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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Bloco de Esquerda: o culto do líder e o afirmar de uma corrente.

 

A Andrea Peniche critica as posições do Daniel Oliveira, relativamente ao pedido de demissão da direcção do Bloco de Esquerda, no blog do próprio Daniel Oliveira. Tirando este facto, que acho interessante, nada mais de relevante esta "militante" trouxe para a discussão. Aliás, este texto mais não é do que uma sumula de argumentos a defenderem mascaradamente o centralismo-democrático que o BE há muito pratica e que Louçã nunca assumiu nos seus discursos.

Os principais críticos a Francisco Louçã, nos últimos anos, foram afastados (a Joana Amaral Dias é o melhor exemplo) e as personagens que lhe podiam fazer frente foram colocadas discretamente na prateleira (Daniel Oliveira desapareceu para o "comentário" e Miguel Portas foi colocado na Europa). Isto para não falar do Ruptura/FER que, mesmo quando representou uma fatia importante da Mesa Nacional do BE, nunca conseguiu ter um único lugar elegível na lista de deputados.

Mas sobre este assunto, já confrontei directamente Francisco Louçã, na blogconf do BE, em 2009. Os vídeos podem ser vistos aqui e aqui. Afinal tinha razão.

Legislativas (22)

 

A DESCER

 

José Sócrates. Os portugueses fartaram-se de José Sócrates, das suas contínuas promessas por cumprir, do défice monstruoso, dos 700 mil desempregados, da pesada herança que deixa ao sucessor no palácio de São Bento. Esta legislativa, como era de antever, funcionou como um plebiscito ao homem que encabeçava o Governo desde 2005. O veredicto das urnas foi claro: o pior resultado do PS dos últimos 20 anos. Deixando sem margem de manobra o homem que ainda há bem pouco tinha recebido uma votação esmagadora no mais inútil e mais patético dos congressos do seu partido.

 

Francisco Louçã. Dir-se-ia que estas eleições seriam ideais para capitalizar os votos de descontentamento no Bloco de Esquerda. Nada disso aconteceu: os bloquistas sofrem uma pesada derrota que os faz reduzir para metade o grupo parlamentar eleito em 2009. Consequência directa dos clamorosos erros estratégicos do Bloco que foram sendo cometidos nos últimos meses e que mereceram aqui diversas críticas. O erro principal foi a tentativa de copiar o Partido Comunista, esgotando-se numa força de mera oposição, sem propor qualquer solução governativa. Louçã é o rosto da derrota eleitoral do BE.

 

Ferro Rodrigues. Regressado de Paris, foi o maior trunfo de Sócrates na elaboração das listas eleitorais. Cabeça-de-lista do partido da rosa, teve um discurso errático durante a campanha, em que destacou como um dos principais defensores de uma solução de bloco central - repetindo, aliás, um apelo que já fizera em 2009. Conduziu o partido a uma pesada derrota na capital, frente ao PSD encabeçado por Fernando Nobre, e perde assim margem de manobra para influenciar um cenário de sucessão nas hostes socialistas.

 

Participação eleitoral. Apesar da profunda crise em que o País mergulhou, com um cenário iminente de bancarrota, demasiados eleitores portugueses continuam divorciados das urnas. Estas foram, aliás, as legislativas menos participadas em quase quatro décadas de regime democrático: 41% dos inscritos recusaram votar. Esta questão faz suscitar outra, cada vez mais premente, sobre a profunda desactualização dos cadernos eleitorais. A percentagem oficial corresponderá à percentagem real?

 

Sondagens. Foi vergonhosa a tentativa de manipulação dos eleitores através de sucessivas sondagens que apontavam para "empates técnicos". Nunca houve tantas sondagens numa campanha e nunca as sondagens falharam tanto. Os resultados das urnas demonstraram que não podia haver situações de efectivo empate técnico a tão poucos dias do exercício do voto. Aqui está um tema de urgente reflexão por parte dos responsáveis das empresas de sondagens e por parte dos responsáveis editoriais que as divulgam.

