Concordo no essencial com a argumentação de Luís Menezes Leitão, num post mais abaixo, neste blogue. O convite a Fernando Nobre parece ser insensato e não trará votos. Aliás, houve uma rápida tendência nos comentários: desastre, oportunismo, disparate, falta de coerência, etc.
Ao ouvir a notícia, tive a mesma reacção. Sobretudo, achei prematura a sugestão de que Nobre seria Presidente da Assembleia da República, pois essa é uma escolha dos deputados. Fica-se com a sensação de que os deputados do PSD serão pouco autónomos. Depois, pensamos um pouco e concluímos que sempre foi assim.
Apesar de tudo, a crítica a esta escolha tem um problema importante e que merece discussão.
Queixamos-nos frequentemente de que a política não se renova. E no primeiro momento em que vemos alguém a propor uma genuína renovação da política, a reacção é de nojo: neste caso, o homem não tem experiência, não conhece os procedimentos regimentais (dá para aprender, suponho), não une o partido, vem da esquerda, fala demasiado em cidadania, foi adversário de Cavaco...
Existe, por outro lado, a acusação do vazio político: Nobre não tem uma ideia, dizem alguns comentadores. Mas isto é válido para a substancial maioria dos deputados das listas dos cinco partidos que elegem deputados. E Fernando Nobre parece ter convencido muitos eleitores, portanto, o que ele disse na campanha devia conter alguma ideia política: por exemplo, a de que há muitas formas de participar e fazê-lo através dos partidos não será a única. Ele defendeu a participação cívica, associativa, comunitária, quer ter influência fora da estrita obediência das militâncias. É lírico? Pois é, mas para quem defenda a renovação na política, não parece ser totalmente absurdo.
Apesar de conhecer algumas histórias do passado, continuo a acreditar que as listas partidárias podem (e devem) incluir personalidades exteriores à política e com estatuto de independentes, votando em liberdade em todas as matérias, à excepção daquilo que conste de acordos de cavalheiros (por exemplo, votar com o partido em orçamentos).
Não há respeito nem reciprocidade nas relações intra-europeias. É um facto da vida.
O que poderia não ser um facto da vida é:
(a) opinadores de direita que se colocam do lado da chancelerina teutónica só porque os opinadores da esquerda fazem o contrário;
(b) jornais portugueses que fazem eco dos nacionalismos que nos desprezam só porque seguem o chamados "jornais de referência";
(c) políticos e cidadãos portugueses que estão em permanente atitude de subservienciazinha face ao "estrangeiro" e que continuadamente denigrem o país com o estereótipo do "português provinciano";
(d) políticos e cidadãos portugueses que pensam que "rico" é sinónimo de "bom" e que bajulam e salivam pelas franças e as alemanhas só por serem ricas e poderosas;
(e) políticos e cidadãos portugueses que acreditam ainda mais na superioridade cultural, política, histórica, democrática, artística e et cetera das inglaterras, franças e alemanhas do que os mais chauvinistas habitantes desses países.
Francisco Almeida Leite já comentou, mais abaixo, neste blogue, a arrogante afirmação do porta-voz dos assuntos económicos da Comissão Europeia de que o PEC IV, chumbado na Assembleia da República, será o "ponto de partida" do novo programa de assistência a Portugal.
Isto só pode tratar-se de monumental gaffe do senhor Amadeu Altafaj Tardio.
A decisão de chumbar o PEC IV foi tomada por um Parlamento nacional e a comissão não tem poderes para anular decisões de parlamentos nacionais. Ou seja, se o PEC IV fosse "o ponto de partida" de uma decisão comunitária, esta seria sem margem de dúvida ilegal, inaceitável, contrária ao espírito e letra dos tratados. Teria de ser rejeitada liminarmente.
Seria também um crime contra a democracia e um atentado à soberania de um Estado-membro.
Tal circunstância envergonharia qualquer europeu.
O PEC IV está chumbado, ponto final. Arranjem um PEC V. Além disso, ao utilizar esta terminologia, o porta-voz da comissão interferiu directamente numa eleição nacional e suponho que o seu chefe, o comissário Olli Rehn, não o deseje, nem o seu outro chefe Durão Barroso, presidente da comissão.
É inaceitável que Bruxelas se torne jogadora numa eleição interna. Se o PEC IV for "ponto de partida" da negociação, os quatro partidos de oposição que votaram contra terão as suas posições comprometidas a semanas da votação. O PSD perderia as eleições se apoiasse e perderia as eleições se votasse contra. O mesmo se pode dizer do CDS. Bloco e PCP são contra qualquer PEC e talvez escapassem. O PS estaria a ser beneficiado.
Felizmente para a Europa, isto foi um erro de um porta-voz. Os ministros das finanças, reunidos no castelo de Godöllö, perto de Budapeste, estão a mostrar mais sensatez. Os ministros pediram "a todos os partidos políticos em Portugal" para concluírem depressa um acordo sobre o programa de ajustamento. O ministro sueco terá dito que "Portugal devia ter pedido ajuda há muito tempo". Ou seja, o PEC V é obviamente negociável e o país mantém a sua soberania (pelo menos no plano formal).
