Este artigo de agência contém pistas preciosas para tentar descodificar a realidade. O texto sugere que a actual crise transcende em muito a questão das dívidas soberanas, sendo na realidade uma crise da própria globalização e dos seus sistemas. Os mercados tornaram-se demasiado vorazes e os políticos deixaram de controlar todas as alavancas do poder, como por exemplo os fluxos financeiros ou as redes sociais onde se alimenta muito do actual descontentamento difuso. Não há vazio de poder, o que existe é uma miríade de novos actores:
"Many areas of the global economy have also become effectively "ungoverned space" into which a host of actors -- from criminals to international firms such as Google and Goldman Sachs to countless other individuals and groups -- have enthusiastically jumped."
Duas décadas de desregulação financeira tiveram grandes efeitos na economia global, com preços mais baixos de produtos de consumo, milhões de pessoas a enriquecer ou avanços em projectos políticos baseados na cooperação entre nações, como no caso da União Europeia. Mas os excessos de ganância, a irracionalidade e a falta de controlo deste sistema estão na base da crise iniciada em 2008 e que se agravou nos anos seguintes. Os problemas eram anteriores, com as deslocalizações a produzirem desemprego e a baixarem os salários, os governos a endividarem-se para estimular a economia ou por não saberem prever o que aí vinha (as guerras da década não ajudaram). Agora, quando a tempestade cresce, os políticos constatam a sua impotência e surgem exigências para maior regulação, sobretudo vindas da esquerda, que do ponto de vista ideológico foi totalmente ultrapassada. As pressões chegam de todo o lado e explicam a actual paralisia:
In the United States and Europe, far right groups including the Tea Party, eurosceptics and nationalist forces look to be rising, sometimes potentially blocking policy-making. On the left, calls grow for greater controls on unfettered markets and capital.
Os peritos citados neste artigo não acreditam na eficácia da reintrodução de mecanismos de regulação dos mercados, são cépticos em relação às possibilidades da China ficar fora da crise global e têm muitas dúvidas sobre a capacidade dos políticos de conseguirem manobrar o navio para segurança. A fragilidade política de Barack Obama no próximo ano não pode ajudar nesta situação e os europeus continuarão confrontados com os problemas que resultam da sua dependência de eleitorados muito contraditórios, cada vez menos convencidos da necessidade de aprofundar a união monetária. O resultado pode ser o afastamento gradual dos diversos blocos e a tendência para proteger os mercados nacionais.
Ao mesmo tempo surge um fenómeno de fragmentação social, bem evidente nos motins ingleses. Grupos de jovens sem perspectivas criam uma onda de violência que as autoridades têm imensa dificuldade em conter. Com os gangs à solta, vemos pilhagens e destruição insensata. A acção policial musculada não resolve o problema essencial de uma geração sem futuro (estes vândalos não estudaram e não terão empregos).
Pequeno e periférico, Portugal não está fora do mundo. A capacidade de manobra dos nossos políticos é ainda menor do que no caso das potências europeias, já que após o resgate financeiro perdemos muita da nossa soberania. Mas há menos sinais de fragmentação social e também menos intensidade nas exigências de franjas populistas. Desconhecemos fenómenos semelhantes aos indignados espanhóis, ao Tea Party americano, aos anarquistas gregos ou ainda aos vândalos britânicos. Esta é a nossa vantagem.
A crise financeira agrava-se em Agosto e leio este interessante artigo no Financial Times. Reparem na frequência de uso da palavra medo e até da palavra pânico. No fundo, a tese é a seguinte: os mercados temem riscos que não sabem ao certo se existem, acabando por aumentar o risco para os seus próprios investimentos. É o Catch 22. A recente cimeira europeia parecia ter resolvido a questão por alguns meses, o que daria tempo para introduzir as medidas acordadas e reduzir a pressão. Mas parece que os mercados querem desencadear um Lehman Brothers na Europa. Como já escrevi antes, a tempestade não termina enquanto os investidores não garantirem que os contribuintes do norte da Europa vão pagar cada tostão das dívidas soberanas dos países da zona euro. A questão vai agravar-se, é evidente, pois outros países serão arrastados no turbilhão. E estes ainda não estão a ver o filme de terror que os espera, iludindo-se com um breve contentamento (uau, os italianos estão pior do que nós).
