Não percebo a surpresa com que tantos têm encarado as comoções e peripécias no Bloco de Esquerda. O Bloco de Esquerda é comunista e isso diz tudo; o ser mais ou menos desta ou daquela freguesia ideológica releva para pouco ou nada.
São comunistas e basta. Não há surpresas nenhumas.
A Andrea Peniche critica as posições do Daniel Oliveira, relativamente ao pedido de demissão da direcção do Bloco de Esquerda, no blog do próprio Daniel Oliveira. Tirando este facto, que acho interessante, nada mais de relevante esta "militante" trouxe para a discussão. Aliás, este texto mais não é do que uma sumula de argumentos a defenderem mascaradamente o centralismo-democrático que o BE há muito pratica e que Louçã nunca assumiu nos seus discursos.
Os principais críticos a Francisco Louçã, nos últimos anos, foram afastados (a Joana Amaral Dias é o melhor exemplo) e as personagens que lhe podiam fazer frente foram colocadas discretamente na prateleira (Daniel Oliveira desapareceu para o "comentário" e Miguel Portas foi colocado na Europa). Isto para não falar do Ruptura/FER que, mesmo quando representou uma fatia importante da Mesa Nacional do BE, nunca conseguiu ter um único lugar elegível na lista de deputados.
Mas sobre este assunto, já confrontei directamente Francisco Louçã, na blogconf do BE, em 2009. Os vídeos podem ser vistos aqui e aqui. Afinal tinha razão.
José Sócrates e Paulo Portas saudaram publicamente o vencedor da noite, Pedro Passos Coelho. Outros dois líderes partidários, Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa, não o fizeram - pelo menos que eu tivesse ouvido em directo nas televisões. Há pequenos gestos que dizem muito sobre o espírito democrático dos políticos e sobre a forma como encaram o veredicto popular expresso nas urnas.
ADENDA: Leitor atento informa-me que Louçã dirigiu parabéns ao vencedor. Fica feita a rectificação.
Título genérico: Mudar de futuro pelo emprego e pela justiça fiscal
Número de páginas: 23
Frase-chave: «É necessário um abanão eleitoral, um 25 de Abril.» (Francisco Louçã)
Data de apresentação: 12 de Maio de 2011
1. Auditoria à dívida externa.
2. Renegociação da dívida para estabelecer "novos prazos, novas taxas de juro e condições de cumprimento razoáveis", anulando a dívida existente.
3. Cooperação com outros países da UE para a criação de uma agência europeia de notação.
4. Cooperação com outros países da UE para a emissão de títulos de dívida europeia.
5. Cooperação com outros países da UE para a entrada em vigor de um Pacto para o Emprego.
6. Combate aos paraísos fiscais.
7. Cancelamento das Parcerias Público-Privadas pendentes.
8. Imposição de um tecto aos accionistas das PPP para o nível médio das taxas de juro da dívida pública praticada nos anos anteriores.
9. Fundo nacional de resgate da dívida assente na tributação das operações bolsistas.
10. Novo imposto sobre as mais-valias urbanísticas.
11. Reforço do investimento público.
12. Protecção de políticas de desenvolvimento social e ambientalmente sustentáveis.
13. Revalorização anual das reformas e pensões, especialmente das mais baixas, pondo termo ao congelamento em vigor.
14. Luta contra a precariedade, defendendo o fim dos falsos recibos verdes e do falso trabalho temporário.
15. Limite máximo de um ano para os contratos a prazo.
16. Contrato-estudante destinado a garantir descontos reduzidos para a segurança social.
17. Direito à reforma completa ao fim de 40 anos de descontos.
18. Orçamento de base zero, que obrigue os serviços e departamentos de Estado à justificação de cada gasto.
19. Abolição dos governos civis.
20. Redução drástica das consultadorias externas e assistências técnicas.
21. Revisão dos financiamentos a fundações.
22. Vigilância das nomeações públicas.
23. Limitação salarial no sector público pelo vencimento do Presidente da República.
24. Cumprimento do acordo que prevê aumento do salário mínimo para 600 euros em 2013.
25. Agravamento do IRC sobre empresas que têm apoios públicos mas que distribuem dividendos aos accionistas em vez de reinvestir.
