Independentes (ii)
Os independentes, quando justificam os convites recebidos, desculpam-se. Como se se sentissem envergonhados por terem aceite entrar na política. Como se a política fosse uma coisa suja.
Se calhar, é.
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Os independentes, quando justificam os convites recebidos, desculpam-se. Como se se sentissem envergonhados por terem aceite entrar na política. Como se a política fosse uma coisa suja.
Se calhar, é.
Os resultados eleitorais na Finlândia são reveladores de uma tendência geral na Europa. Os partidos populistas vão continuar a crescer, pois os eleitores ainda não compreenderam que os países da UE já estão todos ligados uns aos outros e que o afundamento de um deles implica que os restantes sejam arrastados. A verdade é anti-intuitiva e por isso a tendência populista é tão perigosa.
Não se consegue descortinar uma coligação governamental em Helsínquia que não inclua os Verdadeiros Finlandeses, que elegeram 39 deputados (em 200). O partido vencedor, a Coligação Nacional, terá de incluir, no mínimo, os social-democratas, que também estão contra o resgate português. Em resumo, a decisão do eleitorado é claramente a de não pagar para o fundo de estabilização e qualquer Governo que não respeite este veredicto estará a a agir de forma estúpida. Na melhor das hipóteses, a Finlândia condicionará a sua participação no resgate português à imposição de condições draconianas, um plano de austeridade que poderá condenar muitos portugueses à fome.
É certo que o País cometeu erros catastróficos, que a dívida parece impossível de pagar, que outros Estados sobreviveram à austeridade. Mas o facto de o FMI propor condições mais generosas do que a troika (Comissão, BCE, FMI) parece ser não apenas absurdo como sinal de que os governos estão a tomar decisões para os seus eleitorados e não para os interesses futuros da UE. Como já escrevi atrás, estamos todos tão atados uns aos outros, que se um país vai ao fundo, os outros afundam também. No entanto, as pessoas ainda acreditam que o melhor é cortar a corda.
Legalmente, Portugal não pode ser expulso do euro; há juristas que afirmam que a saída do euro, que terá de ser voluntária, implica necessariamente a saída a UE. A posição finlandesa tem graves dificuldades: a Finlândia (ou mesmo um grupo alargado de membros do euro) não pode impor a nossa saída da zona monetária; e se Portugal saísse pelo seu pé teria provavelmente de abandonar a União Europeia.
Em eleições democráticas deve ser dada a todos a oportunidade de poderem dizer de sua justiça. Não estou a falar dos tempos de antena, em que existe igualdade ao segundo, mas dos critérios jornalísticos que fazem passar à opinião pública as verdadeiras posições dos partidos de poder, dos partidos de protestos, dos partidos que não vão entrar na Assembleia, cada um destes patamares tratado de acordo com a sua importância relativa, mas de forma justa para formações semelhantes.
Isto é a teoria, já que a nossa democracia é um pouco estranha e a direita do poder sempre teve um trabalho de Sísifo pela frente.
Apesar de tudo, nunca vi nada parecido com o que se está a passar nesta pré-campanha. Abro a televisão e todos os dias, a horas de grande audiência, vejo um ex-dirigente do PSD com meia hora ou 40 minutos de tempo de antena a fustigar a direcção do seu partido. É um por dia: Luís Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa, José Pacheco Pereira, Pedro Santana Lopes, Nuno Morais Sarmento.
Marcelo é um caso à parte, de invulgares qualidades mediáticas, e Marques Mendes critica muito mais os socialistas, mas existe aqui um padrão que convinha fazer reflectir os eleitores. E, a meu ver, esse padrão parece perigoso.
As pessoas citadas são todas militantes de um partido e ex-dirigentes insatisfeitos com a actual direcção; nenhum deles tem qualquer papel previsível no próximo ciclo, pelo que os seus comentários "desinteressados" fazem parte de agendas políticas próprias. Apesar disso, nunca são questionados pelos moderadores sobre essa agenda. Pacheco Pereira, para citar um exemplo, revelou um SMS interno do grupo parlamentar do seu partido (ainda por cima inócuo e em termos que falseavam o conteúdo) sem ser desafiado pelo jornalista de serviço a explicar por que o fazia.
O ponto é o seguinte: livres de dizerem o que quiserem sem terem de o explicar, passam por "comentadores" políticos, sendo na realidade políticos activos. Estes políticos activos nunca são verdadeiramente questionados pelos moderadores, como acontece (e bem) quando surge na antena um político ligado à direcção do partido.
