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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Default/Reestruturação: o Timing

O timing de um default/reestruturação é um assunto complicado. Quanto mais cedo se procede, menor é o volume de dívida a sofrer reestruturação e menos dinheiro fica por pagar.

 

Por outro lado, há medida que o tempo passa e as dívidas vão sendo refinanciadas através da ajuda do FEEF/FMI/BCE e eurobonds, vai sucedendo uma alteração na composição dos credores. A dívida deixa de estar tão dispersa por milhares de aforradores privados e passa a concentrar-se num menor número de investidores institucionais.

 

Ora é muito mais fácil negociar uma reestruturação com um relativamente pequeno número de credores, muitos deles públicos, do que com milhares de anónimos privados. E não é só uma questão de número e de maior cumplicidade entre agentes públicos do que entre instituições e privados: é também importante a maior discrição: uma reestruturação realizada entre governos, instituições europeias e alguns grandes bancos é mais discreta e, logo, menos onerosa do ponto de vista político e eleitoral. É sobretudo esta a razão que tem levado Sarkozy e Merkel a adiarem o mais possível os inevitáveis defaults parciais grego e português.

 

A concentração da massa de credores tem também o efeito benéfico de minimizar o contágio decorrente do incumprimento parcial e de torná-lo mais previsível.

 

O adiamento das reestruturações produz ainda um efeito redistributivo: se realizadas agora, quem mais perde é quem mais investiu em dívida soberana; se adiadas, as perdas decorrentes do incumprimento recairão (indirectamente) por maior número de cidadãos uma vez que os perdedores directos são entidades representativas e suportadas pelo grande público (governos e instituições comunitárias).

 

Vale a pena pensar em quais são os possíveis argumentos políticos e de justiça/equidade que justificam que as perdas em consequência do default parcial sejam socializadas para proteger aqueles que livremente optaram por investir em dívida pública. Questão mais técnica é a da eficiência económica de tal forma de social insurance.

 

Na minha opinião, apesar de todos os argumentos a favor do adiamento das reestruturações, sou pela sua maior antecipação sobretudo porque os sucessivos endividamentos e bailouts (a Grécia já vai em dois) estão a levar os volumes totais de dívida europeia para níveis que já não permitirão resgate futuro nenhum a menos, talvez, que uma China decida vir em socorro já não de um ou outro pequeno país periférico mas de toda a zona euro.

 

Há medida que a bola de neve cresce e aumentam as pressões no sentido das dívidas nacionais serem "mutualizadas" pelo conjunto dos Estados membros europeus (cfr. a "novela dos eurobonds" aqui no Albergue), a situação mais ou menos estável de países como a França vai se degradando. Para que a França e a Alemanha garantam a dívida conjunta de Espanha e Itália (mesmo que seja só uma parte) é preciso que os dois primeiros países agravem a sua situação financeira o que os coloca, sobretudo no caso francês, também em risco de precisarem de ajuda. E como dizia o Münchau no outro dia, a França não é suficientemente grande para se resgatar a si mesma.

 

Enquanto não se travar o ciclo de endividamentos e bailouts, é o próprio conjunto europeu que vai ficando em risco de bancarrota generalizada. Mas a verdadeira preocupação de Sarkozy e Merkel não é a salvação nem de Portugal e da Grécia, nem do euro, nem da União Europeia: é a salvação das próprias cadeiras onde se sentam. Fossem as eleições presidenciais francesas e federais alemãs antecipadas e a política já seria outra. No próximo e último post desta série escreverei sobre o egoísmo eleitoralista de Sarkozy e Merkel.

Finalmente, a Reestruturação da Dívida Começou

Custou muito, demorou muito tempo mas finalmente os responsáveis políticos alemães ganharam juízo: segundo o DN,

 

a Alemanha enviou uma carta aos outros países da União Europeia (UE) propondo que o pagamento da dívida soberana da Grécia seja reescalonado por sete anos e que os actuais detentores de títulos gregos contribuam de forma substancial para o segundo plano de resgate a Atenas.

