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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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O alegado regresso das nações

 

 

 

Este texto de Pedro Picoito, em Cachimbo de Magritte, repete um mito na moda. O autor parte da crise europeia para concluir que existe um ressurgimento dos nacionalismos na Europa. O futuro passaria por uma fragmentação da UE e o regresso a um passado de lutas políticas internas. "Seria muito improvável que a união política resistisse ao fim da união monetária", afirma-se. As nações estão de volta.

 

A União Europeia tem de facto uma retórica federalista que sempre me intrigou, mas o federalismo nunca existiu. Na realidade, como mostra Pedro Braz Teixeira num excelente post do mesmo blogue, o federalismo europeu é uma ilusão. A burocracia de Bruxelas pode acreditar que manda na Europa, mas gere um pequeno orçamento que continuará minúsculo. A UE é uma aliança de nações, e sempre foi apenas isso.

Confrontados com um declínio rápido, fruto da longa guerra civil europeia de 1914 a 1945, as potências do "velho continente" compreenderam que tinham dois caminhos possíveis: ou efectuavam uma aliança contrária à sua História ou seriam irrelevantes em escassas décadas. Escolheram a primeira opção.

O órgão que verdadeiramente comanda a UE é o Conselho Europeu, onde têm representação os Estados membros e onde a votação é conforme à população de cada Estado. Há três potências - França, Reino Unido e Alemanha - e três sub-potências - Espanha, Itália e Polónia. Juntos, estes seis países representam dois terços da população total. Qualquer decisão tomada pelos três grandes tem 99,9% de probabilidades de ser aprovada em consenso. Se forem os seis, a decisão é certa.

A UE deve ser interpretada como um mecanismo de negociação permanente, no âmbito de uma aliança entre Estados que se juntam porque é do seu interesse nacional. As nações europeias nunca estiveram ausentes, por isso não "regressam".

 

Não sei se o euro vai sobreviver a esta crise, mas algum tipo de união monetária sobreviverá. Haverá uma zona marco, uma zona euro a várias velocidades, o que eles inventarem. A aliança política entre as seis maiores potências europeias não vai desaparecer, mesmo que a união monetária entre em colapso (que, a acontecer, será sempre temporário).

Julgo até que a actual crise já teve um efeito político claro: o poder relativo das potências europeias aumentou. Os pequenos e periféricos perderam influência e perceberam as suas limitações. Quem não cumpre o rigor e a exigência das regras acordadas nesta aliança passa um mau bocado. E no exterior faz frio.

No futuro, deverá acentuar-se a tendência de regionalização das periferias. Tudo é mais difícil para quem estiver longe do centro. 

 

Pedro Picoito conta uma história diferente. Para ele, a UE viveu "meio século em que o federalismo se aprofundou à custa do esvaziamento das soberanias nacionais". Mas a descrição colide com a realidade: a chanceler alemã Angela Merkel, por exemplo, tem uma influência mundial que os seus antecessores nunca tiveram; compare-se a soberania da Polónia em 1988 e hoje; Portugal, se não estivesse nas circunstâncias em que está, por erros seus e má fortuna, poderia dizer mais ou menos o mesmo.  

O autor fala depois no "regresso em força dos nacionalismos no leste", que presumo seja uma coisa má. E menciona o "crescimento inquietante dos partidos soberanistas". O leste da Europa libertou-se do jugo comunista e, na política local, os reformistas sempre foram nacionalistas. Houve duas décadas de pós-comunismo, uma transição social lenta, e agora estes reformistas afastam de vez os ex-comunistas reconvertidos em democratas (algo que nunca foram). Isto é descrito como "regresso do nacionalismo", não como regresso da democracia.  

Nestas narrativas, não digo que seja o caso de Pedro Picoito, costuma haver soberanistas bons (os portugueses ou os ingleses) e nacionalistas maus (os alemães, os polacos, os húngaros). O patriotismo fica mal em certas paragens do "velho continente".

Em relação aos "partidos soberanistas" em crescimento, há um erro de análise. Se existe alguma tendência, julgo que é para o crescimento dos partidos populistas, mas o fenómeno é mundial e tem muito a ver com a evolução dos media. E nenhum destes partidos de protesto está perto do poder, com a excepção holandesa. Para sublinhar o meu ponto, basta fazer-se a comparação de alguns destes partidos com o movimento Tea Party, nos EUA. 

 

Para onde vai a UE? Esta é a pergunta de resposta difícil. A Europa é hoje uma complexa aliança, ou melhor, uma rede de alianças a várias velocidades. É provável que se acentue a tendência para os Estados escolherem a combinação que mais satisfaz os seus interesses nacionais: por exemplo, pertencer a Schengen, ao Grupo de Visegrad e ao mercado único, mas estar fora do euro, com a moeda ligada à zona monetária, como acontece com vários países de leste; estar só no mercado único ou estar em todas as políticas comuns. Há muitas combinações possíveis e no futuro haverá ainda mais, com o avanço para a área de defesa, onde nem todos terão capacidade para participar.

Mas achar que os principais países europeus vão desistir de fazer uma estreita aliança entre si parece-me uma fantasia. Seria condenarem-se à irrelevância.  

 

Nota: Reparo que tenho feito alguns posts recentes a criticar textos lidos em Cachimbo de Magritte. Não há nenhuma razão especial, preferência ou animosidade. Trata-se de um bom blog e mera coincidência.

 

  

 

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