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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Default/Reestruturação: a Espanha e a Itália

Enquanto mais de metade dos meus últimos posts têm sido sobre a necessidade de realizar quanto antes uma reestruturação parcial não só da dívida grega mas também da irlandesa e da portuguesa, em vez de se esperar pelas eleições na França e na Alemanha - já Nouriel Roubini lança para cima da mesa o cenário da reestruturação espanhola e italiana.

Default/Reestruturação: o Sarkozy e a Merkel

 

Se Nicolas Sarkozy e Angela Merkel tomassem hoje e agora a decisão de provocar o default parcial das dívidas grega e portuguesa, os eleitorados francês e alemão sentir-se-iam de tal modo lesados e, até, roubados pelos países do sul europeu que o resultado inexorável e com probabilidade absoluta seria que Sarkozy e Merkel não seriam reeleitos.

 

Sendo assim, vai ser preciso esperar pelas eleições na França (Abril ou Maio de 2012) e na Alemanha (Setembro ou Outubro de 2013) para que se trave de vez a espiral dos sucessivos endividamentos, ajudas e bailouts aos países do sul da Europa.

 

O que determinará o timing dos defaults parciais grego e português não terá nada a ver com razões de natureza económica mas exclusivamente com o eleitoralismo vil de Sarkozy e Merkel.

 

Enquanto se espera pela reeleição daqueles dois e se vai deixando aumentar a massa total de dívida para níveis ainda mais incomportáveis, é a própria sobrevivência financeira e monetária da Zona Euro que é colocada em risco. Travar o ciclo de endividamentos e bailouts tem custos eleitorais directos para Sarkozy e Merkel mas é a melhor forma de salvaguardar o futuro do euro e da União Europeia. O mais recente bailout grego de cento e nove mil milhões de euros foi uma insanidade difícil de qualificar depois da loucura que já tinha representado o primeiro bailout de cento e dez milhões de euros.

 

De igual forma, Portugal optou erradamente por um pacote de "ajuda" a taxas insustentáveis em vez de ter procedido a uma reestruturação negociada da dívida. Menos mal que na passada cimeira europeia os juros foram aliviados para valores inferiores a quatro por cento (tal como eu reclamava na minha "chantagem dos três por cento" aqui, aqui e aqui).

 

Mas por que razão não foram logo propostos a Portugal juros minimamente razoáveis? E quantos milhões e oportunidades terá o nosso país perdido enquanto esperava pelos juros mais baixos saídos da cimeira europeia?

 

A razão foi que o castigo dos países do sul por via de taxas de juro insanas servia os interesses populistas de Sarkozy e Merkel. Quanto às perdas que Portugal terá eventualmente sofrido, esse é o assunto que menos importa aos actuais líderes da França e da Alemanha.

Default/Reestruturação: o Timing

O timing de um default/reestruturação é um assunto complicado. Quanto mais cedo se procede, menor é o volume de dívida a sofrer reestruturação e menos dinheiro fica por pagar.

 

Por outro lado, há medida que o tempo passa e as dívidas vão sendo refinanciadas através da ajuda do FEEF/FMI/BCE e eurobonds, vai sucedendo uma alteração na composição dos credores. A dívida deixa de estar tão dispersa por milhares de aforradores privados e passa a concentrar-se num menor número de investidores institucionais.

 

Ora é muito mais fácil negociar uma reestruturação com um relativamente pequeno número de credores, muitos deles públicos, do que com milhares de anónimos privados. E não é só uma questão de número e de maior cumplicidade entre agentes públicos do que entre instituições e privados: é também importante a maior discrição: uma reestruturação realizada entre governos, instituições europeias e alguns grandes bancos é mais discreta e, logo, menos onerosa do ponto de vista político e eleitoral. É sobretudo esta a razão que tem levado Sarkozy e Merkel a adiarem o mais possível os inevitáveis defaults parciais grego e português.

 

A concentração da massa de credores tem também o efeito benéfico de minimizar o contágio decorrente do incumprimento parcial e de torná-lo mais previsível.

 

O adiamento das reestruturações produz ainda um efeito redistributivo: se realizadas agora, quem mais perde é quem mais investiu em dívida soberana; se adiadas, as perdas decorrentes do incumprimento recairão (indirectamente) por maior número de cidadãos uma vez que os perdedores directos são entidades representativas e suportadas pelo grande público (governos e instituições comunitárias).

 

Vale a pena pensar em quais são os possíveis argumentos políticos e de justiça/equidade que justificam que as perdas em consequência do default parcial sejam socializadas para proteger aqueles que livremente optaram por investir em dívida pública. Questão mais técnica é a da eficiência económica de tal forma de social insurance.