Se a questão fosse só europeia, podíamos estar mais ou menos tranquilos, mas as nuvens negras acumulam-se lentamente nos céus sobre a América. Ali, os efeitos da crise estão a ser brutais. Milhões de empregos perdidos e 45 milhões de pessoas a comida subsidiada (em 2008, eram 28 milhões). Os americanos dificilmente poderão pagar a dívida que acumularam e isso terá consequências em todo o mundo. A popularidade de Barack Obama continua em queda acelerada e o actual presidente pode falhar a reeleição, o que implicará a possível vitória de um republicano que não chega lá sem algum tipo de apoio dos populistas do Tea Party.
A democracia está de facto a atravessar um período mau. A Espanha vota dentro de meses, mas o mercados não terão a paciência para esperar pelo veredicto popular. Os países do norte da Europa enfrentam um dilema ainda mais dramático: a preservação do euro exige mecanismos que os eleitores não estão dispostos a aceitar. Esta federalização da moeda única (eurobonds, alargamento do FEEF, ministro das finanças europeu) não só não está prevista nos tratados como não passaria em referendo. Em resumo, a tempestade só acalma quando forem tomadas decisões impossíveis, nomeadamente quando as dívidas dos países forem assumidas pelo conjunto dos parceiros. Puro suicídio político, mas nunca passaria nos parlamentos. Os mercados exigem decisões ditatoriais.
É neste ambiente de medo e pânico que teremos de viver durante anos. Alguns economistas começam a falar em dificuldades prolongadas, comparáveis às do Japão, que vai em duas décadas de estagnação económica e declínio relativo. Esta parece ser uma crise civilizacional e do próprio sistema capitalista.
Julgo que, neste contexto, Portugal está a fazer tudo bem: através de eleições, o povo tirou um Governo pouco credível e elegeu um novo Executivo, que ganha lentamente a sua credibilidade; a situação política é agora estável; as medidas que nos foram impostas estão a ser aplicadas sem ambiguidades ou hesitações e com o apoio corajoso da oposição socialista; mesmo os que não assinaram o memorando de entendimento têm sido razoáveis nas críticas; a população parece aceitar sacrifícios que até aqui eram impensáveis; não temos o fenómeno dos indignados, as excentricidades de Berlusconi ou a violência dos anarquistas gregos; o ritmo reformista é elevado e não são vendidas ilusões propagandísticas.
Infelizmente, não controlamos o ambiente externo e precisamos de tempo, paciência e sorte.
Eduardo Pitta escreve este texto em Da Literatura. Parece que, afinal, o actual governo já não chega à Páscoa, acaba antes do fim do ano. Substituído não se sabe bem por quem.
Eduardo Pitta esquece que foram os socialistas liderados por José Sócrates que puseram o País nesta situação e foi o anterior governo, tão elogiado pelo autor, que nos mentiu sempre. Não tenho nada contra a amnésia, sobretudo tão precoce, mas não vejo motivos para estarmos satisfeitos com a calamidade.
Como explicam alguns especialistas, incluindo neste blogue, a notação que foi dada a Portugal não é apenas técnica, é sobretudo política. Ela visa criar um ambiente de pressão sobre os líderes europeus, para que estes tomem a decisão mais conveniente para os investidores que pretendem ganhar biliões na aposta que fizeram da bancarrota grega. No caminho trucidam os bancos gregos, levam a população à penúria e arrastam outros países europeus, incluindo Portugal. Tanto faz para eles, o capitalismo financeiro que triunfou na civilização ocidental é mesmo assim, desmiolado e anónimo, sem rosto e sem nação. O Golem está desregulado, mas não é um problema só nosso.
Tentando um panorama mais abrangente, os factos parecem ser estes: os EUA e a Europa enfrentam uma brutal crise de endividamento, sobretudo a economia americana, cuja dívida pública compara com a portuguesa (em proporção). Por outro lado, os líderes políticos americanos e europeus não se entendem sobre as soluções para resolver os problemas internos, isto por razões diferentes. Nos EUA está a crescer o fenómeno populista (e extremamente inquietante) do chamado Tea Party, um movimento que condiciona as posições dos republicanos, impedindo a própria negociação do orçamento.
Na Europa, a questão de raiz é o erro de concepção da moeda única e o laxismo com que se permitiu o endividamento de alguns Estados membros, incluindo Portugal. As soluções são federais, o que não agrada a ninguém. O euro é obviamente um rival do dólar e há gigantescos interesses financeiros em jogo. No ambiente de crise global decorre ainda intensa competição entre moedas de vários países, num contexto multipolar e altamente instável de emergência de novas potências, sobretudo a China, que é vista com grande desconfiança pelos restantes jogadores. Portugal, nisto tudo, é a vítima que se pôs a jeito.
Existe outra interpretação, mais preocupante, segundo a qual a crise das dívidas é a ponta de um icebergue. Debaixo das águas, esconde-se um problema maior que pode levar o sistema financeiro global ao naufrágio.