 

Pequenos partidos. Alternativas? Que alternativas? Os pequenos partidos continuam sem mobilizar os portugueses. Não há justificação para que muitos deles, que nunca conseguiram eleger ninguém ao longo de sucessivas eleições legislativas e autárquicas, continuem a receber apoios do Estado, nomeadamente na realização de tempos de antena eleitorais. A lei deve ser revista nesta matéria fazendo depender esses apoios de números mínimos de votos obtidos nas urnas.

Legislativas (10)

  

 

DEBATE PAULO PORTAS-FRANCISCO LOUÇÃ

 

Francisco Louçã e Paulo Portas protagonizaram esta noite, na SIC, o mais equilibrado dos debates televisivos desta campanha. Foi um debate em que ficaram evidentes as clivagens ideológicas mas sem crispações pessoais. O presidente do CDS-PP e o coordenador do Bloco de Esquerda, ambos com longa experiência em televisão, souberam dirigir-se aos seus eleitorados específicos - jovens, desempregados e pensionistas sociais, no caso de Louçã; idosos, agricultores e portugueses da classe média-baixa, no caso de Portas. Louçã foi hábil ao associar por duas vezes o seu antagonista ao primeiro-ministro. "O seu programa é hoje o do engenheiro Sócrates", acusou o bloquista, lembrando que Portas apoiou o memorando assinado entre o Governo e o triunvirato composto por membros da Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu. "O responsável pela situação a que Portugal chegou chama-se José Sócrates", demarcou-se Portas, acentuando que aprovou o memorando por absoluta falta de alternativa: "Uma declaração de insolvência do Estado português significava que Portugal era posto fora do euro e que o dinheiro das pessoas ficava a valer metade."

Portas aproveitou o início do frente-a-frente para detalhar algumas das medidas que propõe aos eleitores. Nomeadamente a concessão de um crédito fiscal às empresas que contratem novos trabalhadores neste tempo de recessão e a obrigação de as universidades avisarem os alunos para os índices de emprego dos seus cursos. Louçã também foi capaz de descer ao concreto, advogando a "criação de emprego com o impulso do Estado" na ferrovia de proximidade, em novas redes de lares de terceira idade e na reabilitação urbana. Trocaram argumentos fortes em questões como o emprego, o rendimento mínimo e a renegociação da dívida externa portuguesa. Portas aproveitou para criticar Louçã por ter recusado uma audiência com os membros do triunvirato que se deslocaram a Lisboa: "As suas ideias, deixou-as nas mãos de José Sócrates. Porque teve medo de perder votos para o Partido Comunista." Louçã deu-lhe o troco, acusando-o de "conseguir votos" à custa da diabolização dos beneficiários do rendimento mínimo, "degradando a cultura da solidariedade". E, tal como fizera no debate com Paulo Portas, voltou a mencionar o ex-ministro democrata-cristão Bagão Félix entre os que defendem a renegociação da dívida. Sem esquecer outras personalidades distantes da sua área ideológica que já exprimiram a mesma tese, como Pedro Ferraz da Costa e "o seu antigo primeiro-ministro, Santana Lopes". Palavras ditas olhando Portas com um sorriso irónico.

O presidente do CDS, mais contido do que é habitual, não hesitou em mencionar áreas de convergência com o Bloco: "Ambos votámos a favor da prescrição da unidose", acentuou. Também ele defende a "Caixa Geral de Depósitos pública", estando nesta matéria mais próximo de Louçã do que do PSD. Não deixou, aliás, de marcar distâncias em relação a Passos Coelho num cenário de uma coligação pós-eleitoral PSD-CDS. Passos só a aceita se os sociais-democratas forem os mais votados, Portas defende-a mesmo que o PS fique em primeiro nas urnas mas os dois partidos mais à direita consigam formar maioria aritmética no Parlamento.

"Os indecisos têm que votar. Eles farão a força da democracia", concluiu Louçã. Portas pareceu de acordo. Não restavam dúvidas: este debate serviu aos dois.

 

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FRASES

Louçã - «A criação de emprego tem que puxar pela economia no seu todo.»

