Propagação Democrática
Na vaga de manifestações e tentativas de revolução que percorre o mundo muçulmano, aquilo que mais me surpreende é o contágio. Não era necessário que uma manifestação em Tunes se propagasse ao Cairo. Mas isso aconteceu: de umas cidades para as outras, foi-se formando uma linha de união entre os diversos países islâmicos.
A unidade entre países normalmente não é óbvia. A consciência colectiva das semelhanças entre países nem sempre existe mesmo quando essas semelhanças, vistas de fora, parecem evidentes. Em geral, sucede o contrário: o nacionalismo e o sentimento exacerbado de identidade e de diferença tendem mais a ser a regra do que a excepção. E, no entanto, aquelas diferentes nações muçulmanas foram seguindo o exemplo de umas para as outras.
Qual o mínimo de características e causas comuns necessário à propagação internacional da revolta democrática? Foi necessário um mesmo sentimento difuso de insatisfação económica e política, desemprego elevado, população jovem, informatizada e internetizada, subida de preços, língua e religião essencialmente comuns? Ou bastava menos do que isso tudo?
Se o mínimo necessário à propagação da democracia for pouco exigente, talvez possamos esperar que a revolta democrática se extenda, por exemplo, a Angola e a tantas outras não-democracias. Mas será que os angolanos, ou outros, podem sentir-se suficientemente próximos das nações muçulmanas, de modo a deixarem-se influenciar e seguir o exemplo? (Como, aparentemente, a América Latina se sentiu relativamente a Portugal e Espanha na transição para a democracia).
Será que a ausência de instituições democráticas e a falta de oportunidades são suficientes para criar um sentimento de irmandade que funcione como canal de propagação da revolta democrática, alargando-a para além das fronteiras linguísticas, culturais e religiosas?
Seria bom que fossem.