26. Imposto único sobre o património para incluir bens financeiros e acções - "ao mesmo nível do actual IMI, que não deve ser alterado".
27. Imposto complementar apropriado em casos excepcionais de grandes fortunas, cujas receitas serão canalizadas para a segurança social.
28. Criação de milhares de empregos na recuperação da ferrovia.
29. Estratégia de soberania alimentar para as pescas e para a agricultura, com a formação de um Banco de Terras, que dê oportunidades a quem quer trabalhar.
30. Apoio do Estado às redes de certificação, conservação e comercialização de bens alimentares destinados a mercados de proximidade.
31. Incentivo às pequenas poupanças através da emissão de títulos com rendimentos razoáveis e obrigações ligadas a projectos públicos dinamizados no sector empresarial do Estado.
32. Capitalização da Caixa Geral de Depósitos.
33. Criminalização do enriquecimento ilícito.
34. Investigação dos crimes de colarinho branco com cruzamento sistemático de dados e o fim do segredo bancário.
35. Apoio aos projectos de natureza industrial e de serviços avançados que sejam geradores de elevadas cadeias de criação de valor.
36. Renovar radicalmente as redes de distribuição de energia.
37. Recuperação de 200 mil casas degradadas, criando 60 mil postos de trabalho directos.
38. Dinamização do mercado de arrendamento.
39. Criação de uma Bolsa de Habitação para fogos a preços controlados.
40. Criação de um programa nacional de reabilitação urbana e de eficiência energética.
41. Pôr fim aos estágios não remunerados.
42. Extensão do direito à protecção social a todos os estágios profissionais e bolseiros, "através de um regime específico favorável e limitado no tempo".
43. Transferência para o Serviço Nacional de Saúde dos cuidados de saúde prestados por privados mas pagos pelo Estado.
44. Aumentar a eficiência e a qualidade do Serviço Nacional de Saúde.
45. Criação de novos serviços de apoio à infância e à terceira idade.
46. Universalização do acesso a serviços mínimos de água e electricidade.
47. Expansão da banda larga a todo o território nacional.
48. Aposta na exploração sustentável da pesca e na investigação dos recursos do mar.
49. Audição aos contratos de compras militares.
50. Saída de Portugal da NATO, uma "organização militar agressiva".
Francisco Louçã e Paulo Portas protagonizaram esta noite, na SIC, o mais equilibrado dos debates televisivos desta campanha. Foi um debate em que ficaram evidentes as clivagens ideológicas mas sem crispações pessoais. O presidente do CDS-PP e o coordenador do Bloco de Esquerda, ambos com longa experiência em televisão, souberam dirigir-se aos seus eleitorados específicos - jovens, desempregados e pensionistas sociais, no caso de Louçã; idosos, agricultores e portugueses da classe média-baixa, no caso de Portas. Louçã foi hábil ao associar por duas vezes o seu antagonista ao primeiro-ministro. "O seu programa é hoje o do engenheiro Sócrates", acusou o bloquista, lembrando que Portas apoiou o memorando assinado entre o Governo e o triunvirato composto por membros da Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu. "O responsável pela situação a que Portugal chegou chama-se José Sócrates", demarcou-se Portas, acentuando que aprovou o memorando por absoluta falta de alternativa: "Uma declaração de insolvência do Estado português significava que Portugal era posto fora do euro e que o dinheiro das pessoas ficava a valer metade."
Portas aproveitou o início do frente-a-frente para detalhar algumas das medidas que propõe aos eleitores. Nomeadamente a concessão de um crédito fiscal às empresas que contratem novos trabalhadores neste tempo de recessão e a obrigação de as universidades avisarem os alunos para os índices de emprego dos seus cursos. Louçã também foi capaz de descer ao concreto, advogando a "criação de emprego com o impulso do Estado" na ferrovia de proximidade, em novas redes de lares de terceira idade e na reabilitação urbana. Trocaram argumentos fortes em questões como o emprego, o rendimento mínimo e a renegociação da dívida externa portuguesa. Portas aproveitou para criticar Louçã por ter recusado uma audiência com os membros do triunvirato que se deslocaram a Lisboa: "As suas ideias, deixou-as nas mãos de José Sócrates. Porque teve medo de perder votos para o Partido Comunista." Louçã deu-lhe o troco, acusando-o de "conseguir votos" à custa da diabolização dos beneficiários do rendimento mínimo, "degradando a cultura da solidariedade". E, tal como fizera no debate com Paulo Portas, voltou a mencionar o ex-ministro democrata-cristão Bagão Félix entre os que defendem a renegociação da dívida. Sem esquecer outras personalidades distantes da sua área ideológica que já exprimiram a mesma tese, como Pedro Ferraz da Costa e "o seu antigo primeiro-ministro, Santana Lopes". Palavras ditas olhando Portas com um sorriso irónico.
