Os dramas das gerações
A enorme atenção dada à canção dos Deolinda sobre os adultos jovens em dificuldade e a acusação feita às gerações mais velhas trouxe-me à memória um artigo que escrevi no Expresso a 20 de Novembro de 2001 chamado “geração entalada” e dedicado à geração a que pertenço, a das pessoas nascidas entre 1960 e 1970.
Referia na altura, com eco bem reduzido, diga-se em abono da verdade, que a minha geração tinha iniciado a actividade profissional num novo período de prosperidade mas, algures pelos finais dos anos 90 ficou claro que a geração a que pertenço era uma geração “entalada”. Escrevi então: “Os constrangimentos da lei do arrendamento urbano conduziram muitos de nós a um endividamento precoce e, por vezes, sufocante, para adquirir a casa no subúrbio a longas esperas do local de trabalho.
Enquanto alegremente embarcávamos neste sacrifício, as gerações mais velhas continuavam instaladas no centro das cidades pouco pagando por habitações que já só parcialmente ocupavam. À ineficiência gerada juntava-se uma elevada dose de iniquidade, sendo nós, colectivamente, prejudicados.
Simultaneamente, muitos de nós entraram num mercado de trabalho fortemente condicionado com uma legislação que protegia os que já trabalhavam e não os que ao mercado queriam aceder.
Assim, num país dado a expedientes e «faz-de-conta», muitos de nós habituámo-nos à sucessão de contratos a prazo em ocupações permanentes. Enquanto tal nos sucedia, as gerações mais velhas mantinham-se instaladas nos seus empregos mesmo quando apenas «aqueciam» os lugares que há muito ocupavam. Mais uma vez, a protecção de «direitos adquiridos» prejudicava colectivamente o mesmo grupo. Mais uma vez, à ineficiência juntava-se a iniquidade. Começávamo-nos a habituar a ficar com a fatia mais pequena dum bolo já de si pequeno.”
A estes problemas juntava-se (e junta-se, hoje de forma absolutamente cristalina, mas ainda assim ignorada pela maioria dos que têm entre 40 e 50 anos) que “não nos apercebemos (tal como os que imediatamente nos precederam) de que não tínhamos em casa um número suficiente de crianças para um dia, quando se tornarem contribuintes activos do sistema de segurança social, poderem pagar as nossas reformas.” Referia na altura—e hoje já é certo—que um dos cenários possíveis passava por, aí por volta de 2030 “nos resignarmos a teremos de nos resignar a viver muito pior do que poderíamos viver caso usássemos as nossas contribuições, pelo menos parcialmente, em nosso favor. Viveremos mesmo muito pior do que colectivamente vivem os actuais pensionistas”.
Ou seja, a questão central da equidade inter-geracional não é de agora e radica em algo de muito diferente do que alguns tentam fazer crer. Em primeiro lugar, tem a ver com o desfasamento entre as preferências reveladas pelos portugueses e o condicionamento do Mundo em que vivem. Não só a minha geração se endividou como se não houvesse amanhã admitindo que as condições da Europa dos anos 60 e 70 se tornariam perpétuas como a actual foi à escola mas não se preocupou nem com o que aprendeu nem com o que fazer por si própria num Mundo exigente e competitivo. Em segundo lugar, e fundamentalmente, porque as sucessivas gerações sempre esperaram que alguém, que não eles próprios, resolvesse os seus problemas imediatos ou futuros. Finalmente, porque em Portugal há muito que se desligou a ambição da possibilidade.
a sair na sexta no SOL