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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Excursionista me confesso

Em Cachimbo de Magritte habituei-me a ler um blogue onde se pensa. Mas em relação à crise egípcia, alguns dos autores locais têm andado aos papéis, ainda por cima desvalorizando opiniões diferentes das suas com truques de retórica, sobretudo mudando de posição em cada dia e acusando outros de inconsistência. Falo das reacções à minha posição sobre o tema, ou à do Pedro Correia, mais abaixo, interpretando-as como tontas capitulações ocidentais perante o perigo iminente das hordas bárbaras. Uma crítica minha na caixa de comentários recebeu uma resposta intrigante, daquelas que alguns costumam dar a tolos ignaros.

Outro autor do mesmo blogue, Carlos Botelho, diz que tem cautelas e escreve isto, mas suponho que, depois do que tem escrito, deverá manifestar no futuro alguma dificuldade em opinar sobre o Irão. O mesmo autor faz um post com uma imagem de Hitler a conversar com o grande mufti de Jerusalém, em 1944, numa referência às crises no Médio Oriente, mas infelizmente não explicando o seu ponto.

Julgo que estas leituras dão que pensar.

 

Alguns intelectuais de direita, em Portugal, têm uma visão do mundo demasiado inflexível. Como são conservadores, tendem a ver com desconfiança todas as mudanças, as boas, as más e as sofríveis. Para eles, mudar é sempre mau (isto aplica-se à política nacional tanto como à internacional). 

Na minha opinião, a mudança faz parte da vida, como da política, e muitas vezes gera oportunidades. Pode muito bem ser o caso.

Mas não é matéria de opinião afirmar que os protestos populares que derrubaram Zine Ben Ali eram por democracia; o mesmo sucedeu no Cairo. O mesmo está a ocorrer no Irão, com brutal repressão das autoridades (e não vai parar); e continua no Iémen, Bahrain, Argélia (também com repressão). Estas pessoas estão todas a pedir o mesmo: democracia. Chamem-me ingénuo ou excursionista, mas acho que isso é positivo. Digam que a diplomacia americana está a ser imbecil, mas os países democráticos têm a obrigação de apoiar os apelos à democracia. Acho que é a coisa certa a fazer e não desejo ver o meu Governo a criticar o protesto pacífico e democrático dos egípcios ou dos iranianos.

 

Como acabam as revoluções populares? Pois, aí há muitas modalidades. Algumas acabam em sangue e terror, outras em transições dolorosas, há ainda transições suaves, com peripécias mais ou menos contraditórias; e há até revoluções democráticas com final feliz, após avanços e recuos.

Sei que o ambiente das discussões está muito crispado nesta nossa pequena democracia; sei que existe no nosso país um clima em que quem grita mais alto tem mais razão; que há tendência para puxar os galões da sapiência, os que leram mais analistas ou ouviram o Glenn Beck, os que tentam a ironia (geralmente sai-lhes um sarcasmo pedante), os copy-writers; há também quem tenha bolas de cristal e os que não acertam no alvo.

Desta vez, nas análises aos importantes acontecimentos das últimas semanas, surgiu o tom do determinismo histórico, de inevitabilidade, do destino fatal: a revolução egípcia está condenada à partida. Julgo que dirão o mesmo da iraniana.

 

Mas o que se passa no Médio Oriente é sobretudo irreversível, factual e complexo. A revolução democrática está a alastrar pela região, começou no norte de África, atingiu o país árabe mais importante e agora manifesta-se também no Irão. Estamos a falar de 350 milhões de pessoas, de um contágio cuja explicação tem de passar pela comunicação (televisão satélite, internet) e cujas consequências podem ser globais.

Vai tudo acabar num Islão mais fechado e hostil? Num califado? No endurecimento dos regimes? Talvez. As mudanças têm perigos? Claro que têm. Mas faz algum sentido rejeitá-las à nascença por causa do medo daquilo que não conhecemos, disfarçado de erudição?   

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