Falou-se de Jorge de Sena mais do que todos, mas também de Cesariny e de literatura embrulhada como pacotes de Mon Chéri. De Saramago e de Pessoa, de Eduardo Prado Coelho e de João Gaspar Simões, embora não nesta ordem imprecisa e tudo menos a cronológica.
Falou-se mais de Sena também porque o João Gonçalves lembrou como o General Ramalho Eanes, então Presidente da República, recuperou o escritor de 'Sinais de Fogo' - esse Professor nato impedido de dar aulas na Faculdade que parvamente (no sentido etimológico) o vetou - para as cerimónias de um 10 de Junho de 1977 em que discursou ao lado de Vergílio Ferreira.
Foi aliás num Curso de Verão da Universidade Católica, em que participava o autor de 'Conta Corrente' (e António Quadros, e outros semelhantes mortos), que conheci melhor o João Gonçalves. Já lá vão 28 anos. Parece-me que o João continua igual ao que era então; Acutilante quando escreve, ternurento quando fala. Próximo quando está perto, distante quando longe.
Olho a dedicatória do exemplar que me autografou deste 'Contra a Literarice e Afins'. Leio assim: "Para o João, desejando que nunca o veja do lado errado da Literatura (this is a private joke)". É bom termos private jokes com pessoas que conhecemos há 28 anos, mesmo que as vejamos de forma intermitente, o que não significa que distante. Para mim, ame quem o ame e odeie quem o odeie, concorde eu com os seus amores ou discorde dos seus ódios, o João estará sempre à distância de um braço. Alguns chamarão a isto amizade. Eu chamo-lhe uma coisa parecida, umas vezes mais fraca outra mais forte, e que não é senão resistir.
P.S. Foi bom ver o João Amaral, o Luís Naves e a Klara, o Francisco José Viegas, o Duarte Calvão, o José Manuel Fernandes, o José Teófilo Duarte e outras pessoas mais, unidas na mesma ocasião pelo gosto da inteligência.
"Homens no Fio" foi o título de um anterior livro do Luís Naves, mas bem podia tê-lo sido também deste mais recente romance, "Jardim Botânico". É um road book sem mapa e muito menos GPS, uma viagem num desconjuntado jipe ao longo do qual acompanhamos um quarteto de desamparados através de uma Guiné agitada pela guerra civil, na sequência da erupção surgida em 1998 da rivalidade entre Nino Vieira e Ansumane Mané.
O conflito é um pano de fundo, um cobertor que abafa e envolve as personagens mas sem nunca transformar-se no tema principal da narrativa. Assim como o mesmo acontece com a história pessoal de cada uma das figuras. Um livro de aventuras sem heróis, exercício de despojamento onde inexistem facilitismos literários, um desafio a quem lê pela depuração dos sentimentos e pela obrigatoriedade que nos impõe de transpor a distância em direcção às vidas que se movem aos nossos olhos para parte incerta.
Desde o início, os viajantes são confrontados com a possibilidade da morte e continuam a sê-lo até ao fim. São mortes pequenas, acidentais, quase tontas até para quem se encontra no epicentro de uma guerra. Mas que relembram em cada etapa a fina linha invisível entre a vida e o seu contrário, linha essa que no capítulo final adquire reforçada dimensão.
Curiosamente, as personagens não parecem mais unidas por partilharem de um mesmo perigoso caminho. Até na relação entre Daniel e Ana, há uma distância intransponível de sentimentos, simétrica daquela que os separa do seu destino só em parte comum. A meio da sua viagem, bebendo martinis à beira da piscina do Hotel Oásis, a conversa distancia-os em lugar de os unir.
Não é à palavra que compete estabelecer a ligação, mas sim aos actos. Não é ao autor que cabe a tarefa de iluminar as vidas assombradas, vidas essas que a certa altura encontram à noite outros fantasmas de metralhadora na mão e com quem acabam de mãos dadas. Esta é uma prosa enxuta que descreve o atravessar de uma terra esvaziada. Este é o relato de algumas vidas que percorrem um jardim botânico que os homens tornaram carnívoro. É um livro em que as personagens não são marionetas e sim homens e mulheres. Homens no fio, como cada um de nós.