O presidente do CDS, mais contido do que é habitual, não hesitou em mencionar áreas de convergência com o Bloco: "Ambos votámos a favor da prescrição da unidose", acentuou. Também ele defende a "Caixa Geral de Depósitos pública", estando nesta matéria mais próximo de Louçã do que do PSD. Não deixou, aliás, de marcar distâncias em relação a Passos Coelho num cenário de uma coligação pós-eleitoral PSD-CDS. Passos só a aceita se os sociais-democratas forem os mais votados, Portas defende-a mesmo que o PS fique em primeiro nas urnas mas os dois partidos mais à direita consigam formar maioria aritmética no Parlamento.
"Os indecisos têm que votar. Eles farão a força da democracia", concluiu Louçã. Portas pareceu de acordo. Não restavam dúvidas: este debate serviu aos dois.
Louçã - «A criação de emprego tem que puxar pela economia no seu todo.»
Portas - «O primeiro-ministro que ainda nos governa tinha prometido criar 150 mil postos de trabalho.»
Louçã - «Todas as medidas que afundam a economia criam desemprego.»
Portas - «O senhor não pode enganar-se com quem está aqui. Não está aqui ninguém que congelou pensões.»
Louçã - «Paulo Portas é o único português, junto com o engenheiro Sócrates, que acha razoável pagar 30 milhões em juros.»
Portas - «O doutor Francisco Louçã não foi capaz de falar nem com o FMI, nem com o BCE, nem com a UE. Quando o meu país está à beira da insolvência, eu não fico quieto.»
Louçã - «O doutor Paulo Portas tem muito pouco respeito pelos adversários. Não me acuse de ficar quieto.»
Portas - «A renegociação da dívida não é solução.»
Foi um bom debate: Francisco Louçã e Pedro Passos Coelho olharam-se de frente, ouviram com atenção o que o outro dizia sem atropelarem discursos, evitaram o recurso a frases feitas. Respeitaram-se mutuamente, o que tem muito a ver com as expectativas geradas pelas últimas sondagens aos partidos que ambos lideram. A Passos Coelho interessava dar algum palco a Louçã, que segundo os mais recentes estudos de opinião tem visto fugir votos para o PS. O coordenador do BE tinha uma preocupação simétrica: interessa-lhe progredir eleitoralmente à custa dos socialistas, o que o inibe de transformar o PSD em adversário principal.
Neste aspecto, a estratégia de ambos foi bem sucedida. Louçã evitou acantonar-se na esquerda mais radical: um socialista da ala esquerda poderia subscrever sem reserva tudo quanto disse neste debate travado na TVI, sob moderação de Judite Sousa. Por seu turno, o presidente do PSD - apostado em pescar votos à sua esquerda - mostrou-se, algo surpreendentemente, de acordo com os bloquistas em pelo menos cinco matérias: na possibilidade de renegociação da taxa de juro do empréstimo da Comissão Europeia a Portugal, na necessidade de evitar que os reformados sejam penalizados por este acordo, nas críticas à banca por ter concedido demasiado crédito à habitação na última década, nas vantagens de haver um orçamento de Estado de base zero e na urgência de pôr o País a crescer.