Portas - «O primeiro-ministro que ainda nos governa tinha prometido criar 150 mil postos de trabalho.»

Louçã - «Todas as medidas que afundam a economia criam desemprego.»

Portas - «O senhor não pode enganar-se com quem está aqui. Não está aqui ninguém que congelou pensões.»

Louçã - «Paulo Portas é o único português, junto com o engenheiro Sócrates, que acha razoável pagar 30 milhões em juros.»

Portas - «O doutor Francisco Louçã não foi capaz de falar nem com o FMI, nem com o BCE, nem com a UE. Quando o meu país está à beira da insolvência, eu não fico quieto.»

Louçã - «O doutor Paulo Portas tem muito pouco respeito pelos adversários. Não me acuse de ficar quieto.»

Portas - «A renegociação da dívida não é solução.» 

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ADENDA

Por curiosidade, recordo o que escrevi sobre o debate Paulo Portas-Francisco Louçã da campanha legislativa de 2009.

Legislativas (9)

               

 

DEBATE PEDRO PASSOS COELHO-FRANCISCO LOUÇÃ

 

Foi um bom debate: Francisco Louçã e Pedro Passos Coelho olharam-se de frente, ouviram com atenção o que o outro dizia sem atropelarem discursos, evitaram o recurso a frases feitas. Respeitaram-se mutuamente, o que tem muito a ver com as expectativas geradas pelas últimas sondagens aos partidos que ambos lideram. A Passos Coelho interessava dar algum palco a Louçã, que segundo os mais recentes estudos de opinião tem visto fugir votos para o PS. O coordenador do BE tinha uma preocupação simétrica: interessa-lhe progredir eleitoralmente à custa dos socialistas, o que o inibe de transformar o PSD em adversário principal.

Neste aspecto, a estratégia de ambos foi bem sucedida. Louçã evitou acantonar-se na esquerda mais radical: um socialista da ala esquerda poderia subscrever sem reserva tudo quanto disse neste debate travado na TVI, sob moderação de Judite Sousa. Por seu turno, o presidente do PSD - apostado em pescar votos à sua esquerda - mostrou-se, algo surpreendentemente, de acordo com os bloquistas em pelo menos cinco matérias: na possibilidade de renegociação da taxa de juro do empréstimo da Comissão Europeia a Portugal, na necessidade de evitar que os reformados sejam penalizados por este acordo, nas críticas à banca por ter concedido demasiado crédito à habitação na última década, nas vantagens de haver um orçamento de Estado de base zero e na urgência de pôr o País a crescer.

Louçã esteve, no entanto, mais acutilante e objectivo do que o seu interlocutor. Passos Coelho continua a revelar alguns defeitos centrais nestes debates: gasta demasiadas palavras para dizer coisas que deviam ser ditas de forma mais simples (hoje lá voltou ao jargão tecnocrático, falando em spread e benchmark) e falta conteúdo social ao seu discurso. Diminuir a dívida do Estado é um objectivo fundamental, mas o voto dos eleitores joga-se em questões relacionadas com o quotidiano directo e concreto. Num país com 700 mil desempregados, a omissão deste tema no discurso do líder do principal partido da oposição é quase inexplicável. Tal como é o combate que hoje decidiu fazer ao programa Novas Oportunidades: ao abrir tantas frentes de ataque, acaba por não se concentrar no essencial.

O coordenador do Bloco de Esquerda marcou pontos ao confrontar Passos com o caso da Madeira, onde o PSD governa desde sempre com maioria absoluta: o Jornal da Madeira, "uma folha de propaganda do Governo" de Alberto João Jardim, "tem um défice acumulado de 50 milhões de euros". Por outro lado, acentuou, o Governo Regional "atribuiu a uma empresa do secretário-geral do PSD Madeira o aterro da baía do Funchal, obra de 40 milhões de euros" . As questões da Madeira perturbam sempre os líderes nacionais do partido laranja. Passos virou a agulha de imediato: "José Sócrates, em seis anos, duplicou o passivo das despesas públicas, que representa praticamente dois terços do dinheiro que pedimos emprestado ao exterior."