"Jardim Botânico" de Luís Naves. À venda em todas as boas livrarias, edição Quetzal, 238 págs.
Já tinha lido as provas originais. Estou a reler na sua última versão. A Quetzal escolheu uma capa excelente para um romance de excepção. Para já, deixo que o autor - o muito nosso Luis Naves - fale do que escreveu. Mas em breve direi o porquê de tal opinião. Amiguismos nunca à parte, mas sempre com o reconhecimento crítico da verdadeira arte.
"Em Junho de 1998, estalou uma inesperada rebelião militar na Guiné-Bissau. Não estavam em causa questões étnicas ou religiosas, mas sobretudo a rivalidade entre dois homens, o Presidente Nino Vieira e o chefe das forças armadas, brigadeiro Ansumane Mané. A rebelião provocou um curto período de guerra civil, que durou sete semanas. Seguiu-se quase um ano de impasse e uma década de alta instabilidade. Na realidade, a Guiné nunca recuperou daquele episódio (...)".
Podem ler aqui um excerto do texto:
"Falaram de tudo e de coisa nenhuma, passeando ao acaso entre as ruas estreitas, abordados por cada um dos vendedores do mercado, que lhes falavam em francês. Ana comprou um lenço vermelho, que pôs ao pescoço, e aquilo deu-lhe um encanto imprevisto. Era daquelas mulheres que, por vezes, quase se tornam belas. Sobretudo quando sorria, mais feliz e distraída com os sons da vida. Vestia calções e usava botas grossas, e a brancura das pernas contrastava com a riqueza do colorido temperado no tumulto humano que os rodeava."
"Jardim Botânico" é a minha quinta obra de ficção e o meu quarto romance. Publiquei dois na Campo das Letras, "O Silêncio do Vento" (1998) e "Os Reis da Peluda" (2003), além de uma novela, "Homens no Fio" (2005). Na Quetzal, publiquei o romance "Territórios de Caça" (2009). O meu trabalho na área da ficção inclui uma dezena de contos publicados em diversas revistas e ainda pequenos contos e crónicas nos blogues literários colectivos Prazeres Minúsculos (2005-2007), As Penas do Flamingo e aqui, nas Emoções Básicas.
Apesar de Mario Vargas Llosa ser em cada ano o primeiro nome de qualquer lista sensata para esse prémio, parecia que o Nobel da Literatura lhe iria passar ao lado, como aliás aconteceu com tantos grandes escritores com quem a academia sueca embirrou, como por exemplo Jorge Luis Borges ou John dos Passos. Hoje, foi finalmente anunciado que o escritor peruano é o vencedor do Nobel da Literatura em 2010. Uma decisão muito justa.
O autor de romances como Conversa na Catedral, A Guerra no Fim do Mundo, A Festa do Chibo, Lituma nos Andes, Travessuras da Menina Má (os que li dele) é também ensaísta e contista, foi candidato presidencial peruano em 1990, derrotado por um presidente de má memória, Alberto Fujimori.
Vargas Llosa é porventura o autor vivo que melhor retratou a violência política dos nossos dias e a luta inglória pelas utopias. Ele denunciou os totalitarismos da esquerda e da direita e tornou-se incómodo. Para mim, é um escritor da liberdade, com imaginação fértil, personagens complexas, o gosto do comentário social. Tem sentido de humor, filigrana técnica e compreensão rara dos derrotados da história.
A escrita de Vargas Llosa é muitas vezes quase insuportável, devido à violência das situações, a dificuldade da redenção, o sofrimento das suas personagens ou ainda por causa dos excessos devassos. Mas existe uma elaborada sensualidade na sua prosa, na paisagem desmesurada, na exaltação humana, nos ímpetos da paixão que ele tão bem retrata.
Estou mesmo a ficar velho. Hoje estive na apresentação do quarto livro da escritora maiata Madalena Santos, uma jovem advogada nascida em 1987. Reparem, nascida em 1987, um ano antes de eu começar a namorar com a minha mulher. 1987! Siga.