As metas portuguesas, com ou sem pedido de resgate, não mudaram: este ano teremos de cumprir um défice orçamental de 4,6% do PIB. As medidas destinam-se a garantir o cumprimento de todos os objectivos, défice de 3% em 2012 e de 2% em 2013. Nada disto mudou.
Reestruturar ou deixar o país estagnado por décadas: aqui.
Daqui por uns trinta anos vai ser generalizadamente óbvio que os bailouts da Grécia, da Irlanda e de Portugal foram erros muito grandes. Como lamenta Jorge Costa do Cachimbo, as perspectivas de crescimento económico em Portugal são tão baixas que não há maneira de garantir a solvabilidade das contas públicas no longo prazo.
E como eu escrevi aqui no Albergue, repudiar ou reestruturar a dívida hoje custará menos ao país e à Europa do que deixar o país economicamente sufocado por décadas.
É preciso ver que a medida da nossa desgraça já não se contabiliza em "milhares de milhões de euros" mas antes em "décadas de desenvolvimento perdidas".
"A reestruturação de dívida externa nacional é a decisão económica mais premente e mais importante de uma geração" defende também Ricardo Cabral aqui.
Esta notícia passou de forma discreta, mas só pode ter consequências, incluindo a possibilidade de eleições antecipadas na Alemanha.
E depois há isto, a revelar uma França à beira de um ataque de nervos.
E ainda isto. Que pode ser cruzado com isto. A Espanha prepara-se para uma mudança em grande, mas o PP tem uma fragilidade qualquer e não convence. Os comunistas sobem.
Tentando extrair algum sentido destas notícias, parece existir uma espécie de rebelião eleitoral a nível europeu. Os alemães castigam o governo de Angela Merkel (a derrota em Baden-Wurttenberg é maior do que se supunha); em Espanha, vemos os socialistas em queda livre; em França, surge uma insurreição séria, pois mais de metade do eleitorado aceita a Frente Nacional como um partido igual aos outros.
Temos elementos novos: os alemães votam nos verdes e a direita francesa aprecia mais um partido radical do que os conservadores tradicionais.
As respostas habituais já não chegam para reduzir a irritação de muitos europeus.
O tema foi abordado aqui no Albergue: Luis Menezes Leitão mencionou a questão da soberania, José Adelino Maltez fez uma alusão a Otto von Bismarck. Mas o assunto mereceu um estranho silêncio da maioria dos comentadores da blogosfera, mesmo os mais argutos.
As críticas públicas da chanceler alemã em relação ao chumbo do PEC IV estão na linha de uma nova (e perigosa) tendência que se desenha na UE, a Europa do directório a duas velocidades.
Merkel (e Sarkozy) criticaram violentamente o PSD e o seu líder pelo chumbo e pela crise. Um partido da mesma família política, partido que poderá ser de Governo, é criticado na reunião do PPE e no exterior, embora dê garantias de que cumprirá o que foi acordado entre governos. Aparentemente, estas garantias não chegam.
Dá para perguntar se a decisão do parlamento português não foi definitiva e soberana? Merkel e Sarkozy podem mudá-la?
A decisão do parlamento foi má para a Alemanha e a chanceler tem eleições no domingo, com sondagens desastrosas para o parceiro de coligação (FDP) no decisivo estado de Baden-Wurttenberg. Se a eleição correr como dizem as sondagens, Merkel pode ser forçada a mudar de parceiro de coligação.
Assim, a frustração da chanceler com os acontecimentos em Portugal é compreensível. A França é mais difícil de entender, mas Paris aposta tudo na subalternização em relação à Alemanha, única forma de manter algum poder no mundo.
No entanto, e apesar do contexto, foi ultrapassada uma barreira invisível (a segunda em três semanas) quando Angela Merkel criticou a decisão soberana do parlamento português, em vez de criticar no Conselho Europeu o primeiro-ministro José Sócrates. Foi Sócrates quem prometeu algo que não podia cumprir. Ele era o interlocutor da senhora Merkel.
Como explicar as pressões na reunião do PPE? Havia alguma decisão a nível do Partido Popular Europeu? Há votações no PPE? Portugal vai sofrer castigos? Interrompe-se a democracia portuguesa? Suspendem-se as eleições e volta tudo atrás?
Na anterior cimeira europeia ocorrera outra alteração fundamental, contra o espírito dos tratados da UE: o Conselho Europeu começou a 27, discutiu a situação na Líbia, e depois continuou a 17, só com os membros do euro, para discutir alterações fundamentais no funcionamento da moeda única e da união. O Reino Unido saiu da sala, a Polónia saiu da sala, o próprio titular da presidência saiu da sala. A instituição de um governo económico, a imposição de regras que apontam para harmonização fiscal e leis laborais semelhantes para todos será também para países que ao aderirem ao euro não discutiram a nova ordem.
