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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Presidenciais (24)

 

 

Há cinco anos, todos os cenários jornalísticos estavam montados para uma bipolarização nas eleições presidenciais. Para muitos comentadores e vários jornalistas que tomavam decisões editoriais, apenas dois candidatos contavam: Cavaco Silva e Mário Soares. Esta é a lógica do sistema: raciocinar em dicotomia simples. Ou simplista. Um cenário que envolva mais que duas opções faz confusão a muita gente. Porque, tal como nas brincadeiras de crianças, é sempre mais fácil catalogar os políticos em duas categorias: os bons e os maus. Índios e cobóis, polícias e ladrões. Os bons são os nossos, os maus são os deles.

Nem o melhor jornalismo escapa a esta lógica maniqueísta. Só isto explica que o Expresso tenha publicado uma edição de 40 páginas a uma semana das presidenciais sem mencionar numa só linha o candidato Fernando Nobre, subitamente riscado da corrida a Belém em nome de critérios “jornalísticos” semelhantes aos que levaram os apaniguados de Estaline a apagar as imagens de Trotsky das fotos da Revolução de Outubro. O mesmo maniqueísmo que levou um comentador como Daniel Oliveira (também com coluna no Expresso) a proferir quatro vezes seguidas, como se martelasse uma evidência, a frase “há dois candidatos” na última emissão do Eixo do Mal. À força de tantas vezes repetidas, certas inverdades perdem o prefixo.

Vários destes jornalistas e comentadores são os mesmos que em 2006 não conseguiram digerir o segundo lugar obtido nas urnas por Alegre, com um milhão e cento e vinte e cinco mil votos, correspondentes a 20,7% dos sufrágios. Ainda hoje devem interrogar-se: como foi possível um candidato presidencial não apoiado por qualquer partido político ter chegado tão longe?

Não aprenderam nada em cinco anos.

 

ADENDA. Clara Ferreira Alves na mesmíssima edição do Expresso: "Nunca foi tão visível o empobrecimento intelectual do jornalismo e da política." Pois.

Presidenciais (23)

  

 

Lembro-me bem da emoção e do sentido de responsabilidade que senti ao votar pela primeira vez, aos 18 anos. O cuidado que tive ao analisar programas eleitorais e propostas dos candidatos - a "politizar-me", como então se dizia. Lembro-me bem da sensação de que, do ponto de vista da participação cívica, acabara de transpor uma etapa fundamental, atingindo a idade adulta.

Falo hoje com jovens de 18 anos e não encontro nada disso. Não sabem nada de política, não querem saber, não tencionam votar nem conhecem nenhum amigo que pense fazê-lo. Chegámos a isto, em pouco mais de três décadas de regime democrático.

Gostava de ver debatido nesta campanha o tema - cada vez mais preocupante, cada vez mais urgente - do progressivo divórcio entre os jovens e a democracia participativa. Nenhuma instituição sobrevive sem rituais - e nenhum deles é tão relevante como o voto. Acontece que os jovens portugueses - à semelhança do que vem sucedendo na generalidade dos países europeus - não votam, em larga percentagem, sem que isso pareça causar a mínima preocupação aos candidatos nem aos comentadores enredados no politiquês dos serões televisivos. Os políticos falam para serem escutados pelos comentadores e estes falam para serem escutados pelos políticos, num circuito fechado que apenas contribui para pôr os eleitores ainda mais à distância.

Pressinto que estas serão umas presidenciais marcadas pela maior taxa de abstenção de sempre, com destaque para a abstenção dos eleitores com menos de 30 anos.

Há seis candidatos, com uma média de idades de 63,6 anos (o mais velho tem 74 anos, o mais novo tem 55). Até agora, não ouvi uma palavra de qualquer deles sobre a deserção dos jovens. Apesar de poucos temas terem a gravidade que este tem.

