A morte não tem culpa, é mera consequência de uma vida sem direito à felicidade da vizinhança. Abaixo os gaioleiros!
O cadáver de Augusta Duarte Martinho jazia há nove anos no chão da cozinha do apartamento em que vivia, na Rinchoa, em Rio de Mouro. A multidão solitária, ou de como a cidadania é bem inferior à dívida do contribuinte. Afinal, neste deserto suburbano, de nada nos vale o velho número de polícia. Que saudades de futuro devemos ter pelo regresso a terras, mesmo rurbanas, que sejam, de novo, a nossa aldeia.
Augusta Duarte Martinho, um cachorro, uns passarinhos. A morte não tem culpa, é mera consequência de uma vida sem direito à felicidade da vizinhança. A dignidade da pessoa humana exige tanto uma dimensão individual como uma dimensão social. O nós precede o eu e o eu exige o nós. Não há sociedade sem indivíduo, não há indivíduo sem comunidade. Uma floresta com árvores de betão não tem raízes nem olha o sol de frente.
Os guardas foram ao local, mas disseram que não podiam arrombar a porta. A polícia e o Ministério Público, aos costumes disseram nada. Só as finanças funcionaram em hasta pública. Infelizmente, vivemos em regime de porco-espinho, mesmo quando encontramos uma desculpa nas autoridades e não assumimos a legítima defesa de um espaço de vizinhança que deveria começar por uma radical alteração do regime puramente interesseiro dos condóminos, sempre com esse cheiro a domínio e a proprietarismo, do ter sem ser.
Talvez fazendo intervir os condóminos com voluntariado social na gestão do bairro, ou atribuindo a tal motivação alguns benefícios fiscais. Para que os interesses possam dar dimensão social à secura do juridicismo.
Talvez percebendo que, em vez de extinguirmos autarquias, deveríamos fazê-las renascer, de baixo para cima, criando as de prédio, as de rua e eliminando aquelas que apenas servem como extensões da centralização e do concentracionarismo do estadão...há quem lhe chame orçamento participado!
*Na imagem, uma manifestação popular, dos anos vinte do século XX, contra uma das causas da presente falta de "respublica": os gaioleiros que transforamram o Estado e as suas autarquias urbanas numa república de betão sem alma.