Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

O purgatório pode esperar

 

Domingo à noite, logo após terem sido conhecidos os resultados eleitorais, José Sócrates revelou-se um digno aprendiz de Maquiavel. Em poucas frases colou-se ao vencedor, com o pragmatismo de um jogador de casino ao reconhecer que os dados estão lançados. E deu um abraço de urso a Manuel Alegre, como se nunca tivesse amarrado o PS a uma estratégia tão errática e derrotista como a de há cinco anos.

Lesto em sacudir a água do capote, o primeiro-ministro proclamou: "Estas são eleições presidenciais e os portugueses sempre souberam distinguir entre opções políticas nas legislativas - em que os partidos estão directamente envolvidos - e eleições presidenciais, que são baseadas em candidaturas individuais". E logo a seguir, com aquela ligeireza que o caracteriza, acentuou: "Foi com orgulho que todos os socialistas estiveram ao seu lado [de Manuel Alegre]." Esta frase, além de contradizer a anterior, estava totalmente longe da verdade, pormenor irrelevante no habitual fio discursivo do primeiro-ministro, um hábil manipulador de pessoas e factos.

Marxismo puro, tendência Groucho: "Se estes princípios não servem, arranjam-se outros." Alegre, tal como Mário Soares antes dele, acaba de ser arrumado na galeria de troféus do pragmatismo socrático. Foi, naturalmente, um chefe do Governo com ar tranquilo que na noite eleitoral garantiu ao País que "os portugueses optaram pela estabilidade política" ao elegerem Cavaco Silva, a quem Sócrates se apressou a prometer "cooperação institucional". Subentende-se que Alegre traria instabilidade: é quase uma declaração a posteriori de voto contra o malogrado candidato socialista, duplamente derrotado no dia 23 - primeiro nas urnas, a 33 pontos do vencedor; depois na oratória daquele que é ainda o líder do seu partido, resta ver por quanto tempo.

Este Sócrates de verbo fácil e manha expedita fez-me lembrar o Marco António de Shakespeare dirigindo-se aos romanos logo após o assassínio de César às mãos de Bruto. "Friends, Romans, countrymen, lend me your ears; / I come to bury Caesar, not to praise him; / The evil that men do lives after them, / The good is oft interred with their bones."

A pressa é muita: ele veio para enterrar o candidato socialista, não para o louvar. E prestar desde logo tributo ao César de Boliqueime, renascido politicamente para novo mandato, cumprindo à risca o mandamento maquiavélico: há que "manter o ânimo dos súbditos aturdido e em suspenso", evitando que possam "urdir tranquilamente algo contra ele".

O purgatório pode esperar.

14 comentários

Comentar post