Presidenciais (22)

As sondagens valem o que valem: convém, de qualquer modo, não as perder de vista. Mas há outros indicadores interessantes numa campanha que nos podem dar pistas sobre tendências de opinião dos eleitores. Um deles foi ontem divulgado pela empresa MediaMonitor, que avalia as audiências televisivas. Na comparação das entrevistas dadas pelos candidatos presidenciais à RTP verifica-se que Fernando Nobre atraiu maior número médio de espectadores, cabendo o último lugar a Defensor Moura - não só em audiência média mas também em quota de audiência.

Fica aqui o registo, para consulta dos leitores:

 

                                                   Audiência média                    Quota de audiência

Ferrnando Nobre                          9,6%                                           22,4%        

José Manuel Coelho                    9,4%                                           23,3

Cavaco Silva                                9,2%                                           21,7%

Manuel Alegre                             8,8%                                            20.6%

Francisco Lopes                           8,7%                                           20,2%

Defensor Moura                           8,4%                                           19,3%

 

Estes dados desmentem de algum modo a relevância concedida pela maioria dos comentadores televisivos a Defensor Moura enquanto manifestam o seu irreprimível desdém por Nobre. Acontece que o cidadão comum, à revelia destes comentadores, revela interesse por alguém com o percurso de vida, a capacidade de iniciativa, a militância cívica e a independência do fundador da AMI.

São sinais que justificam alguma atenção à margem do ruído da campanha.

Presidenciais (21)

 

Se há coisa que considero intolerável, numa campanha eleitoral, é ver um candidato conduzir uma brigada de jornalistas para o interior de creches, jardins de infância, centros de dia e lares de idosos. É indecorosa a exploração das imagens de meninos e velhos para efeitos eleitorais. Ontem lá tivemos a dose do costume deste jornalismo preguiçoso e reverente, que adora dar voz à ignorância dos cidadãos. "Sabe quem é aquele senhor?", perguntava uma repórter a uma velhota, a poucos metros do candidato Fernando Nobre. "Não sei", respondia a atrapalhada senhora, quase pedindo desculpa, como se receasse decepcionar a jornalista.

Que tem isto a ver com política? Nada. Que tem isto a ver com jornalismo? Coisa nenhuma.

Mas o pior aconteceu também ontem, quando Defensor Moura levou os jornalistas a um centro que acolhe jovens deficientes. Certamente nenhum vota a 23 de Janeiro, mas isso não inibiu alguns repórteres de lhes revelar os rostos e recolher declarações de vários deles. Nada que incomodasse o candidato que vive em Viana do Castelo. Depois disso - pasme-se - Moura "deu um passeio improvisado na rua onde mora", registou a arguta reportagem televisiva. Facto extraordinário. Só faltou esclarecer se levava algum cãozinho pela trela.

Presidenciais (20)

 

 

"A situação é séria, mas o Governo disse de uma forma muito clara que está a fazer tudo quanto está ao seu alcance para evitar o recurso ao fundo de estabilização europeu."

 

"Eu acredito que o Governo está a fazer tudo [para evitar a ajuda externa]."

 

"O primeiro-ministro comunicou-me - e eu não posso deixar de acreditar - que haverá uma execução orçamental muito rigorosa. (...) Isso seria um indicador muito positivo."

 

"Se for aprovada uma moção de censura na Assembleia da República, o Presidente da República terá de convocar rapidamente o Conselho de Estado e ouvir os partidos políticos representados na Assembleia da República para tomar uma decisão ponderada. (...) Gostaria que não ocorresse uma crise política no País. O País, para resolver os seus problemas, não devia ter crises políticas."

 

"Juntar a uma crise económica uma crise política é da maior gravidade."

 

"Eu apelo sempre à responsabilidade de todos. O País está numa situação bastante séria e exige a responsabilidade de todos os intervenientes."

 

Declarações de Cavaco Silva na entrevista de ontem à RTP. Declarações que chegam e sobram para se perceber quem é o candidato que mais convém a José Sócrates nesta corrida presidencial. O homem que raramente tem dúvidas foi categórico: quem espera vê-lo autorizar ou incentivar o fim prematuro da actual legislatura para a construção de um "bloco de direita" pode esperar sentado. Com ou sem FMI a vasculhar-nos as contas públicas.

