A presunção de inocência é um conceito jurídico que se aplica num contexto jurídico. É fácil encontrar argumentos a favor e contra a sua aplicação fora do contexto jurídico (por exemplo, no contexto da opinião pública). Finalmente, no meio da impunidade sistemática (sistema judicial português), crueldade sistemática (sistema judicial português) e injustiça sistemática (sistema judicial português) - a aplicação da presunção de inocência perde credibilidade até no contexto jurídico.
"Segundo o Correio da Manhã um homem acusado de violar a enteada, à data com 12 anos, saiu do tribunal em liberdade – com pena suspensa durante quatro anos – porque o colectivo de juízes entendeu que a criança consentiu a relação sexual." Ler o resto no Blasfémias aqui (o bold é meu).
Sobre a pena suspensa por igual período, ler o primeiro post da série "Os Tribunais Portugueses São Cruéis" aqui.
Este ano, a única (só há uma) escola de juízes e magistrados do país (o país tem mais de dez milhões de habitantes) não abre vagas. Pela primeira vez em três décadas, o Centro de Estudos Judiciários não vai abrir um novo curso para juízes e procuradores (segundo o DN). Isto no mesmo ano em que a Ordem dos Advogados chumbou a quase totalidade dos "candidatos a advogados", isto é, gente que já se formou na universidade, isto é, que já passou todos os exames do respectivo curso de Direito, que por sua vez já foi homologado pela tutela ministerial com a concordância daquela mesma ordem profissional.
Estas tristezas ocorrem num país em que é precisamente a justiça a área com menor eficácia. Nem a saúde, nem a educação atingem os limites de inferioridade e miséria de desempenho da justiça. Basta ler e ouvir António Barreto (blogosfera, imprensa, entrevistas, etc.).
O governo socialista prefere cortar nas prestações sociais aos mais desprotegidos e fragilizados da sociedade enquanto mantém o esbanjamento sujo dos tê gê vês, auto-estradas e aeroportos. Não contente com isso, agora decide pôr em causa uma função do Estado, que não é apenas função social mas, sobretudo, é uma tarefa nuclear do Estado de Direito.
Quando é que estes socialistas vão perceber que aquilo em que é preciso cortar é neles mesmos?
Ontem pedi ao meu amigo B. um esclarecimento jurídico. Agradeço-lhe a disponibilidade e simpatia com que respondeu ao meu pedido.
Relativamente à pena suspensa, o art.º 50 do Código Penal dispõe que o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em período não superior a cinco anos desde que entenda que a simples censura e ameaça de prisão realizem as finalidades da punição atendendo à personalidade do agente, condições da sua vida, conduta e circunstâncias do crime. Portanto é uma faculdade do tribunal, dependendo do seu juízo discricionário, e não propriamente uma imposição aos juízes.
No entanto, nem sempre os juízes são livres na imposição de penas. Por exemplo, se a pena não for superior a um ano, o art.º 43 do CP dispõe que a mesma é obrigatoriamente substituída por multa salvo se o tribunal entender necessário o cumprimento da pena (repara que se inverte o ónus; o tribunal é que tem que provar a necessidade do cumprimento da pena). O caso mais gritante consta do art.º 16 Código de Processo Penal, que já foi objecto de uma apreciação da sua constitucionalidade, onde se dispõe que o Ministério Público pode, na acusação, requerer que não seja aplicada pena superior a 5 anos, pedido esse que é vinculativo para o Tribunal. Isto é muito grave pois o juiz encontra-se balizado na sua actuação pelo pedido do Ministério Público.
É uma terrível e desumana crueldade estar uma manhã inteira a ouvir juízes a lerem uma sentença relativa a crimes muito graves para que tudo, no final, se resuma a tantos anos de prisão com pena suspensa por igual período.
Este pena suspensa por igual período invalida tudo: invalida o castigo, invalida o símbolo, invalida a própria justiça. E é de uma crueldade asfixiante.
Espero que Marinho Pinto tenha conseguido ontem a sua reeleição para bastonário dos advogados portugueses. Porque nunca antes alguém conseguiu, como ele, incomodar a paz podre da justiça e da advocacia dos interesses e ser, nesta sociedade gravemente doente, uma voz livre, desalinhada, sem medo. – Miguel Sousa Tavares, Expresso, 27 de Novembro.
A vitória de Marinho e Pinto foi tão expressiva e clara que eu até fiquei espantado. Neste país da “bolinha baixa” e do jogo rendilhado a meio campo, raramente as vozes livres e desalinhadas conseguem vencer o que quer que seja. O reeleito bastonário não manda dizer, diz. Não foge ao confronto, luta.
Por vezes não concordo com ele mas nunca fico indiferente. O seu combate por uma justiça verdadeiramente justa, pela defesa intransigente da vítima e as suas batalhas em prol daqueles cuja voz nunca é ouvida fazem dele um bastonário diferente.
Teve um primeiro mandato muito, mas mesmo muito, complicado e em constante guerra com uma parte importante da sua classe, sobretudo os chamados “grandes escritórios” que o trataram abaixo de cão e utilizaram todo o tipo de estratagemas, incluindo momentos de uma baixeza nunca antes vista na ordem dos advogados. Como se constata pelos resultados obtidos na passada sexta-feira, fizeram dele uma vítima e foram humilhados nas urnas.
Para este segundo mandato parte reforçado. A grandeza da vitória e a expressão clara da vontade da maioria dos advogados portugueses permite acreditar que terá a paz interna necessária para cumprir o seu programa e fazer o que ainda não foi feito. Assim sendo, não haverá espaço para desculpas (nem ele as costuma utilizar, verdade seja dita) e a Ordem dos Advogados pode ser fundamental como alavanca para a mudança necessária na justiça portuguesa que se tornou, nas últimas décadas, um dos principais factores para o nosso atraso económico e social. Nenhuma democracia sobrevive com uma justiça como a que temos. Nenhum.
Os actores de todo o nosso sistema de justiça são culpados pela criação deste outro monstro que está a minar os alicerces da democracia portuguesa. É imperativo mudar.
Até este momento (00h10) António Marinho e Pinto lidera a contagem de votos. Venceu no Porto com mais de 60%, venceu em Coimbra (os votos dos outros dois candidatos somados são quase metade dos votos em Marinho e Pinto) e venceu nos Açores - únicas votações já totalmente contabilizadas.
Em Lisboa vai na frente mas ainda é muito cedo. Para já, surpresa, a lista de Marinho e Pinto ao Conselho Superior também está na frente.
A noite promete ser longa!
Actualização: (00h50) António Marinho Pinto venceu as eleições para a Ordem dos Advogados.