Estava eu a dizer, fui a Vermoim onde a Madalena Santos apresentou o seu 4º livro que está a ser um sucesso de vendas. Editado pela Gailivro, do grupo Leya, “Os Doze Reinos” é o fecho de um conjunto de quatro livros da saga “As Terras de Corza” cujo primeiro foi editado em 2006 (O Décimo Terceiro Poder).
É espantoso ver alguém tão jovem aventurar-se desta forma pelo mundo da escrita e com sucesso. Parabéns Madalena e façam o favor de ler!
A sua primeira obra centrou-se, sobretudo, nas questões “mais” históricas desta sociedade dita secreta e no seu alegado papel na Revolução Francesa, na independência das colónias espanholas ou na Revolução Russa. Acrescido de um conjunto de “sound bites” de entre os quais se destaca a alegada responsabilidade desta no crescimento das grandes seitas modernas. Mesmo reafirmando que não era esse o seu objectivo, por muito que lhe custe, sente-se/ nota-se da leitura dessa obra um certo preconceito negativo. A exemplo de muitos detractores e outros tantos defensores desta sociedade secreta, igualmente César Vidal não se conseguiu desligar das suas ideias pré-concebidas e trilhar caminhos próprios do romance e não da história. Ficou a incerteza.
Já nesta segunda obra as dúvidas dissiparam-se e logo através do subtítulo ficamos esclarecidos sobre o pensamento inicial do autor sobre o facto estudado. Tal, em Portugal, seria de todo impensável: os nossos brandos costumes, associados ao respeitinho e misturados com a manhosice que nos corre no sangue saberiam esconder a opinião pessoal nos subentendidos rendilhados com arte. A frontalidade e o desassombro tão típicos dos nossos vizinhos não permite essas tibiezas. Para César Vidal a maçonaria é um Estado dentro do Estado e a Espanha de Zapatero é um tratado sobre a influência da maçonaria nos destinos do país das Nações.
Mesmo percorrendo, em boa parte da obra, a velha disputa “Maçonaria vs Igreja Católica” e reafirmando, segundo o seu entendimento dos escritos dos principais pensadores maçónicos, da incompatibilidade entre estas duas Instituições – ao mesmo tempo que afirma o seu contrário ao debruçar-se sobre a alegada influência desta sociedade no catolicismo moderno, dedicando a terceira parte do seu livro ao que denomina por “Assalto à Igreja Católica” – não deixa de alimentar as mais diversas e correntes teorias da conspiração sobre a influência desta obra na política de diversos Estados (França, Itália de Berlusconi, sem esquecer um clássico: os EUA). Nada de novo ou original.
Ou seja, Vidal, concorde-se ou não com aquilo que escreveu, acredite-se ou não nestas suas teses pretensamente históricas, utiliza os seus reconhecidos méritos de historiador para escrever um…romance. Não um livro de história, quando muito, um livro de “estórias”. Por sinal, um excelente romance superiormente bem escrito e de leitura fácil e agradável. Mas que em nada se distingue dos romances de Dan Brown ou do português Rodrigues dos Santos.
Se a intenção de César Vidal foi escrever um romance, conseguiu uma boa obra. Pelo contrário, se pretendeu escrever um livro de história, falhou redondamente. O seu último capítulo é disso um bom exemplo: afirmar ou procurar dar a entender que os governos de Zapatero são um “experimento masónico” é, no mínimo, querer escrever sobre história quando se é parte nela e isso, como se aprende nas Faculdades de História, é um erro trágico. Não faço a mais pequena ideia se ZP e/ou os seus ministros são membros da maçonaria ou se governam ou não segundo os ditames desta mas, sinceramente, tal tipo de especulação peca por dois defeitos: querer justificar os erros de quem governa culpando terceiros e, por outro lado, acreditar que a maçonaria terá semelhante força.
Alguns leitores dirão que estou a ser ingénuo. Talvez. Mas desde o pós 11 de Setembro que estou farto das mais rocambolescas teorias da conspiração para justificar tudo e todos. Isso e a permanente justificação do mau governo e da incompetência de quem nos governa culpabilizando terceiros.