 

Na minha opinião, apesar de todos os argumentos a favor do adiamento das reestruturações, sou pela sua maior antecipação sobretudo porque os sucessivos endividamentos e bailouts (a Grécia já vai em dois) estão a levar os volumes totais de dívida europeia para níveis que já não permitirão resgate futuro nenhum a menos, talvez, que uma China decida vir em socorro já não de um ou outro pequeno país periférico mas de toda a zona euro.

 

Há medida que a bola de neve cresce e aumentam as pressões no sentido das dívidas nacionais serem "mutualizadas" pelo conjunto dos Estados membros europeus (cfr. a "novela dos eurobonds" aqui no Albergue), a situação mais ou menos estável de países como a França vai se degradando. Para que a França e a Alemanha garantam a dívida conjunta de Espanha e Itália (mesmo que seja só uma parte) é preciso que os dois primeiros países agravem a sua situação financeira o que os coloca, sobretudo no caso francês, também em risco de precisarem de ajuda. E como dizia o Münchau no outro dia, a França não é suficientemente grande para se resgatar a si mesma.

 

Enquanto não se travar o ciclo de endividamentos e bailouts, é o próprio conjunto europeu que vai ficando em risco de bancarrota generalizada. Mas a verdadeira preocupação de Sarkozy e Merkel não é a salvação nem de Portugal e da Grécia, nem do euro, nem da União Europeia: é a salvação das próprias cadeiras onde se sentam. Fossem as eleições presidenciais francesas e federais alemãs antecipadas e a política já seria outra. No próximo e último post desta série escreverei sobre o egoísmo eleitoralista de Sarkozy e Merkel.

Default/Reestruturação: o Modo

Como já escrevi várias vezes neste blogue, a reestruturação das dívidas públicas grega e portuguesa é uma inevitabilidade (um primeiro haircut já ocorreu na Grécia e não será o único). Não se trata de uma mera opção económica ou política: é a pressão dos factos que leva a esse resultado.

 

O facto principal não tem nada de esotérico ou complexo: a quantidade total de dinheiro em dívida já é demasiado grande para que alguém possa acreditar que toda a dívida venha a ser honrada. Logo, os novos credores só emprestam a juros que de tão altos só agravam ainda mais a dimensão do problema. O resultado é uma bola de neve de mais endividamento e sucessivos bailouts que é em si mesmo um fenómeno especulativo dos piores, em que todos sabem que o desastre se aproxima mas todos acreditam que escaparão antes do barco afundar. Só há uma maneira de travar esta bola de neve: o default parcial.

 

Sendo o default inevitável, o que fica a caber na esfera de decisão política são duas questões importantes: o timing e o modo do default/reestruturação. [A propósito: default parcial e reestruturação são essencialmente a mesma coisa, a diferença é que reestruturação é uma palavra mais soft. O politiquês é a arte de tornar eleitoralmente mais tragável uma mesma e horrível realidade através da utilização de eufemismos.]

 

O melhor modo de reestruturar é a negociação respeitando minimamente a liberdade dos credores. Reestruturações unilaterais têm consequências políticas e económicas extremamente nocivas e de duração incerta. Uma maneira negociada e que atende à vontade dos credores é a emissão de eurobonds. Como em muitos outros aspectos da construção europeia, existe já um excesso de optimismo em relação aos eurobonds. Parece-me, apesar de tudo, que os eurobonds são um paliativo pelo menos tão bom como outro qualquer, o que já não é nada mau.

 

Já a questão do timing apresenta maiores dificuldades. Sobre esse tópico, sigam-me até ao próximo post...

Shame on Greek Police Forces

 

Merece censura a forma como a polícia grega tem actuado perante as manifestações populares de desagrado pelos sucessivos planos de austeridade. A Grécia está a ser vítima da infiltração de extremistas anti-democracia que seguem à risca o princípio do "quanto pior, melhor". Os incêndios provocados e a destruição urbana são na sua maioria da responsabilidade dos extremistas. A polícia, no entanto, contra-ataca sobre todos. Não pode ser. A polícia e os serviços secretos deveriam prevenir e manter o terrorismo debaixo de olho. Em vez disso, reagem excessivamente contra toda a gente.

 

Depois, as opiniões que indignam: ler que os gregos não são, ao contrário dos portugueses, um povo de "brandos costumes" e que, isso sim, são mais violentos e com mais sangue na venta e na guelra. O que se passa na Grécia não é uma questão de "temperamento nacional" mas de infiltração terrorista. E o tipo, orientação política e virulência dos grupos extremistas depende mais da História específica de cada país do que do seu "temperamento".

 

 

[A cienciazinha dos "temperamentos nacionais" faz-me sempre lembrar uma certa antropologia que se praticava no séc. XIX: uma pseudo-ciência que, a maior parte das vezes, acabou muito mal].

Downgrade

A agência Moody's cortou o rating de Portugal em quatro níveis, de Baa1 para Ba2, considerado "lixo" e com perspetivas de revisão futura negativa (no Expresso).

