Os eurobonds têm um elemento de mutualização das dívidas públicas da zona euro, o que significa que um conjunto de países passa a responder solidariamente pelo cumprimento das obrigações de qualquer um dos membros desse conjunto (até um certo limite que, porém, não é nada pequeno).
Esta mutualização implica três problemas, dois dos quais já descritos anteriormente (aqui e aqui): muitos dos países da zona euro podem muito simplesmente não querer fazer parte deste acordo, pelo que a mutualização das dívidas públicas poderá ficar limitada a que apenas países como a França e a Alemanha se responsabilizam pela dívida de alguns países, enquanto outros começam seriamente a equacionar a saída do euro como forma de se eximirem às obrigações que nunca foram suas.
Uma mutualização limitada à França e à Alemanha não será muito diferente da actual situação em que aqueles dois países têm liderado (muito mal, diga-se) o processo de resposta à crise das dívidas soberanas. Por outro lado, forçar essa mutualização tem como efeito o aumento de popularidade das facções e partidos políticos anti-União Europeia. Basta juntar esse fenómeno aos programas de austeridade e à violência nas ruas e teremos a União a desintegrar-se irremediavelmente.
O outro problema é de credibilidade. À medida que mais e mais endividamento, mais e mais bailouts se sucedem, a crise do euro vai-se transmitindo dos pequenos países periféricos para economias que, pela sua dimensão, não podem ser resgatadas totalmente. Se até a relativamente pequena economia da Grécia não se livrou de um default parcial, é mais do que certo que, em caso de crise de pagamentos, é impossível não ocorrer um default parcial da dívida de Espanha, Itália e França. Em tal caso, será o rating dos eurobonds que se degradará. Ora toda esta dinâmica, que é previsível desde já, tem como consequência que os eurobonds não beneficiem de rating triple A nem sequer à nascença.
O terceiro problema da mutualização da dívida é o défice de democracia. O princípio de no taxation without representation é violado. Porque é que o contribuinte finlandês, que nunca votou nem aprovou o "welfare state grego" há-de responsabilizar-se por esse sistema?
Certo é que quase todo o processo da construção europeia tem sido realizado com uma adesão insuficiente aos princípios da democracia. Mas isso não era especialmente problemático enquanto a aceitação popular da integração europeia era generalizada e o efeito mais visível da União correspondia a dinheiro a entrar.
Já no caso da "solidarização" pelas dívidas dos outros, a opinião geral é desfavorável e o resultado é dinheiro a sair, sendo que o objectivo desse dinheiro não é nenhum projecto benemérito mas sim cobrir os excessos, irresponsabilidades e megalomanias de países que não foram capazes de se governar sem a ajuda in extremis dos outros.
É preciso notar que ainda que os países em risco de incumprimento aceitem que toda a sua política de finanças públicas seja escrutinada pelo "eurobond group" (o que é em si mesmo uma afronta à soberania e democracia dos países em causa) - o mesmo défice de democracia mantém-se, pois (se percebi bem) a mutualização das responsabilidades recai não só sobre a dívida contraída no futuro mas também sobre a dívida anterior. Mas de qualquer forma, ainda que esteja em causa apenas a dívida futura, esta é emitida para refinanciar dívidas passadas pelo que, economicamente, a mutualização da dívida implica sempre uma responsabilização por decisões passadas, o que viola o referido princípio de no taxation without representation.
O défice de democracia é mais uma força no sentido do desmoronamento do edifício europeu. E é mais uma razão para parar a bola de neve dos endividamentos e bailouts sucessivos enquanto é tempo. Isto é, enquanto a crise não chega à Itália e à França e enquanto a própria União Europeia ainda se encontra a salvo.
como tem passado? O tempo aí em Bruxelas? Mauzinho e de chuva? Acredite que é bem melhor do que os trinta e nove graus Celsius e positivos daqui de onde lhe escrevo.
Continuando pela meteorologia europeia, estou de acordo consigo que os eurobonds têm toda a aparência de serem um plano pelo menos tão bom como as alternativas. O que me preocupa é que a bondade dos eurobonds depende de uma hipotesezinha cuja validade não me parece evidente.
Os eurobonds terão um rating triple A (ou seja, AAA, isto é, á-á-á) e, por isso, haverá todo o incentivo a que os detentores de dívidas nacionais com ratings muito inferiores as troquem com desconto por eurobonds. O efeito será uma diminuição do valor do stock total de dívidas dos vários países europeus, o que contribuirá para a solvabilidade de cada país e, logo, para a sobrevivência do euro.
A minha perguntazinha é esta: mas quem é que garante que os eurobonds terão rating triple A??? É a senhora Viviane Reding que irá encostar uma arma à cabeça da Moody's e obrigá-la a dizer que os eurobonds são excelentes e credíveis e valem a pena? Pois...
Se a União Europeia não conseguiu levar a que todos os países da zona Euro respeitassem os critérios de Maastricht, se se deixou enganar pela contabilidade pública mentirosa da Grécia aquando da entrada desta no Euro, se tem sido tão titubeante e serôdia na reacção às crises na Irlanda, Grécia e Portugal - quem e como é que irá garantir que, desta vez, este novo plano europeu não sofrerá de um problema de credibilidade?
As várias crises europeias somadas têm uma causa e um nome comuns: défice de credibilidade: das instituições, das regras e dos vários planos apresentados.
Quem garante a credibilidade do novo projecto "eurobonds"? É esta a perguntazinha que lhe deixo.
1) Sair do Euro (a Grécia) quase que implica sair da União Europeia: começa com a imposição do controlo de capitais e seguem-se outras restrições: na prática, as componentes mais básicas da União Europeia deixarão de ser aplicadas. E, como afirma e bem Luís Menezes Leitão, a saída de um país da União é o princípio do desmoronar da mesma.
2) A moeda única, por estranho que possa parecer, é um desígnio europeu: basta lembrar que todos os países das últimas adesões (os dez que entraram em 2004 e os dois do último alargamento) NÃO têm opção de ficar de fora do euro. Foram estes países que assim quiseram auto-limitar-se ou terá sido isto uma exigência dos país que já faziam parte da União? E, de entre estes, quais terão sido mais veementes nessa imposição?
3) "A aceitação da moeda única pela Alemanha" e "A Alemanha aceitou o euro": estas expressões, se compreendi bem, parecem sugerir que o euro terá sido um terrível sapo engolido pela Alemanha. É um erro de análise gigantesco esse de que a Alemanha engoliu um sapo e de que fez um grande favor ao resto da Europa: a Alemanha é a maior beneficiária da moeda única. E está melhor com o euro do que estaria com o seu marco robusto mas rodeado de moedas fracas prontas a desvalorizarem-se por tudo e por nada.
Se a aceitação do euro na Alemanha não foi coisa popular na altura e se hoje os alemães pensam que o euro não lhes trouxe benefícios líquidos (se é que, de facto, a maioria deles pensa assim) - é porque também o eleitorado alemão se engana e vota mal ("lembram-se" de Março de 1933?) e o seu conhecimento económico não é infalível. A questão principal não é a Alemanha ter abandonado a sua moeda forte. A questão relevante é a Alemanha ter deixado de ser prejudicada por várias moedas prontas a serem desvalorizadas a qualquer instante (as dos seus parceiros económicos antes de aderiram ao euro).
4) Tema para paper: quantificar os ganhos acumulados decorrentes do euro (e, de caminho, da criação do Sistema Monetário Europeu) para a Alemanha e compará-los com as perdas de uma eventual default grego e hair cuts das dívidas irlandesa e portuguesa.