Os Três Trabalhos de Pedro Passos Coelho

 

1. Implementar o plano da tróica, com isso contribuindo para um aumento da credibilidade internacional do país (e dos governantes do país).

2. Reformar Portugal.

3. Renegociar a dívida.

Quanto melhor realizar os dois primeiros trabalhos, mais fácil será para ele - e para todo o país - a renegociação da dívida pública. Tudo converge para aí. Só um país credível, capaz de respeitar compromissos e de se reorganizar por si mesmo conseguirá uma boa reestruturação da dívida.

Provavelmente, não convém declarar desde já que se estará a trabalhar desde o início para o terceiro objectivo; caso contrário, é a realização dos dois primeiros que fica em risco (a certeza da renegociação futura pode abrandar o primeiro objectivo e amolecer a prossecução do segundo).

 

Abstenção

Nas legislativas de 5 de Junho, a abstenção foi de 41,09%, o que é muito alto não apenas em termos absolutos mas, sobretudo, face ao que seria previsível. Num cenário de esgotamento político, de pré-bancarrota, desemprego histórico, pouca esperança, previsões negativas, crise social, maior pobreza - como foi possível que tantos optassem por não votar?

 

Talvez que após a "limpeza" dos cadernos eleitorais se chegue à conclusão de que a abstenção terá sido mais baixa do que aquele número. De qualquer forma, porém, dadas as circunstâncias políticas do momento, a abstenção merecerá sempre o qualificativo de muito elevada. O que se passou então? Uma participação tão baixa, tão poucos votos brancos e nulos, um peso tão reduzido dos micro-partidos, as perdas pesadíssimas sofridas pelo principal partido de protesto?

 

Proponho duas explicações. A primeira é a de uma contradição interior sentida por uma grande parte dos eleitores portugueses. Portugal é maioritariamente de esquerda nas questões económicas e indiferente nas questões morais/fracturantes/o que se lhes quiser chamar. Custa-lhe muito votar na direita. Ao mesmo tempo, essa grande percentagem de eleitores reconhece que a situação do país exige uma competência técnica e um realismo ideológico que não estão disponíveis na esquerda. Por isso, entre votar na esquerda, vista como tecnicamente inepta, ideologicamente desvairada e a principal responsável pelo actual estado de coisas - ou votar na direita - uma boa parte das pessoas optou por não votar. Tudo um bocadinho como nos dois referendos do aborto: entre manter uma realidade desgraçada ou ser conivente com uma solução repugnante, uma grande parte das pessoas optou pela solução mais fácil de todas: ficar em casa a ver televisão.

 

Uma segunda proposta de explicação: a ideia de que os partidos e os políticos são todos iguais está cada vez mais assimilada por um número de gente cada vez maior. Esta difusão parece-me ser o resultado de dois factores. As pessoas sabem que os três partidos disponíveis para governar o país comprometeram-se com um plano de austeridade que é em si mesmo e em boa medida um plano de governo. Igualmente importante, uma menor esperança e grande desilusão popular com os resultados práticos e económicos do regime actual têm provocado uma maior alienação relativamente aos partidos. Esta alienação ainda não foi captada por nada nem ninguém: os votos brancos, nulos e nos micro-partidos tiveram a relevância do costume, as acampadas foram a nulidade que se viu. Mas, claramente, essa alienação está disponível para ser capturada por antidemocratas, populistas e extremistas: esperemos pois que os portugueses mantenham o bom senso político e que os novos governantes não contribuam mais para a alienação política de tantos eleitores.

 

O Pecado Original de Pedro Passos Coelho

O pecado original de Pedro Passos Coelho foi, há coisa de meses atrás, ter ameçado que José Sócrates teria de se demitir se decidisse recorrer à ajuda financeira externa. Se Sócrates o tivesse feito, teria tomado a decisão correcta. Se Portugal tivesse recebido a ajuda mais cedo, não teria contraído novas dívidas a taxas da ordem dos dez por cento (em quase todas as maturidades!).