Do ponto de vista europeu, julgo que esta crise é a mais importante da História da UE. Vai provavelmente definir se a organização sobrevive como jogador internacional. Quero dizer: o euro está verdadeiramente sob ameaça e há cenários tão diferentes como, por exemplo, a saída de cinco ou seis países da moeda única ou o seu alargamento a mais uma dúzia. Na pior das hipóteses, a moeda europeia vai desaparecer e a UE torna-se uma entidade irrelevante, pois sem uma moeda única não há mercado único e apenas iniciativas intergovernamentais limitadas. A pouco e pouco, os países europeus iam divergindo e nas nossas velhices olharíamos com nostalgia para aquele tempo em que passávamos as fronteiras sem passaporte.
O problema, a meu ver, nem é tanto a qualidade das lideranças (que não é famosa), mas a forma como os líderes europeus têm as mãos atadas. Não podem avançar para a federalização do euro, pois isso seria inaceitável para a sua opinião pública; não podem deixar cair a Grécia, pois isso seria iniciar um efeito dominó interminável, que comprometeria a solidez da própria UE.
A ameaça feita por uma agência de notação de considerar como "default selectivo" a possibilidade do sector privado aceitar ajudar no resgate grego foi uma humilhação inaceitável para os europeus e obriga os líderes a pensarem num plano mais eficaz. A passagem das medidas de austeridade no parlamento grego e a consequente aprovação do segundo pacote de ajuda dão espaço para respirar até princípio do próximo ano.
Sem margem de manobra por erros anteriores e transformado no peão involuntário de um conflito mais vasto, Portugal tem de demonstrar que é capaz de cumprir o acordo da troika e introduzir as reformas estruturais que nos são exigidas. É o que fazem os países que estão sob protecção estrangeira e que não têm verdadeira autonomia: citando Salazar, "manda quem pode, obedece quem deve"*.
*Esta citação está obviamente tirada do contexto original. Salazar referia-se a algo de muito diferente...
É oficial: Portugal está em recessão. O nosso produto interno recuou 0,7% no primeiro trimestre de 2011. Portugal foi, aliás, a péssima excepção à regra: todas as economias da União Europeia - incluindo a da Grécia - cresceram em relação ao trimestre anterior. Para o ano em curso, a Comissão Europeia prevê um crescimento de 1,6% na zona euro enquanto a economia portuguesa deverá recuar 2,2%.
Isto é matéria de facto, não de opinião.
Enquanto escrevo estas linhas, escuto o ainda primeiro-ministro, falando em directo a dois canais de televisão, a gabar-se de que "as exportações portuguesas subiram 17% neste primeiro trimestre". Sempre a mesma atitude: o secretário-geral socialista vive em permanente negação da realidade. Habita um país onde não há desemprego, onde não há cortes brutais de apoios sociais, onde não há diminuição evidente dos salários reais, onde não há um nítido recuo do Estado-providência, onde não há divergência constante com os padrões de vida europeus.
Tão notória como esta discrepância entre o chefe do Governo e a realidade é a atitude de alguns dos seus apaniguados. Com destaque para Vital Moreira, que em época de campanha eleitoral persiste em ser um dos maiores produtores de pérolas blogosféricas. Eis a mais recente: «A crise teria existido qualquer que fosse o governo e nenhum faria melhor». Frase bombástica, digna de enriquecer o espólio de qualquer coleccionador de epígrafes. Por mim, já a guardei numa vitrina de peças raras.
Por que razão os militares, uma classe privilegiada, estão acima das dificuldades de qualquer outro cidadão? Deveriam ser os primeiros a encarar o sacrifício.
Fui mais uma vez para a prateleira, que é a maneira mais cobarde e desumana de se despedir alguém.
PCP e Bloco de Esquerda recusaram qualquer encontro com a delegação europeia composta por membros do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu que se encontra em Lisboa a avaliar as condições do resgate financeiro a Portugal. Ao contrário do que fizeram os restantes partidos parlamentares, as associações patronais, as confederações sindicais (incluindo a CGTP-Intersindical) e diversas personalidades, como Boaventura Sousa Santos, coordenador do Observatório da Justiça. Os dois partidos da esquerda radical portuguesa perderam uma oportunidade irrepetível de dizer olhos nos olhos, cara a cara, tudo quanto pensam destes técnicos financeiros e quais as soluções que preconizam para retirar Portugal da situação de quase bancarrota em que vivemos, com o colapso iminente das finanças públicas. Agiram ambos sem qualquer sentido de responsabilidade, preocupados apenas em garantir a habitual vozearia de rua e de telejornal.
