Se António Guterres não tivesse optado por uma política pró-cíclica e se tivesse colocado as contas públicas em ordem - teria havido margem de manobra financeira para que, qualquer que fosse o governo no poder no período 2007-2011, tivesse sido possível seguir uma política agressiva contra-ciclo sem perigar ou agravar as contas públicas.
Na ausência de margem de manobra financeira, Sócrates viu-se forçado a medidas pró-cíclicas em época de crise. A ausência de margem de manobra reporta-se aos tempos de Guterres mas também aos primeiros anos do governo de Sócrates. A responsabilidade de Sócrates pela recessão actual está ainda no mix da resposta à crise: cortar apoios sociais em vez de cortar nos projectos de rentabilidade negativa para o erário público mas de lucratividade garantida para os amigalhaços da contrução civil (a propósito, ler este excelente post de Gabriel Silva no Blasfémias).
Desde os inícios dos anos noventa (do século passado) que não faltaram economistas de quase todos os quadrantes políticos a avisar para os problemas futuros que acabariam por decorrer das política despesistas e irresponsáveis de António Guterres. Mas quem está interessado em ouvir os economistas? Não são os discursos dos Guterres, Sócrates, socialistas muito mais cor-de-rosa?
"Com o seu arzinho presunçoso e professoral, economistas, financeiros, banqueiros, filósofos e arraia-miúda vieram revelar ao indígena atónito que nada, ou quase nada, se fizera de lógico e sensato de 1990-95 para cá. (...) Infelizmente, esta constatação pede uma pergunta óbvia: em que se ocupavam os sábios que hoje com tanto gosto nos predicam, enquanto os partidos (o PS e o PSD) arruinavam o país?" escreve Vasco Pulido Valente no Público (citado aqui).
É muito injusto este parágrafo de VPV: desde os governos de António Guterres que vários economistas (e não só) alertaram para o despesismo e para a necessidade de corrigir os excessos das contas públicas em época de crescimento económico mundial, europeu e nacional. Guterres desaproveitou a última grande oportunidade de implementar as eternamente necessárias e nunca realizadas "reformas estruturais". Aliás, Guterres agravou em muito a situação das contas públicas portuguesas, aumentando despesa, número de funcionários e compromissos futuros do Estado numa época em que até os mais "keynesianos" recomendariam moderação orçamental. António Guterres forçou os governos seguintes - incluindo os de Sócrates - a seguirem políticas contracionistas em época de crise económica.
Os erros de Sócrates são sobretudo o resultado de desonestidade e populismo sem quaisquer limites, para além de um vazio absoluto de ideologia e de tino.
Já os erros de Guterres foram, pelo menos, a consequência de incompetência técnica pura e dura e de um olímpico desprezo por quem defendia as melhores e mais avisadas opiniões económicas. (A enorme dose de eleitoralismo travestido do coraçãozinho de manteiga que os respectivos assessores de imagem lhe inventaram também contribuiu e muito para a prodigalização guterrista).
Ao contrário do que Vasco Pulido Valente afirma, já vai para dezasseis anos que uma série de economistas, mais ou menos politizados, mais à esquerda ou mais à direita, têm continuadamente alertado para o regabofe das contas públicas que veio a desembocar na presente desgraça nacional.
Continua o debate sobre o "FMI". Se Portugal precisa ou não precisa de ajuda internacional. Alguns com visão um pouco mais profunda debatem se, em verdade, não estará já Portugal a ser ajudado. Este debate está em si mesmo atrasado em uma etapa. É por demais flagrante que o país precisa de ajuda internacional e que taxas de juro na casa dos nove por cento (e a subir) não são sustentáveis mesmo que a economia crescesse a três por cento, o que evidentemente não vai acontecer nem seria minimamente provável mesmo que a situação das contas públicas não fosse o descalabro que conhecemos.
O que tem de estar em cima da mesa é: to default or not to default. A opção não é entre pedir ou não pedir ajuda ao FMI/FEEF. Não faltam economistas que já contabilizaram por baixo os milhares de milhões que o país perde por se financiar exclusivamente no mercado (com as intervenções discretas do BCE) em vez de recorrer àqueles fundos. Se não se repudiar a dívida, o pedido de ajuda é incontornável. Continuar a financiar a despesa pública a taxas de juro nos nove por cento só agrava ainda mais a insustentabilidade das contas nacionais e a necessidade de uma intervenção externa.
A opção que importa equacionar é entre ou pedir intervenção do FMI ou fazer o repúdio da dívida ou, eventualmente, uma reestruturação desta. Se, por um lado, não se olhar a considerações de política internacional - a senhora Merkel, a imprensa espanhola e os outros etceteras - e se, pelo outro lado, se desatender a política interna - em quem recai o ónus desta ou daquela medida, de quem é a culpa, como é que isto contribui para ganhar ou perder eleições - e se se considerar exclusivamente o bem-estar do país (e, em certa medida, da própria Europa) então a solução, o first best é este: default. Aliás, economistas não faltam a defender que essa teria sido a melhor solução para a Grécia e para a Irlanda.