Louçã esteve, no entanto, mais acutilante e objectivo do que o seu interlocutor. Passos Coelho continua a revelar alguns defeitos centrais nestes debates: gasta demasiadas palavras para dizer coisas que deviam ser ditas de forma mais simples (hoje lá voltou ao jargão tecnocrático, falando em spread e benchmark) e falta conteúdo social ao seu discurso. Diminuir a dívida do Estado é um objectivo fundamental, mas o voto dos eleitores joga-se em questões relacionadas com o quotidiano directo e concreto. Num país com 700 mil desempregados, a omissão deste tema no discurso do líder do principal partido da oposição é quase inexplicável. Tal como é o combate que hoje decidiu fazer ao programa Novas Oportunidades: ao abrir tantas frentes de ataque, acaba por não se concentrar no essencial.
O coordenador do Bloco de Esquerda marcou pontos ao confrontar Passos com o caso da Madeira, onde o PSD governa desde sempre com maioria absoluta: o Jornal da Madeira, "uma folha de propaganda do Governo" de Alberto João Jardim, "tem um défice acumulado de 50 milhões de euros". Por outro lado, acentuou, o Governo Regional "atribuiu a uma empresa do secretário-geral do PSD Madeira o aterro da baía do Funchal, obra de 40 milhões de euros" . As questões da Madeira perturbam sempre os líderes nacionais do partido laranja. Passos virou a agulha de imediato: "José Sócrates, em seis anos, duplicou o passivo das despesas públicas, que representa praticamente dois terços do dinheiro que pedimos emprestado ao exterior."
Louçã também marcou pontos ao invocar, em socorro do combate ao memorando assinado com a Comissão Europeia e o FMI, a opinião de Bagão Félix, um homem situado num quadrante político muito diferente do Bloco. O seu ponto fraco, tal como ocorreu em anteriores debates, relaciona-se com a dificuldade em explicar com precisão como renegociaria a dívida pública portuguesa.
Do lado de Passos, os melhores momentos ocorreram na primeira metade deste frente-a-frente, quando utilizou palavras duras para caracterizar o desempenho do Executivo socialista: "O Governo conduziu o País a uma penúria absoluta." Palavras que muitos portugueses certamente subscrevem. Resta-lhe recorrer com mais frequência a esta linguagem sem rodeios para concretizar o objectivo que enunciou: "O PSD tem a obrigação de ganhar estas eleições."
Debate? Que debate? Quem teve a paciência de escutar até ao fim o frente-a-frente desta noite, na RTP, entre Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa certamente não descortinou qualquer motivo de fundo para o PCP e o Bloco de Esquerda se apresentarem em listas separadas a estas eleições. É certo que o secretário-geral comunista, há uns dias, disse numa entrevista desconhecer qual é a ideologia do BE. Mas ao ser desafiado pelo jornalista Vítor Gonçalves a reeditar estas dúvidas, Jerónimo preferiu chutar para canto. Ninguém diria que estes dois partidos já estiveram envolvidos em acesos despique verbais. Ninguém diria que houve até uma época em que o Avante! mimoseava os bloquistas com farpas bem aguçadas.
Esse tempo, pelos vistos, passou. Bloco e PCP convergem hoje no essencial: são do contra. Contra o Governo socialista, contra a alternativa à direita, contra a intervenção do FMI em Portugal, contra o memorando de entendimento com a União Europeia, contra o programa de privatizações, contra o pagamento da dívida pública sem uma renegociação imediata. O moderador do debate bem tentou encontrar algumas divergências dignas de nota entre eles, mas o resultado foi quase nulo. Jerónimo ainda mencionou a política europeia, distanciando-se do "federalismo" do Bloco. E - ao contrário de Louçã - não considera "questão tabu" a possibilidade de Portugal dizer adeus ao euro para regressar ao escudo. Há ainda uma questão de estilo: "Nós não fulanizamos", disse o secretário-geral comunista. Com Sócrates ou sem Sócrates, o PS estará sempre na mira das críticas do PCP. A tal ponto que Jerónimo foi incapaz de manifestar qualquer preferência entre um governo liderado pelos socialistas e um Executivo de maioria social-democrata.
Eis um dos nós cegos da política portuguesa: enquanto à direita a política de alianças é clara, à esquerda o PS está condenado a mirar-se ao espelho. O PCP só admite "coligar-se" com um partido fantasma: Os Verdes. E o Bloco parece hoje apenas apostado em duplicar o histórico papel de consciência crítica desempenhado pelos comunistas na democracia portuguesa, evitando qualquer aproximação aos socialistas com vista à construção de alternativas de governo.