Que o PCP assim proceda, é normal. Os comunistas portugueses sempre foram profundamente eurocépticos, combateram desde o início a integração de Portugal na CEE, contestaram Maastricht, a diluição das fronteiras, a transferência de competências para a Comissão Europeia e a adopção da moeda única. São internacionalistas de cartilha mas profundamente nacionalistas na prática, utilizando uma retórica semelhante à dos partidos da direita populista e xenófoba que também não quer "os estrangeiros" a perturbar a sacrossanta "soberania nacional": ainda há dias um dirigente comunista comparava, no Avante!, qualquer político português que dialogue com o FMI a uma "espécie de Miguel de Vasconcelos dos dias de hoje".
Quando o BE procede exactamente como o PCP, pelo contrário, está a trair o espírito de cidadania europeia que parecia animá-lo desde a fundação, no final da década de 90: uma das principais diferenças programáticas entre comunistas e bloquistas residia na relação com a Europa. Mas também aqui o Bloco tem vindo a tropeçar no próprio pé - na sequência da fracassada tentativa de apropriação da candidatura presidencial de Manuel Alegre e do monumental tiro de pólvora seca que foi a moção de censura apresentada em Fevereiro contra o Governo socialista. O Bloco, que devia assumir-se como o parceiro de coligação natural com o PS para possibilitar maiorias parlamentares de esquerda, segue afinal uma estratégia de bunker, decalcada do PCP, que se esgota na gritaria contra todos os governos sem ter jamais a pretensão de influenciar qualquer solução governativa: ser um partido de protesto é quanto lhe basta.
A última coisa de que o sistema português precisa é de um segundo partido comunista, apenas um pouco mais citadino e com vestuário de marca. Se for por essa via, o Bloco torna-se um partido inútil - e não admira que as sondagens estejam a castigá-lo. Convém recordar que o PCP já tem um apêndice - o dito partido Os Verdes, que merece figurar no Guinness Book por existir há quase 30 anos sem nunca ter concorrido isoladamente a uma eleição. Por mim, confesso, custar-me-ia ver um dia Francisco Louçã e Luís Fazenda no lugar de Heloísa Apolónia a trautear o hino da CDU.
Conclusão: durante cinco dias, o vasto País estatal vai manter-se paralisado. Entretanto, os funcionários da CP - empresa pública à beira do colapso financeiro - anunciaram já que estarão em greve na Sexta-Feira Santa, no domingo de Páscoa e na segunda-feira, 25 de Abril.
Como se verá em Junho, quando forem contados os votos das legislativas, José Sócrates cometeu um erro trágico ao manter-se na liderança do Partido Socialista em vez de imitar o que Rodríguez Zapatero fez em Espanha. Uma nova direcção partidária permitiria outro fôlego eleitoral ao PS - à semelhança do que o PSOE vem indiciando nas mais recentes sondagens, feitas após Zapatero ter comunicado que não se recandidataria a novo mandato - e sobretudo recolocaria os socialistas portugueses no centro do palco político português, prontos a estabelecer pontes simultâneas à esquerda e à direita. Precisamente ao contrário do que fez Sócrates, também incapaz de dialogar dentro do partido que lidera e do seu próprio Governo, como testemunha a sua ruptura com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, agora saneado das listas eleitorais socialistas. Como esta noite sublinhou Diogo Freitas do Amaral, numa notável entrevista concedida à RTP, o ainda primeiro-ministro "revela muito pouca capacidade de diálogo com a oposição" precisamente num momento de emergência nacional: a solução que emergir das urnas, a 5 de Junho, impõe uma convergência partidária que o PS é incapaz de assegurar com Sócrates. Desde logo, também como acentuou Freitas nesta entrevista bem conduzida por Fátima Campos Ferreira, porque o líder socialista "começou a viver num mundo irreal". A tal ponto - e também na opinião do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do primeiro Executivo Sócrates, antecessor de Luís Amado - o titular da pasta das Finanças deveria ter pedido a demissão. "Com as despesas eleitoralistas de 2009, o défice subiu de 3% para 9%, o que é imperdoável", sustenta Freitas, criticando ainda o facto de Sócrates "ter feito um cavalo de batalha" da ajuda externa, que teimou em não pedir contra a lógica mais irrefutável. E só o fez - conclui ainda Freitas - "depois de todos os partidos da oposição terem chumbado o PEC 4, da dissolução da Assembleia da República com o parecer unânime do Conselho de Estado e do manifesto público da banca portuguesa".