O default é ainda mais adequado no caso português por causa das perspectivas nulas de crescimento económico. Taxas de juro de nove por cento doem mais e são ainda mais insustentáveis para nós do que seriam para a Irlanda, que tem um alto potencial de crescimento (sendo que este potencial é travado precisa e exclusivamente pelo facto de que a Irlanda optou por pedir ajuda em vez de fazer o default).
O principal perigo de um default consiste em os bancos nacionais deixarem de obter financiamento estrangeiro e, com isso, ficarmos com a economia imobilizada. Esse perigo deve, contudo, ser sujeito a avaliação. A condição dos bancos portugueses não é má. Aliás, as suas dificuldades não resultam da sua gestão mas sim sobretudo da própria política financeira do Estado.
Após um default, o Estado perde acesso ao financiamento externo. Mas as suas necessidades de financiamento serão também muito mais baixas porque deixa de pagar o serviço das dívidas passadas. O défice primário das contas públicas terá de ser fechado no próprio ano do default e o Estado será forçado a contas equilibradas nos anos futuros. Esta segunda consequência, tendo em conta o historial de irresponsabilidade financeira do Estado, é positiva. Fechar o défice primário à bruta e em menos de doze meses não é coisa agradável mas também não será muito pior do que as medidas a sugerir pelo FMI. Aliás, o compromisso de redução do défice nos próximos três anos, compromisso esse tomado pelo PS e aceite pelo PSD, já implica uma redução drástica do défice primário.
Na avaliação das possibilidades "ou FMI ou default" importa ainda considerar que uma não exclui a outra: assim como é muito provável que a Grécia venha a precisar de novo socorro externo já em 2013 e que, portanto, se coloque novamente a hipótese de default, também é possível que Portugal, mesmo com a intervenção do FMI venha, no futuro próximo, a precisar de um segundo resgate internacional.
Portugal deve seguir a seguinte estratégia: em primeiro lugar, deixar de vez a atitude subserviente de que "quem paga tem o direito de mandar em nós" (isto serve também para muito blogador de direita...). Em segundo lugar, apresentar a seguinte proposta ao FMI/FEEF: ou emprestam-nos a três por cento (quatro por cento no máximo dos máximos) ou Portugal entra em default. Não faz sentido nem para Portugal nem para a Europa estar permanentemente a "ajudar" um país a taxas que, embora mais amigáveis do que as do mercado, são igualmente insustentáveis. Um futuro default após intervenção do FMI/FEEF fica a custar mais aos credores e a Portugal do que um default (ou reestruturação da dívida) já agora.
O default português pode ter consequências negativas para a credibilidade do euro? Então que a senhora Merkel e os demais importantes pensem nisso e decidam-se por oferecer a Portugal, por intermédio do FMI/FEEF, taxas de juro que sejam comportáveis. O problema é mais deles do que nosso. If you owe the bank $100, that's your problem. If you owe the bank $100 million, that's the bank's problem. A chancelerina teutónica já teve várias oportunidades para tentar compreender esta simples ideia.
"O antigo ministro do PS, Jorge Coelho" e "presidente-executivo da Mota-Engil considerou, esta quinta-feira, que os empresários devem manter-se à margem do debate politico" (aqui).
O maior conúbio público-privado político-económico do país é precisamente entre o Partido Socialista e a Mota-Engil e é exactamente o presidente-executivo desta, que já foi ministro das obras públicas*, ou seja, já tutelou politicamente a área em que agora negoceia a nível privado - que vem pedir aos outros empresários para estarem caladinhos e não se intrometerem na política.
Este ano, a única (só há uma) escola de juízes e magistrados do país (o país tem mais de dez milhões de habitantes) não abre vagas. Pela primeira vez em três décadas, o Centro de Estudos Judiciários não vai abrir um novo curso para juízes e procuradores (segundo o DN). Isto no mesmo ano em que a Ordem dos Advogados chumbou a quase totalidade dos "candidatos a advogados", isto é, gente que já se formou na universidade, isto é, que já passou todos os exames do respectivo curso de Direito, que por sua vez já foi homologado pela tutela ministerial com a concordância daquela mesma ordem profissional.
Estas tristezas ocorrem num país em que é precisamente a justiça a área com menor eficácia. Nem a saúde, nem a educação atingem os limites de inferioridade e miséria de desempenho da justiça. Basta ler e ouvir António Barreto (blogosfera, imprensa, entrevistas, etc.).
O governo socialista prefere cortar nas prestações sociais aos mais desprotegidos e fragilizados da sociedade enquanto mantém o esbanjamento sujo dos tê gê vês, auto-estradas e aeroportos. Não contente com isso, agora decide pôr em causa uma função do Estado, que não é apenas função social mas, sobretudo, é uma tarefa nuclear do Estado de Direito.
Quando é que estes socialistas vão perceber que aquilo em que é preciso cortar é neles mesmos?