Esta é já uma Europa a duas velocidades, discutida previamente pelo eixo franco-alemão e depois imposta aos restantes. É também o pesadelo da Alemanha, que não deseja parecer demasiado forte, mas que se permite continuar Conselhos Europeus em reuniões partidárias, interferindo na política interna de outros Estados.
Isto não é José Luis Zapatero a apoiar os seus camaradas socialistas portugueses, participando num comício em Lisboa. É muito mais grave: Merkel e Sarkozy tratam-nos como habitantes do protectorado. Dizem "manda quem pode, obedece quem deve".
A chanceler alemã, Angela Merkel, falou sobre Portugal no Bundestag e fez uma afirmação que está a entusiasmar os propagandistas pró-governamentais.
Segundo disse a chanceler, "Portugal apresentou um programa muito corajoso para os anos 2011, 2012, 2013. Era apropriado. Lamento profundamente que não tenha sido aprovado pelo parlamento [português]".
Acho que os propagandistas deviam meditar nesta frase e conter o seu entusiasmo. Na realidade, a senhora Merkel ultrapassou uma linha muito delicada e criticou um parlamento de outro país.
Compreendo a frustração da chanceler, sei que tem eleições muito complicadas dentro de dias e que a declaração era para consumo interno, mas a Alemanha tem horror a parecer o elefante dentro da loja de cristais e foi isso mesmo que pareceu. A frase é extremamente infeliz.
O Conselho Europeu, onde a senhora Merkel tem uma opinião decisiva, é um órgão intergovernamental e não consta que ali se critiquem decisões de parlamentos. Estas aceitam-se. Se a chefe de governo da Alemanha criticasse uma decisão do parlamento britânico, por exemplo, imagine-se a comoção nas ilhas britânicas. Se o primeiro-ministro português criticasse uma decisão do Bundestag, que diria a senhora Merkel? O óbvio: é uma decisão da nossa democracia e não lhe diz respeito.
A senhora Merkel tem todo o direito de criticar o governo português por não poder concretizar um plano muito apropriado que apresentou no Conselho Europeu. Tem o direito de criticar Portugal pelo estado das suas finanças, que os contribuintes alemães terão provavelmente de financiar. Tem o direito de defender os interesses da Alemanha e de o dizer no seu parlamento.
Mas a União Europeia ainda não permite a crítica a decisões democráticas de parlamentos. O governo Sócrates era minoritário e dependia de outros partidos, que não consultou. A senhora Merkel de certeza que sabia disso. Criticar decisões de parlamentos nacionais não vem nos tratados e não pertence à tradição das declarações dos chefes de Governo europeus, pelo menos em público.
Os blogues têm destas coisas: o meu post foi escrito ao mesmo tempo do de Luís Menezes Leitão, mais abaixo, onde se explica muito melhor o que está aqui em causa.
"A dirigente de extrema-direita francesa Marine Le Pen disse hoje [14 de Março] a imigrantes na ilha de Lampedusa (Itália) que a Europa "não tem capacidade" para os receber"(aqui).
Esta declaração da presidente da Frente Nacional francesa espanta-me e indigna-me por diferentes razões:
i. A Europa não tem capacidade para receber imigrantes? Qual Europa? A Europa demograficamente estagnada, em que a inversão da pirâmide etária torna insustentáveis os sistemas de pensões e a segurança social??
ii. A população total é factor de crescimento económico. Basta pensar nos Estados Unidos da América, Canadá, Alemanha. A população total é factor de atracção de investimento interno e externo: é esquecer os clusters do Michael Porter e estudar os "clusters" do Paul Krugman. Isto aplica-se sobretudo a países com baixa densidade populacional: Portugal e Espanha.
iii. Marine Le Pen é francesa e vem a Itália falar em nome da Europa?! Quem é que a mandatou para tal? Ela nem em França fala em nome da maioria dos franceses, quanto mais falar fora do país dela em nome da "Europa"!!
Suponho que de cada vez que o senhor Jean-Claude Juncker estende o dedo para as agências de rating, os seus responsáveis desatam a rir. O presidente do Eurogrupo veio agora de novo avisar que é preciso controlar "de maneira urgente" as referidas agências, como se isso não fosse óbvio desde o ínício da crise, quando esta era "apenas" financeira e não já económica e social.
No entanto, há quatro anos que está por surgir a propalada solução, seja ela a criação de uma agência de rating europeia ou uma nova entidade reguladora. Mais: No campo da regulação desconhecem-se também efeitos práticos do novo modelo de supervisão financeira europeu. E deu em nada a prosápia do combate feroz às off-shores (à qual aliás também Obama se juntou no início do seu mandato).
A verdade é que a UE, por ausência de autoridade, por excesso de burocracia ou por incapacidade na gestão dos interesses, não tem outra mão no comportamento dos mercados que não aquela que se limita a abrir os cordões à bolsa. E isso, como é óbvio, não é suficiente. Que a UE está numa crise quanto à indefinição do modelo político a seguir já era fonte de preocupações bastantes quanto ao futuro. Que ande a marinar sem consequências práticas no meio da turbulência económica é um 2 em 1 assustador.