Esta noite, de qualquer modo, Louçã mostrou-se um pouco mais acutilante ao procurar transformar o frente-a-frente numa espécie de prolongamento do debate da noite anterior com o secretário-geral socialista. Insistiu em denunciar a falta de transparência do PS na questão da taxa social única, antecipando que os socialistas preparam uma "alteração drástica" à actual contribuição das entidades patronais para a segurança social. E foi capaz de descer um pouco mais ao concreto na questão da dívida, propondo um "fundo de resgate" que prevê a criação de um imposto das mais-valias urbanísticas e um imposto sobre as transacções da Bolsa. A emissão de títulos europeus de dívida é outra solução proposta pelo Bloco. Jerónimo foi mais vago: este frente-a-frente confirmou que a economia não é o seu forte. Esteve melhor na intervenção final, marcada por um toque pessoal, raro nos comunistas:"Eu vivo melhor do que os meus pais e pensava que as minhas filhas iriam viver melhor que eu."
Nesse momento, o secretário-geral do PCP falou por milhões de pessoas. A maioria dos portugueses pensava o mesmo que ele. A realidade, infelizmente, vai-nos demonstrando o contrário dia após dia.
Pode a mesma receita funcionar duas vezes para vencer o mesmo adversário num frente-a-frente televisivo? Pode. José Sócrates demonstrou-o esta noite ao suplantar Francisco Louçã num debate na SIC. E bastou-lhe, para o efeito, reeditar a estratégia que já pusera em prática no confronto com o coordenador do Bloco de Esquerda para as legislativas de 2009. Na falta do programa eleitoral do Bloco, que ainda não foi divulgado, recorreu à moção estratégica que Louçã levou à recente convenção bloquista para traçar dele a imagem de um dirigente radical, associando-o ao adjectivo "irresponsável". De papel em riste, o secretário-geral dos socialistas leu dois trechos desta moção: "O problema de Portugal é a sua burguesia" e "o objectivo do socialismo é derrotar os donos de Portugal". Embalado, Sócrates resumiu a seu modo os principais desígnios programáticos do Bloco: "Nacionalizar e não pagar a dívida".
Foi em torno da controversa questão do pagamento da pesada dívida externa portuguesa que decorreu quase toda a segunda parte do frente-a-frente, com Sócrates a refutar a tese da "renegociação" defendida por Louçã: "O País pagaria um preço em miséria, desemprego e falências." O coordenador do BE, por seu turno, invocou como argumento de autoridade uma revista "burguesa": a Economist, que não hesita em advogar a reestruturação da dívida de países como a Grécia e Portugal. Mas nesta fase do frente-a-frente - muito bem conduzido por Clara de Sousa, que se confirma como a melhor moderadora de debates políticos na televisão portuguesa - a capacidade de iniciativa pertencia a Sócrates: o líder socialista acusou Louçã de "ser a muleta da direita" e considerar o PS como "adversário principal". Ao ouvi-los agora em Maio, ninguém diria que apenas há quatro meses andavam irmanados no apoio à candidatura presidencial de Manuel Alegre...
Louçã ainda o aconselhou a "voltar a Portugal". Mas era já patente que tropeçara nas artimanhas retóricas do seu antagonista, repetindo o erro cometido há menos de dois anos. E no entanto quem assistisse apenas aos primeiros 20 minutos não teria a menor dúvida em proclamar o líder bloquista como vencedor. Louçã chegou com a lição bem estudada, confrontando Sócrates com uma carta dirigida pelo ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, ao FMI em que prometia"conseguir uma grande redução da contribuição patronal para a segurança social". O dirigente socialista foi pouco convincente nesta fase do debate em que ouviu Louçã traçar um retrato negro destes últimos anos da sua prestação governativa: atacar os abonos de família, congelar pensões, reduzir os salários, "ir ao bolso da classe média". Sem meias palavras, o bloquista apontou o dedo acusador ao primeiro-ministro, que continua a ser incapaz de reconhecer um erro:"O senhor é o campeão do aumento do IVA". Acusou-o ainda de ser responsável por "mais cem mil desempregados" a curto prazo e não se esqueceu de anotar que, segundo estimativas oficiais, "Portugal será no próximo ano o único país da Europa em recessão".
