Revolução no Nilo
Tenho lido comentários em blogues sobre a revolução no Egipto, por exemplo este, de Rodrigo Moita de Deus, ou este, de Filipe Nunes Vicente, mas julgo que não existe alternativa à democracia e concordo com o que escreve Henrique Raposo, aqui.
A Irmandade Muçulmana será provavelmente a vencedora de eleições livres no Egipto. Esse era o argumento do regime de Mubarak sempre que o ocidente levantava a questão da liberdade no país: "Pode arranjar-se uma liberalização, mas vencem os barbudos", diziam.
Considerando a influência do Egipto no Médio Oriente (que a Tunísia, do Magrebe, não tem), o actual movimento nas ruas pode produzir o mesmo impacto geopolítico que teve a queda do Muro de Berlim.
Os irmãos são anti-ocidentais, não deverão permitir a liberdade religiosa (neste ponto há dúvidas) e serão um problema sério para Israel e, de outra maneira, um problema para outros regimes autoritários no Médio Oriente. Já o escrevi neste blogue: basta circular num bairro popular do Cairo e ver o número de mulheres que usam abaya ou niqab (vestes que tapam totalmente o corpo, à excepção dos olhos). Os abusos da polícia secreta não recomendam ali as barbas compridas, pelo que pode ser enganadora a sensação de que talvez não haja tantos islamitas assim. Mas há e têm enorme influência nas camadas mais pobres da população.
No entanto, dito isto, uma acção ocidental que impedisse a democracia era um enorme crime. Só serviria para radicalizar a irmandade e confirmar o argumento da hipocrisia do ocidente. Segundo os islamitas, europeus e americanos estão sempre a falar em democracia, mas quando o resultado não lhes interessa, opõem-se a ela.
O facto é que a democracia foi possível na Turquia e o regime iraniano podia hoje não ser teocrático, se os EUA tivessem impedido o xá de radicalizar os seus fundamentalistas ou impedido Saddam Hussein de atacar o Irão.
O exemplo turco demonstra que os islâmicos moderados podem conviver com republicanos nacionalistas e até com liberais pró-ocidentalização. É um convívio difícil (um programa na TV causou esta semana feroz polémica entre os ultra-conservadores turcos), mas a ditadura militar não constitui a única solução.
O choque de civilizações é um beco sem saída, mas sobretudo para estes países, que não têm força económica ou tecnológica para triunfar num confronto com o ocidente. Em política, muitas vezes a razão não vence as discussões, mas no caso da revolução no Egipto há islamitas que reconhecem as vantagens do jogo democrático, de eleições limpas e de um mínimo de tolerância que lhes garanta a manutenção no poder. É ingenuidade acreditar nisto? Talvez seja. O conservadorismo fanático tem uma cegueira militante. Mas não vejo como é que se trava este movimento democrático.