Louçã também marcou pontos ao invocar, em socorro do combate ao memorando assinado com a Comissão Europeia e o FMI, a opinião de Bagão Félix, um homem situado num quadrante político muito diferente do Bloco. O seu ponto fraco, tal como ocorreu em anteriores debates, relaciona-se com a dificuldade em explicar com precisão como renegociaria a dívida pública portuguesa.

Do lado de Passos, os melhores momentos ocorreram na primeira metade deste frente-a-frente, quando utilizou palavras duras para caracterizar o desempenho do Executivo socialista: "O Governo conduziu o País a uma penúria absoluta." Palavras que muitos portugueses certamente subscrevem. Resta-lhe recorrer com mais frequência a esta linguagem sem rodeios para concretizar o objectivo que enunciou: "O PSD tem a obrigação de ganhar estas eleições."

 

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FRASES

Passos - «O País precisa de se livrar de um governo que foi incompetente e irresponsável.»

Louçã - «Este ano e no próximo ano Portugal será o único país do mundo a empobrecer.»

Passos - «Precisamos de pôr a economia a crescer.»

Louçã - «O PSD é o campeão das despesas do Estado gordo.»

Passos - «[Louçã] dá a sensação que gostaria de mudar de sociedade. Eu esforço-me por mudar a sociedade.»

Louçã - «Nas questões que afectam a vida das pessoas, não podemos viver no toca-e-foge.»

 

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ADENDA

Por curiosidade, recordo o que escrevi sobre o debate Manuela Ferreira Leite-Francisco Louçã da campanha legislativa de 2009.

Legislativas (5)

 

 

DEBATE JERÓNIMO DE SOUSA-FRANCISCO LOUÇÃ

 

Debate? Que debate? Quem teve a paciência de escutar até ao fim o frente-a-frente desta noite, na RTP, entre Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa certamente não descortinou qualquer motivo de fundo para o PCP e o Bloco de Esquerda se apresentarem em listas separadas a estas eleições. É certo que o secretário-geral comunista, há uns dias, disse numa entrevista desconhecer qual é a ideologia do BE. Mas ao ser desafiado pelo jornalista Vítor Gonçalves a reeditar estas dúvidas, Jerónimo preferiu chutar para canto. Ninguém diria que estes dois partidos já estiveram envolvidos em acesos despique verbais. Ninguém diria que houve até uma época em que o Avante! mimoseava os bloquistas com farpas bem aguçadas.

Esse tempo, pelos vistos, passou. Bloco e PCP convergem hoje no essencial: são do contra. Contra o Governo socialista, contra a alternativa à direita, contra a intervenção do FMI em Portugal, contra o memorando de entendimento com a União Europeia, contra o programa de privatizações, contra o pagamento da dívida pública sem uma renegociação imediata. O moderador do debate bem tentou encontrar algumas divergências dignas de nota entre eles, mas o resultado foi quase nulo. Jerónimo ainda mencionou a política europeia, distanciando-se do "federalismo" do Bloco. E - ao contrário de Louçã - não considera "questão tabu" a possibilidade de Portugal dizer adeus ao euro para regressar ao escudo. Há ainda uma questão de estilo: "Nós não fulanizamos", disse o secretário-geral comunista. Com Sócrates ou sem Sócrates, o PS estará sempre na mira das críticas do PCP. A tal ponto que Jerónimo foi incapaz de manifestar qualquer preferência entre um governo liderado pelos socialistas e um Executivo de maioria social-democrata.

Eis um dos nós cegos da política portuguesa: enquanto à direita a política de alianças é clara, à esquerda o PS está condenado a mirar-se ao espelho. O PCP só admite "coligar-se" com um partido fantasma: Os Verdes. E o Bloco parece hoje apenas apostado em duplicar o histórico papel de consciência crítica desempenhado pelos comunistas na democracia portuguesa, evitando qualquer aproximação aos socialistas com vista à construção de alternativas de governo.