O líder do PSD, Pedro Passos Coelho, repetiu ontem claramente que, caso vença as eleições, tenciona formar um Governo abrangente, que inclua vários partidos. Além disso, as listas do PSD terão independentes, a começar pelo cabeça de lista por Lisboa, Fernando Nobre, figura que nas presidenciais atraiu 600 mil votos, sobretudo da esquerda.
Mas qual é a diferença entre fazer uma aliança depois e fazê-la antes das eleições? Sobretudo à direita. Parece difícil de entender por que motivo o PSD e o CDS não se entendem antes de 5 de Junho. Se concorressem juntos, necessitariam de menos votos para conquistar a maioria, e podiam na mesma incluir na aliança independentes como Fernando Nobre, alargando a tal convergência política sem ambiguidades para os eleitores. Seria muito mais transparente, evitando que os dois partidos se envolvessem em críticas mútuas.
Concordo no essencial com a argumentação de Luís Menezes Leitão, num post mais abaixo, neste blogue. O convite a Fernando Nobre parece ser insensato e não trará votos. Aliás, houve uma rápida tendência nos comentários: desastre, oportunismo, disparate, falta de coerência, etc.
Ao ouvir a notícia, tive a mesma reacção. Sobretudo, achei prematura a sugestão de que Nobre seria Presidente da Assembleia da República, pois essa é uma escolha dos deputados. Fica-se com a sensação de que os deputados do PSD serão pouco autónomos. Depois, pensamos um pouco e concluímos que sempre foi assim.
Apesar de tudo, a crítica a esta escolha tem um problema importante e que merece discussão.
Queixamos-nos frequentemente de que a política não se renova. E no primeiro momento em que vemos alguém a propor uma genuína renovação da política, a reacção é de nojo: neste caso, o homem não tem experiência, não conhece os procedimentos regimentais (dá para aprender, suponho), não une o partido, vem da esquerda, fala demasiado em cidadania, foi adversário de Cavaco...
Existe, por outro lado, a acusação do vazio político: Nobre não tem uma ideia, dizem alguns comentadores. Mas isto é válido para a substancial maioria dos deputados das listas dos cinco partidos que elegem deputados. E Fernando Nobre parece ter convencido muitos eleitores, portanto, o que ele disse na campanha devia conter alguma ideia política: por exemplo, a de que há muitas formas de participar e fazê-lo através dos partidos não será a única. Ele defendeu a participação cívica, associativa, comunitária, quer ter influência fora da estrita obediência das militâncias. É lírico? Pois é, mas para quem defenda a renovação na política, não parece ser totalmente absurdo.
Apesar de conhecer algumas histórias do passado, continuo a acreditar que as listas partidárias podem (e devem) incluir personalidades exteriores à política e com estatuto de independentes, votando em liberdade em todas as matérias, à excepção daquilo que conste de acordos de cavalheiros (por exemplo, votar com o partido em orçamentos).
Os mais sensatos sintetizam a crise portuguesa dizendo que houve uma década sem crescimento económico e que os últimos anos foram de endividamento galopante.
Os mercados já não acreditavam que Portugal pudesse pagar as suas dívidas. Xeque ao rei. Só havia uma saída, a ajuda externa, que tem custos terríveis para a sociedade portuguesa.
O actual governo de José Sócrates foi eleito em 2009 após uma campanha em que vendeu ilusões. No mandato anterior, apesar da maioria absoluta, o primeiro-ministro aumentou a despesa e subiu os impostos; não quis, ou não conseguiu, concretizar as reformas que podiam ter evitado o colapso.
O desemprego cresceu (é o maior de que há memória) e o Estado namorou durante um ano com a insolvência, arrastando toda a economia.
Os portugueses que até agora pagaram a crise concluem que os seus sacrifícios foram inúteis. Vem aí a austeridade a sério e pagam os suspeitos do costume: os mais pobres, os trabalhadores, as classes médias.
Apesar de ser o maior responsável pela situação em que se encontra o País, Sócrates é exímio em sacudir a água do capote. A culpa é da crise internacional; dos especuladores, que são uns vampiros; das oposições, sobretudo do PSD; do Presidente Cavaco Silva; dos líderes europeus, que entretanto já não são culpados, especialmente a senhora Merkel; enfim, a culpa é dos banqueiros sem patriotismo. A culpa é de toda a gente, menos do PS, menos do primeiro-ministro. O colapso ocorreu na semana passada, como se as taxas de juro tivessem começado a subir mal o PEC IV foi chumbado. Esquece-se convenientemente que este era já o quarto PEC, e que houve o terceiro, o segundo e o primeiro, tudo no espaço de um ano.
Sócrates acredita que os portugueses não têm memória, que esqueceram as suas promessas vãs, a propaganda tola, os anúncios falsos, as mudanças de opinião em 24 horas.
