votam é que não me parece fazer sentido absolutamente nenhum.

 

Os efeitos da crise.

Esta notícia de hoje do Público demonstra bem os dramáticos efeitos que a crise económica está a produzir em Portugal, sob a passividade de um Governo que apenas insiste em pedir cada vez mais sacrifícios a um povo já incapaz de os suportar, depois de ter criado um clima propício a um endividamento irresponsável. Alguém se lembra dos tempos eufóricos da Expo 98 e da entrada no euro? Pois nessa altura já qualquer economista minimamente esclarecido avisava de que o nosso endividamento externo era insustentável. Infelizmente, no entanto, nenhum político foi capaz de dizer a verdade aos portugueses e os resultados estão à vista.

 

O que mais me incomoda ao assistir a este dramático sofrimento de cada vez mais pessoas que não mereciam estar a passar por isto é a sensação de que não há quaisquer perspectivas de melhoria, nem sequer com a aprovação do Orçamento para 2011. Porque a única coisa que o Orçamento para 2011 pode conseguir é obter o prémio para a melhor obra de ficção escrita em 2010.

O descrédito do Orçamento para 2011.

Como manifestamente seria de esperar, os juros da dívida soberana portuguesa atingiram um máximo histórico no dia seguinte ao da aprovação do Orçamento. Se alguém julgava que os mercados iriam acalmar, pode desde já perder as ilusões. Na verdade, o Orçamento do Estado nada mais é que uma previsão de receitas e despesas, pelo que é absolutamente irrelevante a sua aprovação, se não houver garantias de credibilidade na sua execução. O Orçamento pode decretar os cortes na despesa e fazer as previsões na receita que quiser, mas se ninguém acreditar sequer na probabilidade de o mesmo ser integralmente executado, ele será sempre considerado pelos mercados como música celestial.

 

Mas ao contrário do que vários actores políticos têm insinuado, a descredibilização do Orçamento não resulta da troca de galhardetes entre o PS e o PSD, nem os mercados acalmariam se eles agora se fingissem amigos. A descredibilização do Orçamento é uma consequência da descredibilização do próprio Governo, e das extraordinários reviravoltas que todos os dias anuncia. Num dia estão suspensas as grandes obras públicas, mas no outro dia já se podem reiniciar. Num dia é decretada a suspensão de todos os concursos na função pública, mas no outro dia já surgem excepções. Num dia, é proibida é acumulação de pensões com salários, mas no outro dia passa a só ser aplicada para o futuro, para num terceiro dia voltar à versão inicial. Se tudo isto ocorre sem o Orçamento sequer ter entrado em vigor, imaginem como vai ser a sua futura execução. E os mercados já perceberam, pois não andam distraídos.

 

A redução dos juros da dívida pública só pode ser conseguida no dia em que for constituído um Governo com uma equipa credível, que dê confiança aos mercados. Continuarmos com este Governo e a sua política errática só pode ter uma consequência: acabarmos a cair da frigideira para o fogo.

Visto da Alemanha.

No Frankfurter Allgemeine escreve-se sobre Portugal isto: "Não é o Primeiro-Ministro José Sócrates, mas antes o líder da oposição Pedro Passos Coelho, que tem a chave da capacidade do Governo de Portugal. E ele tem que escolher entre a peste e a cólera". Quem pensa que o PSD pode escapar à responsabilização pela viabilização deste Orçamento, omitindo uma cerimónia conjunta ou guardando a fotografia da assinatura do acordo no telemóvel, que se desengane. Com a descredibilização total deste Governo tornou-se evidente, mesmo para a Europa, que o facto de o principal partido da oposição deixar passar uma proposta legislativa do Governo, o torna responsável, não apenas por essa proposta em concreto, mas principalmente pela continuação em funções deste Governo. Pense-se agora durante quanto tempo é sustentável essa situação. 

A teoria da farsa ou a farsa da teoria

À hora a que escrevo deverá estar a ser assinado um acordo entre Governo e PSD que permite a viabilização do Orçamento de Estado.

Mas abrimos a televisão, lemos os comentários em jornais e blogues, encontramos sobretudo posições críticas, cujo resumo podia ser este: as pessoas estão fartas do tema, vivemos semanas de farsa política que os mercados penalizaram, toda a gente sabia que eles iam assinar, estiveram imenso tempo a discutir tostões, não há liderança, lá fora acham que somos loucos.

 

Na realidade, nunca um Orçamento de Estado foi tão discutido neste País. Pela primeira vez, os portugueses tiveram um vislumbre daquilo que os espera. Se as "pessoas estão fartas disto" é porque são tontinhas e gostam de pagar impostos.