Pelo menos nesta matéria Cavaco tem o mérito de falar claro. Passos Coelho certamente tomou boa nota do recado. Até porque o candidato que ele apoia para Belém fez também questão de salientar, nestas declarações a Judite Sousa, que anda sem tempo para ler as entrevistas do líder do PSD.

Presidenciais (19)

 

Sobre o caso BPN, que tem dominado a campanha presidencial, havia duas abordagens possíveis. A primeira, a abordagem política, confrontando Cavaco Silva com um núcleo nada recomendável do seu vasto clube de amigos – com destaque para o inefável ex-secretário de Estado Oliveira e Costa, financiador da campanha cavaquista de 2006. Esta foi a via seguida, com desassombro e eficácia, pelo candidato comunista Francisco Lopes no frente-a-frente com Cavaco. A segunda abordagem, a tentativa de assassínio de carácter, foi feita pelo candidato Manuel Alegre de série B nesta campanha, Defensor Moura. Aludindo ao BPN de mistura com a história requentada de um pavilhão qualquer em Viana do Castelo e outra acerca da fadista Kátia Guerreiro: tudo ao molho e fé em Maquiavel, que alguma coisa havia de se agarrar à parede. Agarrou-se o pior: um “escândalo” já noticiado pelo Expresso há dois anos em que à viva força se pretendeu recriar a biografia de Aníbal Cavaco Silva, político bem conhecido dos portugueses há três décadas, apresentando-o como um sujeito dado a negócios ilícitos e favorecimentos indevidos no exercício de funções públicas.

Manuel Alegre, que devia ter seguido o trilho de Francisco Lopes, preferiu adoptar o tom e o estilo chocarreiro de Moura – o Alegre de série B, que só se candidatou para isto. Um papel que lhe serve muito mal: o candidato a Belém apoiado pelo PS e pelo Bloco de Esquerda não é vocacionado para carregar baldes de lama destinados a adversários políticos. Conheço-o, sei do que falo: nunca até hoje o vi proceder assim.

Foi mal aconselhado por quem gosta de sentir o cheiro do napalm ao amanhecer. As companhias escolhem-se – e nesta campanha Alegre não tem nenhum motivo para se gabar das que escolheu.

Presidenciais (17)

 

A RTP - serviço público de televisão e, como tal, sujeita a deveres acrescidos de imparcialidade e isenção - deu ontem voz ao candidato presidencial José Manuel Coelho numa entrevista conduzida por Judite Sousa.

Duas breves notas apenas.

 

Primeira nota: achei totalmente compreensível a intervenção inicial do candidato, ao queixar-se do facto de a RTP ter "marginalizado" a sua candidatura quando agendou os debates com os restantes candidatos a Belém, deixando José Manuel Coelho de fora: isso mesmo havia eu anotado aqui algumas horas antes. Entendi mal a crispação revelada pela entrevistadora. Que, tendo a experiência que tem, já devia prever aquela intervenção e reagir com fair play, o que não sucedeu.

 

Segunda nota: aguardo que pelo menos algumas das perguntas e considerações ontem endereçadas por Judite Sousa ao candidato madeirense sejam colocadas a Cavaco Silva, que a mesma jornalista entrevistará na próxima segunda-feira.

Recordo, a título de exemplo, algumas dessas perguntas e considerações:

- É uma brincadeira? É uma coisa séria? Qual é a sua atitude nesta campanha eleitoral?

- Como é que responde àqueles que dizem que a sua candidatura não pode ser levada a sério?

- O senhor andava à procura de um palco?

- Acha que é sério ter feito esta trajectória? Onde está a seriedade?

- Foi incumbido por quem para se dirigir a quem?

- Quem está a pagar a sua campanha?

- Quanto é que o senhor vai gastar? Não vem a nado da Madeira, com certeza...

- A sua actividade política é paga por uma das famílias mais ricas da Madeira. É verdade?