Esta noite, de qualquer modo, Louçã mostrou-se um pouco mais acutilante ao procurar transformar o frente-a-frente numa espécie de prolongamento do debate da noite anterior com o secretário-geral socialista. Insistiu em denunciar a falta de transparência do PS na questão da taxa social única, antecipando que os socialistas preparam uma "alteração drástica" à actual contribuição das entidades patronais para a segurança social. E foi capaz de descer um pouco mais ao concreto na questão da dívida, propondo um "fundo de resgate" que prevê a criação de um imposto das mais-valias urbanísticas e um imposto sobre as transacções da Bolsa. A emissão de títulos europeus de dívida é outra solução proposta pelo Bloco. Jerónimo foi mais vago: este frente-a-frente confirmou que a economia não é o seu forte. Esteve melhor na intervenção final, marcada por um toque pessoal, raro nos comunistas: "Eu vivo melhor do que os meus pais e pensava que as minhas filhas iriam viver melhor que eu."

Nesse momento, o secretário-geral do PCP falou por milhões de pessoas. A maioria dos portugueses pensava o mesmo que ele. A realidade, infelizmente, vai-nos demonstrando o contrário dia após dia.

 

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FRASES

Louçã - «Esta troika é a junção dos maiores gastadores da economia portuguesa. Propõe o programa mais recessivo da democracia portuguesa.»

Jerónimo - «Foi o Governo que se deitou abaixo. Não havia razão institucional para que o Governo se demitisse.»

Louçã - «O PS arrastou o País para uma crise gravíssima nos últimos anos, particularmente no último ano. E faltou à verdade aos portugueses.»

Jerónimo - «PS, PSD e CDS têm um programa comum.»

Louçã - «Portugal deve pagar a sua dívida em função da sua economia.»

Jerónimo - «Portugal não estava preparado para essa integração [no euro]. Perdemos competitividade, soberania e maleabilidade monetária.»

 

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ADENDA

Por curiosidade, recordo o que escrevi sobre o debate Francisco Louçã-Jerónimo de Sousa da campanha legislativa de 2009.

Legislativas (4)

         

 

DEBATE JOSÉ SÓCRATES-FRANCISCO LOUÇÃ

 

Pode a mesma receita funcionar duas vezes para vencer o mesmo adversário num frente-a-frente televisivo? Pode. José Sócrates demonstrou-o esta noite ao suplantar Francisco Louçã num debate na SIC. E bastou-lhe, para o efeito, reeditar a estratégia que já pusera em prática no confronto com o coordenador do Bloco de Esquerda para as legislativas de 2009. Na falta do programa eleitoral do Bloco, que ainda não foi divulgado, recorreu à moção estratégica que Louçã levou à recente convenção bloquista para traçar dele a imagem de um dirigente radical, associando-o ao adjectivo "irresponsável". De papel em riste, o secretário-geral dos socialistas leu dois trechos desta moção: "O problema de Portugal é a sua burguesia" e "o objectivo do socialismo é derrotar os donos de Portugal". Embalado, Sócrates resumiu a seu modo os principais desígnios programáticos do Bloco: "Nacionalizar e não pagar a dívida".

Foi em torno da controversa questão do pagamento da pesada dívida externa portuguesa que decorreu quase toda a segunda parte do frente-a-frente, com Sócrates a refutar a tese da "renegociação" defendida por Louçã: "O País pagaria um preço em miséria, desemprego e falências." O coordenador do BE, por seu turno, invocou como argumento de autoridade uma revista "burguesa": a Economist, que não hesita em advogar a reestruturação da dívida de países como a Grécia e Portugal. Mas nesta fase do frente-a-frente - muito bem conduzido por Clara de Sousa, que se confirma como a melhor moderadora de debates políticos na televisão portuguesa - a capacidade de iniciativa pertencia a Sócrates: o líder socialista acusou Louçã de "ser a muleta da direita" e considerar o PS como "adversário principal". Ao ouvi-los agora em Maio, ninguém diria que apenas há quatro meses andavam irmanados no apoio à candidatura presidencial de Manuel Alegre...