 

A diferença entre essas taxas e aquelas que teriam sido oferecidas a Portugal pela tróica nessa altura são os milhares de milhões de euros de puro desperdício que os contribuintes portugueses terão de pagar por causa da casmurrice de José Sócrates. Esses milhares de milhões de euros são bem superiores ao custo reputacional de que falava Passos Coelho no caso do país pedir ajuda.

 

É verdade que o que levou Sócrates a não recorrer mais cedo à ajuda externa não foi a pressão imposta por Passos Coelho. Também é verdade que Passos Coelho estava certíssimo ao afirmar que a necessidade de ajuda externa era a prova definitiva da incompetência do governo socialista (ele não usou estas palavras mas a ideia foi essa). Mas foi um erro dar a Sócrates os incentivos errados: segundo Passos Coelho, Sócrates deveria demitir-se mal tomasse a decisão correcta e necessária.

 

Talvez que se os primeiros três PECs, aprovados com a anuência do PSD, tivessem sido integralmente cumpridos nunca se tornaria necessário o auxílio internacional. Mas já era claro, nos finais de 2010, que os PECs não estavam a ser aplicados e que, portanto, Portugal se dirigia velozmente para a ruptura financeira. A própria sequência dos PECs era sintoma da sua não implementação ou da sua insuficiência. Era notório que Portugal precisava da ajuda externa.

 

José Sócrates e o Partido Socialista merecem ser responsabilizados duramente (entre muitíssimas outras coisas...) pela riqueza nacional que será perdida sem razão nem racionalidade nem proveito nenhuns em juros daquelas dívidas, a pagar agora e no futuro. E a punição eleitoral, apenas e só, é castigo demasiado leve!

 

Porém, este é um argumento que Pedro Passos Coelho já não pode, com legitimidade, utilizar na presente campanha eleitoral. Isto porque defendeu a demissão de Sócrates no caso de este tomar a medida que já se havia tornado inevitável: financiar a despesa pública não através do mercado mas por via das agências internacionais o mais cedo possível.

 

Durão Barroso à frente do FMI?

  

 

Esta notícia de que pode ser Durão Barroso o sucessor de Dominique Strauss-Kahn à frente do FMI é a pior notícia que a União Europeia poderia receber neste momento e, a confirmar-se, terá consequências dramáticas para a Europa pois não estou a ver quem tenha condições de o substituir e aguentar o barco nesta tempestade de crise da dívida soberana. Mas não é nada que os portugueses não tenham já experimentado, pois foi precisamente com a ida de Durão Barroso para Bruxelas que foi abandonado todo o esforço de consolidação orçamental que o seu Governo realizou, inclusivamente contra o próprio Presidente da República, que nos seus discursos não cessava de proclamar que "havia mais vida para além do Orçamento". Essa vida extra-orçamental é que nos levou precisamente ao estado em que estamos.

 

É por isso péssimo que neste momento se coloque sequer a hipótese de o Presidente da Comissão Europeia abandonar o seu cargo, por muito apelativo que seja o cargo de Presidente do FMI. Os mandatos devem ser cumpridos até ao fim, e a última coisa que neste momento a Europa precisa é de que a Comissão Europeia, como guardiã dos Tratados, fique acéfala no momento em que o projecto europeu atravessa a maior crise de todos os tempos. Sinceramente espero que esta hipótese não se concretize.

Legislativas (7)

 

UM HOMEM DE PALAVRA

 

Prometeu que não governaria com o FMI, de Dominique Strauss-Kahn. Porque mudou de ideias?

Para defender o estado social. Porque a oposição chumbou o PEC IV.

Agora está disponível para governar com o FMI. Porquê?
Para defender o estado social. Porque a oposição chumbou o PEC IV.

Já disse que não é pessoa para virar a cara à luta. O que o faz correr?

Defender o estado social. Porque a oposição chumbou o PEC IV.