Palavras fortes? Seguramente. Sócrates mereceu escutá-las? Sem qualquer dúvida. Mas um debate televisivo é como uma partida de futebol: não adianta chegar a meio com vantagem se na etapa complementar deixamos o adversário dar a volta ao jogo. Foi isso que sucedeu. E Louçã só pode queixar-se de si próprio.
Portugal não é para jovens: o velho PCP é mais forte que o "jovem" BE.
Até porque em época de crise e éfe éme i o que mais interessa à maioria dos portugueses não são as questões minoritárias (por muita dignidade e, até, urgência que tenham) mas as consequências nas carteiras. São os problemas "velhos" que determinam as próximas legislativas - e são os jovens a não querer assumir uma clivagem entre gerações.
Em Portugal, a foice e o martelo valem mais do que a ganza - e até os jovens sabem disso.
P.S.: Não andarão agora as sondagens a subestimar o BE como dantes subestimavam o CDS? Até ao lavar dos cestos ainda se contam votos...
PCP e Bloco de Esquerda recusaram qualquer encontro com a delegação europeia composta por membros do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu que se encontra em Lisboa a avaliar as condições do resgate financeiro a Portugal. Ao contrário do que fizeram os restantes partidos parlamentares, as associações patronais, as confederações sindicais (incluindo a CGTP-Intersindical) e diversas personalidades, como Boaventura Sousa Santos, coordenador do Observatório da Justiça. Os dois partidos da esquerda radical portuguesa perderam uma oportunidade irrepetível de dizer olhos nos olhos, cara a cara, tudo quanto pensam destes técnicos financeiros e quais as soluções que preconizam para retirar Portugal da situação de quase bancarrota em que vivemos, com o colapso iminente das finanças públicas. Agiram ambos sem qualquer sentido de responsabilidade, preocupados apenas em garantir a habitual vozearia de rua e de telejornal.
Que o PCP assim proceda, é normal. Os comunistas portugueses sempre foram profundamente eurocépticos, combateram desde o início a integração de Portugal na CEE, contestaram Maastricht, a diluição das fronteiras, a transferência de competências para a Comissão Europeia e a adopção da moeda única. São internacionalistas de cartilha mas profundamente nacionalistas na prática, utilizando uma retórica semelhante à dos partidos da direita populista e xenófoba que também não quer "os estrangeiros" a perturbar a sacrossanta "soberania nacional": ainda há dias um dirigente comunista comparava, no Avante!, qualquer político português que dialogue com o FMI a uma "espécie de Miguel de Vasconcelos dos dias de hoje".
Quando o BE procede exactamente como o PCP, pelo contrário, está a trair o espírito de cidadania europeia que parecia animá-lo desde a fundação, no final da década de 90: uma das principais diferenças programáticas entre comunistas e bloquistas residia na relação com a Europa. Mas também aqui o Bloco tem vindo a tropeçar no próprio pé - na sequência da fracassada tentativa de apropriação da candidatura presidencial de Manuel Alegre e do monumental tiro de pólvora seca que foi a moção de censura apresentada em Fevereiro contra o Governo socialista. O Bloco, que devia assumir-se como o parceiro de coligação natural com o PS para possibilitar maiorias parlamentares de esquerda, segue afinal uma estratégia de bunker, decalcada do PCP, que se esgota na gritaria contra todos os governos sem ter jamais a pretensão de influenciar qualquer solução governativa: ser um partido de protesto é quanto lhe basta.
A última coisa de que o sistema português precisa é de um segundo partido comunista, apenas um pouco mais citadino e com vestuário de marca. Se for por essa via, o Bloco torna-se um partido inútil - e não admira que as sondagens estejam a castigá-lo. Convém recordar que o PCP já tem um apêndice - o dito partido Os Verdes, que merece figurar no Guinness Book por existir há quase 30 anos sem nunca ter concorrido isoladamente a uma eleição. Por mim, confesso, custar-me-ia ver um dia Francisco Louçã e Luís Fazenda no lugar de Heloísa Apolónia a trautear o hino da CDU.