O resultado da cimeira europeia de ontem pode ter sido bom para os países aflitos, mas a meu ver foi péssimo para a construção europeia, tal como tinha sido concebida pelos seus fundadores. Durão Barroso deixou-se ultrapassar completamente e o papel da Comissão Europeia ficou totalmente sacrificado ao peso do eixo franco-alemão, sendo que até uma figura apagada como Hermann Von Rompuy conseguiu ter maior protagonismo. A Comissão Europeia tem assim que se resignar a partir de agora a cumprir um papel secundário, uma vez que a componente intergovernamental passou a ser a nova configuração do poder na Europa, o qual passa a recair no seu mais poderoso Estado-Membro. Efectivamente, o que saiu claro da reunião de ontem é que presentemente quem manda na Europa é a chancelerina alemã Angela Merkel. Nos velhos tempos Henry Kissinger queixava-se de que não tinha um número de telefone para falar com a Europa. Agora os americanos já o têm. É o número de telefone da chancelaria alemã. Conforme se viu, Obama já percebeu para que número de telefone deve ligar.
Seria um erro ver nestas declarações de Angela Merkel qualquer apoio a José Sócrates. O que ela diz é muito mais grave: que não lhe interessa qual o partido a que pertence o Primeiro-Ministro português desde que ele execute as medidas que ela defende. José Sócrates comprometeu-se a aplicar integralmente essas medidas, por isso servia muito bem. Em consequência, foi altamente censurável a decisão do Parlamento português em não dar apoio às medidas que ela determinou. Caberia perguntar à Senhora Merkel se acha que o Primeiro-Ministro português (qualquer que ele seja) não responde perante o Parlamento nacional, da mesma forma que ela responde perante o Bundestag, e se os deputados têm que aceitar acriticamente as propostas do Governo em matérias que são da sua estrita competência.
Destas declarações só se pode assim retirar uma conclusão: que Portugal deixou de ser um Estado soberano. Na verdade, a partir do momento em que um governante de um país estrangeiro se permite censurar uma decisão soberana do Parlamento português, e não é imediatamente objecto de um violento protesto por parte do Governo em funções, tal só pode significar a perda da soberania nacional. Como já se tinha visto com a ida de Sócrates a despacho a Berlim, este Governo transformou Portugal num protectorado alemão. Já não há qualquer espaço de decisão para os órgãos de soberania nacionais traçarem o seu próprio caminho para resolverem a crise. A única coisa que podem fazer é aplicar o Diktat da Senhora Merkel. Por isso, talvez fosse melhor o PSD mandar traduzir isto para alemão.
Acho escandaloso que um país com 800 anos de história receba agora ordens de um governante de um Estado estrangeiro, e fique reduzido a dizer "Jawöhl, meine Kanzlerin". Mas ainda acho mais escandaloso que ninguém no país se indigne com tamanho descaramento. Não haverá por aí alguém entre os nossos políticos disponível para dizer à Senhora Merkel que em Portugal mandam os Portugueses?