Mandato presidencial único de sete anos (reloaded).
Regresso ao tema que abordei aqui, para responder com algum atraso à concordância discordante do Ricardo Vicente. Em boa verdade, concordo com a reserva que o Ricardo levanta ao meu argumento - "se se começa a colocar em causa as eleições sempre que a abstenção é alta, a democracia fica por um fio". E concordo com o argumento "da maior independência do cargo." Mas concordo também com a reserva que o anónimo comentador do post do Ricardo levanta a este argumento: "então porque não se aplica esse argumento às outras eleições, legislativas e autárquicas?"
Concordo, portanto, com muita coisa - sobretudo com o mandato presidencial único de sete anos. Noto, aliás, que a exposição que fiz aqui sobre o porquê dos sete anos - e que acreditava ser original - parece tirada a fotocópia da que o Ricardo redigiu meses antes: é difícil estar mais de acordo do que isto! Aquilo de que eu discordo é da pressuposição, comum ao Ricardo e ao seu anónimo comentador, de que a defesa de um argumento num determinado contexto pressuponha a sua validade noutros contextos. Se eu considero que a elevada abstenção coloca em dúvida a pertinência da reeleição presidencial? Sim. Mas não direi o mesmo de outras eleições. Se eu considero positivo que o mandato único reforce a independência do seu titular? Para o Presidente da República, sem dúvida. Para outros cargos políticos, tenho as maiores dúvidas.
Parece-me que o que está em causa nesta proposta, que tanto eu como o Ricardo defendemos, não é um princípio geral segundo o qual as eleições devem ser muito participadas ou os eleitos muito independentes. O que está em causa, do meu ponto de vista, é aprender com a experiência. Se em 35 anos de democracia, o povo português nunca deixou de reeleger um Presidente recandidato, talvez haja uma ilação a retirar. Se em 35 anos de democracia, as campanhas de reeleição foram sempre menos participadas e mais sujas do que as campanhas de eleição inicial do Presidente, talvez haja uma ilação a retirar. Se em 35 anos de democracia, os segundos mandatos presidenciais foram sempre exercidos com maior liberdade, talvez haja uma ilação a retirar. A ilação que eu retiro é que um mandato único pouparia o povo a pronunciar-se de novo sobre uma questão já decidida, e pouparia o país a uma alternância entre mandatos presidenciais limitados e mandatos presidenciais activistas.
Quer isto dizer, como sugere aqui a Helena Matos, que quem defende esta alteração constitucional deseje uma "presidencialização do regime"? Não é de todo o meu caso, tal como não me identifico com os "enfastiados" da reeleição de Cavaco Silva, supostamente grandes defensores do mandato presidencial único. Simplesmente prefiro que a variação do activismo no exercício dos poderes presidenciais dependa do livre entendimento do Presidente - tal como sufragado pelos eleitores - mais do que do facto de ele ir no seu primeiro ou segundo mandato. O que tornaria o regime mais estável e previsível, sem dúvida, mas nem mais nem menos presidencial do que o que é hoje.