O que o distingue fundamentalmente dos partidos à sua direita, que também subscreveram o memorando com a Comissão Europeia e o FMI?

A defesa do estado social. Eles chumbaram o PEC IV.

Se voltar a vencer as eleições qual será a sua prioridade?

A defesa do estado social. Porque a oposição chumbou o PEC IV.

Do que mais se orgulha de ter feito nestes seis anos?

Da defesa do estado social. E do PEC IV, que a oposição chumbou.

Admite ter cometido algum erro?

Dei o meu melhor. Na defesa do estado social. Até a oposição ter chumbado o PEC IV.

Já pensou o que irá dizer à senhora Merkel quando voltar a estar com ela?

Digo-lhe que defendi o estado social. E que a oposição chumbou o PEC IV.

Tem horas que me diga?

Defendo o estado social. A oposição chumbou o PEC IV.

Re-estruturar, Re-estruturar, Re-estruturar,...

1. Em Portugal, de entre os principais líderes partidários, parece-me que só Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã defendem a re-estruturação da dívida pública. Fora de Portugal, sobretudo em meios académicos e de policy analysis, a re-estruturação é defendida por muitos como a opção acertada. Tal como o pedido de ajuda era inevitável, também a re-estruturação é inevitável. E tal como a ajuda chegou primeiro à Grécia e acabou por chegar a Portugal depois, também haverá um ciclo europeu de reestruturações de dívida.

 

2. Segundo a imprensa, a média dos juros a pagar pelo empréstimo do FMI/FEEF andará entre os 5,5 e os 6 por cento. Estas taxas não garantem, antes agravam o problema da solvabilidade dinâmica das contas públicas. É muito interessante que as taxas exigidas pelo FEEF sejam mais altas do que as do FMI: aquela agência europeia parece estar menos interessada no futuro económico (e político) da Europa do que o FMI.

 

3. Talvez não seja o mais importante mas as razões que levam a esquerda a defender a re-estruturação não serão as melhores. Uma coisa é alertar para a insolvabilidade dinâmica agravada pela "ajuda" do FEEF. Coisa bem diferente é não querer pagar dívidas porque o dinheiro vai para os capitalistas...

 

4. Para o economista João Rodrigues, Portugal, Irlanda e Grécia deveriam usar a ameaça de reestruturação da dívida para obter juros mais baixos, um prolongamento do empréstimo ou medidas menos duras. Se a UE não ouvir os apelos, "a única saída que resta às periferias é avançar para um processo conjunto de renegociação da dívida", conclui (retirado de um artigo de hoje do Público, que vale a pena ler). Afinal, não sou só eu a defender a "chantagem dos 3%" (também aqui e aqui).

 

5. "Neste momento acreditamos que a Grécia está no bom caminho para se tornar sustentável e consideramos que não é necessário reestruturar a dívida", afirmou o diretor do departamento europeu do FMI, António Borges, citado pela agência EFE (daqui). Isto não é António Borges total e absolutamente errado (não posso acreditar que ele esteja mesmo convencido do que está a dizer)... isto é, espero, António Borges em acto desesperado de apaziguamento dos mercados (uma tentativa de gestão de expectativas ou assim).

A Foice, o Martelo e a Ganza

A propósito deste post de Luís Osório:

 

 

Portugal não é para jovens: o velho PCP é mais forte que o "jovem" BE.

 

Até porque em época de crise e éfe éme i o que mais interessa à maioria dos portugueses não são as questões minoritárias (por muita dignidade e, até, urgência que tenham) mas as consequências nas carteiras. São os problemas "velhos" que determinam as próximas legislativas - e são os jovens a não querer assumir uma clivagem entre gerações.

 

 

Em Portugal, a foice e o martelo valem mais do que a ganza - e até os jovens sabem disso.

 

 

P.S.: Não andarão agora as sondagens a subestimar o BE como dantes subestimavam o CDS? Até ao lavar dos cestos ainda se contam votos...