Os comentadores acreditam na própria propaganda e presumem que eles iam assinar: mas pressionaram o PSD ou acharam bem as pressões. Diziam que era forçoso viabilizar o orçamento, apesar do único argumento ser o "dos mercados", essa entidade mítica cuja vigilância e sabedoria todos parecem compreender. Nunca ouvi tanto elogio à inteligência dos mercados e sobretudo nunca ouvi tal defesa da necessidade de cumprirmos o desejo dos mercados, algo que obviamente os opinadores conhecem ao pormenor.

 

É preciso não esquecer que o Governo não tem maioria e que, devido ao chumbo anunciado do BE, PCP e CDS, havia apenas três opções para o PSD, cujo voto seria decisivo. A primeira era viabilizar sem ler. Quase todos os observadores defenderam esta hipótese como sendo a mais sensata. Era uma solução sem verdade política, que impedia a discussão e que passava um cheque em branco, mas os defensores da opção garantiam que os mercados queriam isto. A segunda hipótese era o chumbo, solução de ruptura que obrigava a eleições e que antecipava em alguns meses a chegada da ajuda externa (Fundo de estabilização/ FMI). O PSD assumiria a responsabilidade e seria provavelmente penalizado nas urnas. A terceira hipótese, que exigia a possibilidade da segunda, era tentar negociar. Ora, uma negociação difícil pode levar meses, é arriscada, sobretudo se um dos lados não estiver de boa-fé. Se o PS não tem maioria, precisa dos votos do PSD, parece lógico negociar.

Mas os críticos nunca falam em negociação, falam em farsa. E mostram como a subida dos juros da dívida ocorreu nos momentos mais difíceis das discussões. Acho que os mercados são racionais (é o dinheirinho deles) e que, do seu ponto de vista, é melhor um orçamento menos mau do que um orçamento mau. É melhor um orçamento negociado do que um cheque em branco passado pela oposição, pois a primeira solução é mais estável.

 

Foram discutidos apenas tostões? Parece que sim, mas isso é próprio de um processo negocial. Lá fora acham que estamos loucos? Talvez achem, mas o orçamento da senhora Merkel passa com facilidade porque existe maioria no parlamento. O orçamento de Cameron passa porque existe maioria. Sem maioria, Sócrates é forçado a negociar, embora os analistas políticos tenham dito por outras palavras que isso era dispensável e contra os interesses do País. 

Pelo contrário. Forçar uma negociação, embarcar numa solução arriscada é mostrar liderança. Dizer a verdade inconveniente é mostrar liderança. Se a opinião pública discute hoje as consequências do orçamento na vida de cada um, isso deve-se à coragem que o PSD demonstrou nesta crise, contra todas as pressões. Isto não foi uma farsa, foi o início de uma mudança. Mas abrimos a televisão, lemos os jornais e os blogues, e esta será uma interpretação muito ausente.

 

  

A Coragem de ser diferente

O líder laranja afirmou que "há direitos adquiridos que o deixam de ser quando o Estado não os puder resolver”.


Quando as sondagens indicavam que o PSD estava perto de conseguir a maioria absoluta, Passos Coelho avança com a proposta de Revisão Constitucional e tudo o vento levou.

 

Uma vez mais, com as sondagens a oferecer uma boa folga ao partido, Passos Coelho afirmou: “Há direitos adquiridos que o deixam de ser quando o Estado não os puder resolver” e, provavelmente, o eleitorado voltará a fugir a sete pés.

 

Agora, mesmo considerando que este é um mau orçamento, Passos Coelho vai permitir a sua aprovação através da abstenção do PSD na Assembleia da República e, de certeza, boa parte da blogosfera vai atacar forte e feio esta decisão.

 

Pois é. Ao contrário de Durão Barroso, de António Guterres ou de José Sócrates, o actual líder do PSD prefere contrariar o comodismo de esperar, sentado, que o poder lhe caia nas mãos. Independentemente de tudo o que penso sobre o orçamento, não posso deixar de reconhecer a coragem de Passos Coelho de preferir que os portugueses saibam, desde logo, o que pensa e o que pretende fazer mesmo que tal o faça perder votos e apoios. Algo tão raro, mas tão raro na política portuguesa que eu, sinceramente, até fico espantado.

 

É nestes momentos que se vê a diferença e por isso não fiquei surpreendido ao ler ESTA posta do António Vieira Lopes quando, no dia anterior, em conversa após o nosso programa no Porto Canal, me disse que ainda não acreditava em Passos Coelho e agora está convencido que “temos Homem”. Francamente, temos.

 

Considero este orçamento péssimo e por mim era um chumbo redondo. Seria bem melhor, eleitoralmente, para Passos Coelho mas ele não me parece preocupado com ganhos ou perdas eleitorais. Ele prefere seguir as suas convicções. No caso são diferentes das minhas mas a sua coragem em trilhar o caminho mais difícil faz-me acreditar que pode ser ele a estar certo e eu errado.

 

Assim seja.