Nos próximos anos, o País será em parte governado por burocratas ligados a duas instituições internacionais, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional. O Conselho Europeu terá extensos poderes sobre as nossas decisões, em matérias orçamentais ou em legislação que afecte a competitividade.
Assim, as próximas eleições serão um julgamento sobre a situação de cada um e a responsabilidade dos políticos. Os eleitores terão de responder em primeiro lugar a estas perguntas: Estou melhor do que em 2009? E qual é o partido mais envolvido neste descalabro?
O facto de haver burocratas estrangeiros a influenciar as nossas decisões exige um governo forte, com mais do que um partido e com independentes.
Por isso, a terceira questão é sobre o primeiro-ministro. Em 2009, a oposição cometeu o erro de tentar referendar o carácter do chefe do Governo. Foi penalizada nas urnas. Mas, desta vez, o estilo político não é indiferente. Os próximos quatro anos serão difíceis e exigem um Governo capaz de dialogar, que se mostre negociador e abrangente.
Sócrates provou que não tem estas qualidades. Ao tentar impor o PEC IV sem o negociar previamente, precipitou a queda final. Ao insistir teimosamente em adiar a ajuda externa, tornou-a ainda mais dispendiosa. Por outro lado, Passos Coelho, o outro candidato credível a primeiro-ministro, já demonstrou que possui a capacidade para unir facções e criar consensos.
Estas são as eleições mais importantes em década e meia e alguns querem transformar a campanha numa berraria insensata, visando impedir uma discussão séria. O que está em causa não é apenas julgar o passado, mas sobretudo saber se Portugal tem flexibilidade suficiente para conseguir mudar o ciclo político.
As recriminações não interessam tanto como o olhar em frente. O regime democrático consegue criar uma solução viável? Podem os partidos renovar-se e fazer reformas no País e dar esperança à população?
Acho que as qualidades dos povos são visíveis sobretudo nos momentos de maior perigo. É nas crises que se mostra a fibra e, sem mudança, o nosso futuro é incerto.
Energética.
O que distingue um estadista de um político mediano? Fundamentalmente, a capacidade de ter razão antes de tempo. Há exemplos clássicos nesta matéria, mas nenhum tão expressivo como o de Winston Churchill, que ao longo da década de 30 foi praticamente a única voz relevante a chamar a atenção no Reino Unido para a necessidade de encarar a Alemanha de Adolf Hitler como uma ameaça mortal.
Sabe-se o que aconteceu: Churchill foi ridicularizado por todos os presumíveis sábios do momento. Nenhum político daquela época acabou por ser tão vilipendiado como ele. Acusaram-no de tudo – de belicista a louco – por ousar romper o consenso em torno do dogma da “paz” a qualquer preço.
Churchill, a notável biografia escrita por Paul Johnson e recém-lançada no mercado português (Alêtheia, 2010), descreve bem o que foram esses tempos de persistente cegueira em Londres perante a escalada guerreira de Hitler. O Partido Trabalhista britânico manteve-se teimosamente contra a adopção de medidas preventivas. “Opomo-nos terminantemente a todo e qualquer processo de rearmamento”, declarou na Câmara dos Comuns o futuro líder trbalhista, Clement Attlee, em Dezembro de 1933, 11 meses após a subida dos nazis ao poder. E só mudou de posição seis anos mais tarde, ao eclodir o maior conflito bélico de todos os tempos. Seria depois vice-primeiro-ministro no Governo de unidade nacional liderado por Churchill durante a guerra.
Até os primeiros tiros serem disparados, a cegueira persistiu: abundavam políticos, escasseavam estadistas. “Gostaria de encerrar todos os postos de recenseamento militar, dissolver o exército e desarmar a força aérea. Gostaria de abolir os horríveis equipamentos de guerra e de dizer ao mundo: ‘Façam o que quiserem’.” Esta foi uma mensagem eleitoral do líder trabalhista, George Lansbury, na campanha para as intercalares de Junho de 1933 – quatro meses após o incêndio do Reichstag.
Paul Johnson enumera outros exemplos. O lorde trabalhista Clifford Allen, ex-director do jornal Daily Herald, afirmou-se “convencido” de que Hitler alimentava “um desejo genuíno de paz”. O arcebispo Temple, de York, elogiou o “grande contributo” do chanceler nazi para “a paz e a segurança”. Lord Lothian, futuro embaixador britânico nos EUA, foi ao ponto de invocar o Tratado de Versalhes imposto aos alemães em 1919 para justificar, “em grande medida”, as perseguições que já então se verificavam aos judeus. “A ala pacifista do clero, que era dominante, fundou uma União de Apelo à Paz” pedindo aos britânicos a recolha de “assinaturas pela paz” – iniciativa que obteve um estrondoso sucesso, assinala Johnson.