Tudo quanto o insuspeito Freitas do Amaral disse esta noite sobre Sócrates já foi referido diversas vezes, por vários de nós, neste blogue. São evidências que só o restrito núcleo de incondicionais do líder socialista persiste em não reconhecer. Quanto mais o PS teima em seguir acriticamente este líder que perdeu o contacto com a realidade mais o partido, no seu conjunto, se arrisca a ir ao fundo com ele. O que - neste particular momento sobretudo - constitui uma péssima notícia para Portugal.
Fernando Nobre anda a ser criticado, vejam lá, por faltar à palavra: disse que não se envolveria com nenhum partido e acabou por aceitar figurar como independente nas listas do PSD. Quem o critica, em grande parte, é gente que acha muito bem haver um primeiro-ministro que agora governa com o FMI quando há poucos dias jurava que não governaria com o FMI. "Continuarei a dar o meu melhor para que Portugal possa escapar a esse cenário. Lutarei para que isso não aconteça", declarou o primeiro-ministro em entrevista à RTP, na noite de 4 de Abril, justificando assim esta intransigência: "Um pedido de ajuda externa significaria que o País perderia reputação e prestígio." Quarenta e oito horas depois, dava o dito por não dito.
Quem critica Nobre, em boa parte, é gente incapaz de contestar o secretário-geral do PS, que levou ao recente congresso do partido uma moção estratégica em que se rejeitava expressamente um auxílio financeiro de emergência a Portugal. "Eu não estou disponível para governar com o FMI", declarou alto e bom som o secretário-geral dos socialistas, a 19 de Março, com aquele ar de convicção estudada com que diz tudo e o seu contrário. Quando a moção foi votada e aprovada, em pleno congresso, estava já ultrapassada pelos acontecimentos: o mesmíssimo secretário-geral que negava a necessidade de intervenção estrangeira nas finanças portuguesas acabara de solicitar a referida ajuda externa. Cambalhotas atrás de cambalhotas, trapalhadas atrás de trapalhadas. Sem um sussurro crítico de muitos daqueles que agora se confessam chocados com as incongruências de Nobre.
Eu, por mim, não me choco com a duplicidade de critério destes incongruentes, que em larga medida cumprem uma antiquíssima tradição do servilismo lusitano: é de bom tom evitar qualquer crítica ao Governo. Choca-me, isso sim, que Portugal esteja à beira da bancarrota - e que, segundo as estimativas do FMI, venha a ser o único país da União Europeia em crise persistente no próximo ano.
De uma coisa tenho a certeza: não foi Fernando Nobre quem conduziu Portugal a este cenário de ruína.
Nesta campanha legislativa que se avizinha vão gastar-se inúmeras palavras inúteis que nenhum eleitor reterá. Esta é a quinta eleição registada em Portugal em menos de dois anos e o discurso político tradicional cada vez mobiliza menos gente. Os dois principais partidos transformaram o sistema num neo-rotativismo quase decalcado do que vigorou no País na segunda metade do século XIX: as alternativas programáticas tornaram-se residuais, agravadas no nosso caso pela escassez de soluções autónomas que nos é imposta pelo facto de pertencermos à União Europeia.
Então em que se pode estabelecer a diferença? Invertendo a receita tradicional: falando pouco, prometendo menos. Nada satura tantos os eleitores como a retórica política, a frase balofa, o adjectivo esbanjado.
Devíamos aprender mais com os exemplos alheios. Em Setembro de 2003, quando anunciou que não seria recandidato à Moncloa após sete anos e meio no poder e designou Mariano Rajoy como sucessor, José María Aznar liderava todas as intenções de voto em Espanha, com uma média de 13 pontos percentuais de avanço. Quando as legislativas ocorreram, a 14 de Março de 2004, o vencedor foi o Partido Socialista Operário Espanhol, de Rodríguez Zapatero. Com cinco pontos de avanço.
O que fizera a diferença? O trágico atentado de 11 de Março e a péssima gestão do governo do Partido Popular nesse dia, procurando lançar a responsabilidade para cima da ETA, em busca de dividendos eleitorais, descartando a pista islâmica, possivelmente relacionada com a participação espanhola na guerra do Iraque. O ex-porta-voz do governo de Felipe González – e actual vice-primeiro-ministro – Alfredo Pérez Rubalcaba disse então uma frase lapidar que encontrou eco nos eleitores: “Os cidadãos espanhóis merecem um governo que não lhes minta, um governo que lhes diga sempre a verdade.”
Tão simples como isto, tão decisivo como isto. Lá e cá. Os portugueses merecem ter um governo que não lhes minta. Nos tempos que correm, não encontro melhor mote para uma campanha do que este.