 

A reestruturação da dívida grega está em fase de planeamento. Que a dívida grega será reestruturada é ideia que já (finalmente) entrou no mundo dos factos. Isto só torna mais verosímil a futura reestruturação da dívida portuguesa. Se Sarkozy e Merkel continuassem a insistir que nenhum credor dos gregos jamais perderia alguma coisa, talvez que as agências de rating mantivessem a sua apreciação das dívidas soberanas grega e portuguesa. Mas visto que Sarkozy e Merkel já deram os primeiros passos no sentido de aceitar a reestruturação grega e tendo em conta que a dívida portuguesa não é menos insustentável (que perspectivas de crescimento para Portugal?) - então não há razão nenhuma para que o actual rating da dívida portuguesa não sofra a consequência daquilo que está à beira de também se tornar um facto: a dívida portuguesa será reestruturada e quem a detiver arrisca-se a perder dinheiro.

 

***


No entanto e entretanto... quando é que alguém (economista? jurista? jornalista?) faz um trabalho sério de investigação aos mais que prováveis interesses incompatíveis e cruzados e inaceitáveis das agências de rating? Vamos ter de esperar por mais um documentário do Michael Moore oder was?

A Grécia a ferro e fogo.

 

Cada vez acho mais insustentável a situação na Grécia. O Parlamento Grego, por imposição dos seus credores, aprova atento, venerador e obrigado, o plano de austeridade que lhe exigem. Os Presidentes do Conselho e da Comissão Europeia, cujo papel na gestão desta crise ainda ninguém percebeu qual é, apressam-se a saudar o "sentido de responsabilidade" do referido Parlamento Grego. Entretanto, o voto desencadeia uma verdadeira batalha campal nas ruas de Atenas onde até gás lacrimogéneo é atirado sobre os manifestantes.

 

Mas, apesar de tudo, há boas notícias. A banca mundial fechou em alta, mal foi conhecida a aprovação do plano de austeridade grego e até a Bolsa de Lisboa subiu 2,5%. E até o euro atingiu 1,44 dólares, graças a esta decisão do Parlamento Grego. Parece, portanto, que o Parlamento Grego acaba de prestar um grande serviço à banca europeia, às bolsas e até ao euro. Só os infelizes dos cidadãos gregos, em cujo nome os seus deputados votam, é que provavelmente se irão ver mesmo gregos com o novo plano de austeridade.

Finalmente, a Reestruturação da Dívida Começou

Custou muito, demorou muito tempo mas finalmente os responsáveis políticos alemães ganharam juízo: segundo o DN,

 

a Alemanha enviou uma carta aos outros países da União Europeia (UE) propondo que o pagamento da dívida soberana da Grécia seja reescalonado por sete anos e que os actuais detentores de títulos gregos contribuam de forma substancial para o segundo plano de resgate a Atenas.

O desmoronar da União Europeia.

 

 

 

Esta notícia avançada pelo Der Spiegel de que a Grécia se prepara para sair do euro e já elaborou um plano para reintroduzir uma moeda própria representa, a ser verdadeira, a colocação em ruínas do edificio jurídico da União Europeia, que há 60 anos tem vindo a ser paulatina e laboriosamente implementado. Efectivamente, nada está previsto nos Tratados em relação à possibilidade de um Estado-Membro abandonar o euro, estando apenas contemplada a possibilidade de saída da União Europeia. A concretizar-se esta saída, seria a primeira vez que um Estado-Membro deixaria a União, dado que a prévia saída da Gronelândia nada mais representou que a não aplicação dos Tratados a uma região não europeia governada pela Dinamarca. A saída da Grécia, com o simbolismo de ser o país fundador das raízes da civilização europeia, representaria um sério revés para o projecto europeu, do qual este dificilmente recuperaria.

 

Tudo isto demonstra que não temos governantes europeus à altura das suas responsabilidades. Quando se assiste a uma profunda crise das dívidas soberanas dos Estados-Membros a resposta a essa crise deveria ser dada pela União Europeia em conjunto. Sucede, porém, que os governantes da União não têm dado a resposta que se impunha à crise, deixando o poder ser exercido pelos governantes dos Estados-Membros mais poderosos. E estes só têm demonstrado tomar em considerar os interesses dos seus cidadãos, até pretendendo castigar os outros Estados-Membros pelas dificuldades financeiras que atravessam, como se essas dificuldades não fossem já castigo suficiente. Assim sendo, a União Europeia de União já não tem nada, não passando de uma soma de egoísmos nacionais.

 

A saída da Grécia será uma autêntica tragédia grega para a União Europeia. Claro que haverá muitos que aplaudirão e até salientarão que é a solução mais racional do ponto de vista económico. Mas do ponto de vista político, estaremos perante o verdadeiro colapso de qualquer projecto de criar uma União Europeia forte e com influência mundial. O gigante económico europeu deixará de ser um anão para se transformar num micróbio político. É bom que se tenha consciência disso.