Entre os notáveis detractores que Churchill teve durante a década de 30, em que alertou os britânicos para a necessidade de rearmar o Reino Unido, destacam-se John Maynard Keynes e Bertrand Russell. O primeiro, já com Hitler no poder, justificou perante a opinião pública em Londres a atitude dos alemães, apontando o dedo acusador ao Tratado de Versalhes, que procurou impor uma "paz cartaginense" a Berlim. Russell, um pacifista de sempre, preferiu traçar cenários de horror no caso de um suposto ataque nazi à capital britânica: "Bastam 50 bombardeiros de gás para envenenar Londres inteira", declarou em 1934. Estes intelectuais prepararam o terreno para a "paz com honra" assinada por Neville Chamberlain com Hitler em Munique, 11 meses antes do início da II Guerra Mundial.
"Teremos a desonra - e a guerra", alertou Churchill. Cheio de razão antes de tempo.
O PS envolveu-se num jogo de recriminações: Tudo corria bem e as más notícias sobre o passado não eram mais do que "alterações metodológicas". Se o PEC IV tivesse sido aprovado, os mercados ficariam rendidos à sabedoria do Governo e Portugal estaria salvo. Mas um pérfido partido da oposição, o PSD, inviabilizou tudo, com a cruel conivência do Presidente da República. Os dois abriram as portas do forte e os índios entraram.
A começar com este tipo de argumento, a campanha parecerá um debate de surdos que esquece um facto simples: os eleitores vão decidir se José Sócrates continua a ser o primeiro-ministro. Por isso, o que tem de ser discutido são os últimos dois anos de governação, não a semana passada; são também os últimos seis anos; e queremos saber se o PS merece a confiança dos portugueses após ter governado o País nos últimos 16 anos, à excepção de um curto período de dois anos e meio interrompido por motivos mais fúteis do que os de agora.
Nesta década e meia, o País endividou-se, a economia estagnou, o Estado engordou, os impostos aumentaram, os serviços públicos pioraram, o desemprego cresceu. Esta é a herança que vamos julgar. Nos últimos dois anos, entrámos em crise profunda. Nas últimas eleições, o PS iludiu o eleitorado e escondeu a verdade sobre a situação da época. Neste momento, também não sabemos qual é a verdadeira dimensão da crise financeira, só sabemos que o Governo não cumpriu nenhuma das metas a que se comprometeu e, apesar de não ter maioria, nunca conseguiu negociar sem criar um psicodrama.
Discutir se o PEC IV nos salvava é um absurdo. O PEC IV servia para cobrir um buraco nas contas. Ia congelar as pensões mais miseráveis e prejudicar todos os trabalhadores que apostaram em fazer a sua carreira profissional em determinada empresa, isto numa altura em que o desemprego ultrapassa 11%. O pacto não ia solucionar nenhum dos nossos problemas económicos, mas apenas acentuar a pobreza de muitos portugueses. E não era pacto, mas imposição não negociável.
No fim, os mercados internacionais iriam ignorar olimpicamente o PEC IV, pois há muito tempo que decidiram que Portugal terá mesmo de recorrer ao fundo de resgate. O País, aos olhos desses "investidores" (chamem-lhes agências de rating, especuladores, capitalistas selvagens, o que quiserem) não tem mais capacidade para pagar a dívida socialista que se acumulou ao longo da década de estagnação socialista.
A culpa é de quem nos levou ao fundo. Muito fácil de identificar. E, no entanto, só se ouvem na comunicação social os habituais lamentos de que os "políticos são todos iguais", uns "irresponsáveis, uns desvairados".
Estes analistas esquecem convenientemente que apenas os políticos nos podem tirar do buraco onde outros políticos nos meteram. Sem um governo coeso e forte, não haverá qualquer solução. A cavalaria não vai aparecer no horizonte para nos salvar dos índios. É por isso que precisamos de escolher uma nova liderança. A escolha democrática não é uma berrata, mas o que se ouve dos socialistas é mais agressividade e acusações, ideias de onde nunca saiu nenhuma resposta de poder, apenas insegurança e fraqueza. Do Governo não vem um mea culpa, não há um modesto reconhecimento de erros cometidos. Esses, são sempre dos outros. De Cavaco Silva e de Passos Coelho, da "esquerda radical", da Europa e dos especuladores, da imprensa que não é suficientemente favorável (queriam mais ainda), dos portugueses que não entendem a grandeza do esforço e da teimosia.
A culpa é de toda a gente no forte, do regimento inteiro, menos do génio que nos comandou até ao desastre.