- O senhor diz mal de toda a gente, só não diz mal de si próprio. (...) Ataca o jardinismo, ataca o cavaquismo...

 

É natural a expectativa. Os espectadores da RTP habituaram-se a apreciar os critérios de equidade adoptados pelo serviço público de televisão.

Presidenciais (16)

 

A RTP tenta redimir-se esta noite de uma falha grave: vai enfim entrevistar o candidato José Manuel Coelho (a TVI 24, sem obrigações de serviço público, já o fez ontem à noite).

Tenta redimir-se, sem o conseguir. Porque Coelho, o comunista do Partido da Nova Democracia que tem irritado mais Alberto João Jardim nesta legislatura regional do que todos os cabeças-de-lista do PS nos últimos 30 anos na Madeira, ficou à margem dos debates realizados entre os restantes candidatos presidenciais nos três canais televisivos com expressão nacional. Isto porque os responsáveis editoriais destas televisões decidiram fechar negociações com os estados-maiores dos candidatos para a realização dos referidos debates sem deixar esgotar o prazo legalmente destinado à formalização das candidaturas. Acontece que o Tribunal Constitucional validou José Manuel Coelho quando já estava definido o painel dos debates, o que o deixou excluído deste importante veículo de comunicação com os portugueses. Sendo uma falha grave para qualquer dos canais envolvidos, é-o muito mais no caso da RTP, que tem deveres especiais de isenção e equidistância decorrentes do seu estatuto de serviço público.

Do mal o menos, dir-se-á quando esta noite José Manuel Coelho se sentar defronte de Judite Sousa. É uma das frases mais gastas neste país onde todos nos habituámos a viver sob o signo do mal menor. O facto é que o princípio republicano da igualdade - no caso, o da igualdade de acesso aos órgãos de comunicação social - foi já seriamente ferido nestas presidenciais. Aconteceu com Coelho, candidato "menor". Que clamor não iria por aí se tivesse sucedido com algum dos candidatos ungidos pelo sistema?

Presidenciais (15)

 
Assistimos nesta campanha a uma insólita simetria à das legislativas de 2009, quando um Sócrates recém-derrotado nas eleições europeias foi questionado quase exclusivamente não pela sua política desastrosa nem pelo incumprimento das promessas de 2005 mas pelo seu carácter. O PSD, com Pacheco Pereira a dar a táctica, andou enredado nisto até lhe cair em cima uma estrondosa derrota eleitoral da qual ainda hoje não recuperou. Estou à vontade para escrever estas linhas pois insurgi-me com clareza contra essa estratégia numa altura em que muitos pensavam que podia ter êxito.
Desta vez os papéis invertem-se e é Cavaco Silva que vê agora o seu carácter posto em xeque por alguns dos rivais nesta campanha presidencial. Convenhamos: há muito que criticar no recandidato apoiado pelo PSD e pelo CDS. Mas, estranhamente, em vez de Cavaco estar a ser alvo de justificadas críticas políticas pelo seu mandato de cinco anos em Belém ei-lo a ser alvo de ataques de carácter, exactamente como sucedeu a Sócrates em 2009, pondo em causa um facto da sua vida privada numa fase em que não desempenhava qualquer cargo público.
Apetece-me fazer minhas as palavras proferidas ontem por António Vitorino na SIC Notícias: "este tema ocupa um peso desproporcionado" na campanha eleitoral em curso. E acrescento: não custa vaticinar que uma campanha deste género terá o mesmo sucesso do que teve a do PSD em 2009. Algo estranho é ver que alguns dos que então mais se destacaram na denúncia dos 'assassinatos de carácter' estejam hoje na primeira fila desta modalidade nada desportiva que só consegue afastar os portugueses ainda mais da política e os eleitores das urnas.
Entretanto lamento muito ver Manuel Alegre, em 2011, desempenhar o papel que Basílio Horta teve na campanha presidencial de 1991. A maioria das pessoas tem memória curta. Mas eu não: lembro-me bem como essa campanha terminou.