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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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A renovação na política e o ultimato europeu

Concordo no essencial com a argumentação de Luís Menezes Leitão, num post mais abaixo, neste blogue. O convite a Fernando Nobre parece ser insensato e não trará votos. Aliás, houve uma rápida tendência nos comentários: desastre, oportunismo, disparate, falta de coerência, etc.

Ao ouvir a notícia, tive a mesma reacção. Sobretudo, achei prematura a sugestão de que Nobre seria Presidente da Assembleia da República, pois essa é uma escolha dos deputados. Fica-se com a sensação de que os deputados do PSD serão pouco autónomos. Depois, pensamos um pouco e concluímos que sempre foi assim.

 

Apesar de tudo, a crítica a esta escolha tem um problema importante e que merece discussão.

Queixamos-nos frequentemente de que a política não se renova. E no primeiro momento em que vemos alguém a propor uma genuína renovação da política, a reacção é de nojo: neste caso, o homem não tem experiência, não conhece os procedimentos regimentais (dá para aprender, suponho), não une o partido, vem da esquerda, fala demasiado em cidadania, foi adversário de Cavaco...

Existe, por outro lado, a acusação do vazio político: Nobre não tem uma ideia, dizem alguns comentadores. Mas isto é válido para a substancial maioria dos deputados das listas dos cinco partidos que elegem deputados. E Fernando Nobre parece ter convencido muitos eleitores, portanto, o que ele disse na campanha devia conter alguma ideia política: por exemplo, a de que há muitas formas de participar e fazê-lo através dos partidos não será a única. Ele defendeu a participação cívica, associativa, comunitária, quer ter influência fora da estrita obediência das militâncias. É lírico? Pois é, mas para quem defenda a renovação na política, não parece ser totalmente absurdo.

Apesar de conhecer algumas histórias do passado, continuo a acreditar que as listas partidárias podem (e devem) incluir personalidades exteriores à política e com estatuto de independentes, votando em liberdade em todas as matérias, à excepção daquilo que conste de acordos de cavalheiros (por exemplo, votar com o partido em orçamentos).

 

O que se ouve hoje na televisão, da parte de 99% dos comentadores, é que os políticos não são capazes de resolver o problema. Que os partidos falharam.   

Na rua, ouvimos sobretudo o "eles são todos iguais" na caracterização dos políticos. Há até quem defenda que se devem juntar todos, numa espécie de amálgama de salvação nacional que permita esbater todas as diferenças. 

Mas os mesmos comentadores (e o eleitorado) têm grande dificuldade em aceitar a entrada de estranhos na vida política. Dizem que são amadores e preferem os profissionais da máquina partidária, que aprenderam a comer o pão que o diabo amassou. Basta ver os elogios ao "profissionalismo" do congresso do PS, na realidade um comício onde não foi abordado nenhum tema da realidade e onde as duas vozes dissonantes foram assobiadas (aproveito para sublinhar a coragem de Ana Gomes e de Rómulo Machado). Ao congresso chegaram excursões de militantes, que comiam sandes e não sabiam bem o que estavam ali a fazer.

 

É evidente que nos partidos não é fácil dizer o que se pensa. É mesmo necessário ter coragem para pensar pela própria cabeça. A política portuguesa é particularmente incapaz de tolerar o pensamento livre. O partidos tendem a embetonar-se e o sistema a paralisar. Em resumo, apesar do fracasso da política tradicional, a resistência à renovação continua a ser enorme.

Por exemplo: penso que no PSD está em curso uma tentativa de renovação das elites políticas. Mas qualquer coisa que o PSD diga ou faça é saudado imediatamente com um coro de críticas e enorme desconfiança. Que não deviam dizer assim, mas deviam dizer assado. O País precisa de mudança, mas os argumentos no comício albanês do PS eram a negação da realidade e a ideia de que mudar é embarcar numa aventura. A comunicação social concorda inteiramente.   

 

A crise portuguesa reflecte uma crise mais vasta, de âmbito europeu, que tem a ver com o declínio da democracia nos Estados-membros e a falta dela nas instituições comunitárias. Os países estão mais preocupados com as suas eleições internas e a ascensão dos demagogos. Por isso tomam decisões que parecem um constante empurrar com a barriga, o chamado método comunitário da discussão permanente que não leva a lado nenhum. No que diz respeito aos nossos problemas, o paralelo histórico que me ocorre é o do ultimato de 1890, um dos maiores traumas deste país e um dos grandes disparates da Inglaterra. O nosso melhor aliado a fazer-nos aquilo! Ainda hoje mal dá para acreditar.

Agora, os nossos amigos europeus decidiram ignorar uma decisão soberana do nosso parlamento. Quando vemos um comissário europeu mais preocupado com as eleições finlandesas a responder à letra a um presidente eleito, percebemos que a UE já deixou de ser uma Europa de Nações e já é de facto uma Europa dirigida por burocratas não eleitos. O resgate europeu não é apenas uma humilhação de credores a um devedor, mas mais do que isso: a nossa dívida foi acumulada com a cumplicidade das instituições europeias, por ser conveniente aos interesses das economias do norte. Eles, na realidade, estão-se nas tintas para nós, os seus "parceiros", e a "negociação" será uma palhaçada.  

Ao contrário do que disse Olli Rehn, esta é uma Europa exangue e desprovida de imaginação. Uma comunidade que tenta adiar o inevitável, o seu desmembramento: pois tudo indica que caminhamos para a reestruturação da dívida grega e depois será a nossa vez. E tentem realizar mais algum referendo na Grécia ou na Irlanda ou em Portugal...

A União Europeia atravessa uma crise sem precedentes, como se pode ler aqui. Está a ser incapaz de pensar sobre a sua própria mudança. E eu, que ouvi tanta gente a dizer que a UE foi construída para impedir outra guerra na Europa (depois nós, os portugueses, é que somos os malucos), não posso sentir senão preocupação.

 

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