Louçã ainda o aconselhou a "voltar a Portugal". Mas era já patente que tropeçara nas artimanhas retóricas do seu antagonista, repetindo o erro cometido há menos de dois anos. E no entanto quem assistisse apenas aos primeiros 20 minutos não teria a menor dúvida em proclamar o líder bloquista como vencedor. Louçã chegou com a lição bem estudada, confrontando Sócrates com uma carta dirigida pelo ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, ao FMI em que prometia"conseguir uma grande redução da contribuição patronal para a segurança social". O dirigente socialista foi pouco convincente nesta fase do debate em que ouviu Louçã traçar um retrato negro destes últimos anos da sua prestação governativa: atacar os abonos de família, congelar pensões, reduzir os salários, "ir ao bolso da classe média". Sem meias palavras, o bloquista apontou o dedo acusador ao primeiro-ministro, que continua a ser incapaz de reconhecer um erro:"O senhor é o campeão do aumento do IVA". Acusou-o ainda de ser responsável por "mais cem mil desempregados" a curto prazo e não se esqueceu de anotar que, segundo estimativas oficiais, "Portugal será no próximo ano o único país da Europa em recessão".

Palavras fortes? Seguramente. Sócrates mereceu escutá-las? Sem qualquer dúvida. Mas um debate televisivo é como uma partida de futebol: não adianta chegar a meio com vantagem se na etapa complementar deixamos o adversário dar a volta ao jogo. Foi isso que sucedeu. E Louçã só pode queixar-se de si próprio.

 

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FRASES

Louçã - «O que nos trouxe aqui? Sucessivos erros, sobretudo no último ano.»

Sócrates - «Ha um erro que nunca cometi: o de não agir, o de não fazer.»

Louçã - «Temos uma crise económica gravíssima e uma crise social gravíssima.»

Sócrates - «O senhor é um dos responsáveis por esta crise política que prejudicou o País de forma irreparável na sua reputação.»

Louçã - «Isto não é um combate de boxe. Era preferível não haver sucessivas interrupções.»

Sócrates - «Há um bocado o Francisco Louçã disse que esteve a ler o programa do PS. Eu quero fazer aqui um ponto de ordem...»

Louçã - «Não vai mostrar uma pastinha, não? A mesma graça dita duas vezes não tem graça...»

Sócrates - «Não. Mas o senhor ainda não tem programa. Não acho leal vir para os debates sem programa.»

Louçã - «Sócrates diz uma coisa e faz outra.»

Sócrates  - «O FMI veio para Portugal pela sua mão, não pela minha.»

Louçã - «Senhor engenheiro, quero convidá-lo a voltar a Portugal.»

 

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ADENDA

Por curiosidade, recordo o que escrevi sobre o debate Francisco Louçã-José Sócrates da campanha legislativa de 2009.

Alegre nunca esteve tão só

 

Como escrevi antes do escrutínio presidencial, Manuel Alegre terminou esta segunda corrida a Belém ainda mais isolado do que na primeira apesar de contar agora com o apoio oficial do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda. A primeira estocada foi-lhe dada por José Sócrates na própria noite eleitoral ao declarar que os eleitores haviam optado pela "estabilidade política": uma tentativa canhestra de reaproximação a Cavaco Silva lançando para cima dos ombros de Alegre o labéu da "instabilidade". A segunda - e decisiva - estocada foi-lhe dada ontem por Francisco Louçã ao anunciar no Parlamento a primeira moção de censura pós-presidenciais ao Governo socialista, deitando por terra toda a estratégia de convergência das esquerdas que Alegre tentara construir nos últimos dois anos como plataforma para a sua candidatura presidencial. Por mero tacticismo político, apenas com o objectivo de medir forças com o PCP em radicalismo de esquerda, o líder do BE acaba de dizer aos portugueses, escassos 18 dias após a contagem dos votos, que a candidatura de Alegre não teve o menor significado político nem deixou rasto de qualquer espécie. Convém não abusar da perda de memória: o Louçã que anuncia a moção contra o Governo é o mesmo que há três semanas surgia com destacados dirigentes socialistas nos comícios do candidato apoiado simultaneamente pelo PS e pelo Bloco.

Alegre, de facto, nunca esteve tão só.