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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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O poder americano, segundo Joseph Nye

Foto: David Furst/AFP 

 

Quando Joseph S. Nye escreve sobre “poder” convém prestar alguma atenção, ou não fosse este homem um dos principais responsáveis pelo conceito da “interdependência” complexa nas relações internacionais.

Num artigo sobre o futuro do poder americano, assinado na última edição da Foreign Affairs, o co-autor (o outro foi Robert Keohane) do famoso livro Power and Interdependence (1977) desconstrói, de certa maneira, a ideia instalada de que o poder da América entrou em declínio no século XXI.

 

Nye começa por sublinhar que qualquer análise de previsão para as próximas décadas contempla um grau elevado de incerteza, sobretudo quando assenta em interpretações enviesadas dos indicadores e factores de poder dos Estados Unidos.  

Aquele autor relembra, por exemplo, as estimativas sobrevalorizadas feitas por Washington em relação ao poder militar soviético, nos anos 70, ou ao poder económico japonês, na década de 80. Tal como se enganaram aqueles que ainda há dez anos diziam que o sistema internacional iria assentar num paradigma unipolar liderado pelos Estados Unidos, e estes seriam tão poderosos que aos outros países não restaria outra hipótese senão acatarem a vontade de Washington sem qualquer tipo de contestação.

 

Ora, estas previsões ou análises revelaram-se, de uma forma ou de outra, erradas. Da mesma maneira que Nye considera sobrevalorizados os prognósticos mais pessimistas em relação à evolução negativa do poder americano no sistema internacional durante este século XXI. Sobretudo quando essas previsões apontam para a ascensão da China como líder mundial, ultrapassando os Estados Unidos em termos de poder.

Nye rejeita esta ideia. Embora admita que a China continue a registar taxas de crescimento económicas muito elevadas durante as próximas décadas e que se aproxime dos Estados Unidos, dificilmente o Império do Meio se tornará a maior potencia mundial durante este século.

 

Aquele autor alerta para um erro comum entre os analistas que é o de fazerem previsões baseadas exclusivamente no crescimento do PIB, ignorando por completo outros factores de poder (“hard” e “soft”), muitos dos quais resultado de décadas de investimento.

Nye tem toda a razão neste ponto, já que uma análise do crescimento do PIB oferece apenas uma perspectiva unidimensional, não reflectindo, assim, a verdadeira dimensão do poder de um Estado. E nesta matéria Nye diz que muitos dos analistas têm ignorando o avanço que os Estados Unidos levam em relação a qualquer outra nação em termos de “hard power” (militar, espaço geográfico, recursos, etc) e “soft power” (democracia, “Public Diplomacy”, “R&D”, poder de atracção, etc),

 

É um facto que países como a China, a Índia ou a Alemanha têm potenciado o crescimento daqueles dois níveis de poder, “obrigando” os Estados Unidos a enfrentar as exigências da interdependência entre os Estados.

Sob esta perspectiva pode-se falar de um “declínio relativo” de poder dos Estados Unidos face a outros países, não tanto pela fragilização do poder americano, mas sobretudo pela valorização dos vários recursos que algumas nações têm potenciado. Mas o processo de equilíbrio de poder entre essas nações e os Estados Unidos poderá demorar décadas ou nem sequer vir a existir.

O sistema internacional é hoje, e deverá ser durante muitas décadas, unimultipolar, já que dificilmente surgirá outro pólo de poder tão afirmativo como os Estados Unidos.

 

Para se compreender o abismo de poder entre a América dos dias de hoje com os restantes países basta ver três exemplos:

 

a)     No campo militar nenhum Estado consegue chegar perto do complexo e das estruturas militares americanas, muito menos a China, que tem, por exemplo, um Exército mal preparado e equipado e uma marinha praticamente inexistente (embora tenha começado recentemente a investir forte nesta área);

 

b)    No sector da investigação e desenvolvimento, em 2007 os Estados Unidos investiram 369 mil milhões de dólares, mais do que todo o investimento feito pelos países asiáticos (338 mil milhões). A União Europeia investiu nesse ano 263 mil milhões. Ou seja, os Estados Unidos foram líderes nesse investimento, com 2,7 por cento do seu PIB, quase o dobro do que a China investiu. O resultado traduziu-se no registo de mais de 80 mil patentes nos Estados Unidos, mais do que o somatório de todos os países do mundo;

 

c)     A capacidade de atrair mão de obra qualificada e técnicos altamente especializados é cada vez mais um factor de poder a ter em consideração e neste campo os Estados Unidos (após um breve período de medidas securitárias hiper-restritivas na sequência do 11 de Setembro) estão a reforçar a sua liderança. Nye sublinha a capacidade que os Estados Unidos têm de atrair as melhores e mais brilhantes mentes de todo o mundo e misturá-las num ambiente cultural diverso de criatividade. Por exemplo, em 2005, os imigrantes ajudaram a fundar uma em quatro “start-up's” de base tecnológica em Silicon Valley

 

É por estas e outras razões que Nye rejeite a ideia de “declínio absoluto” dos Estados Unidos, deixando, no entanto, a ideia de que se está perante um “declínio relativo” tendo em conta a potenciação e o melhor uso dos recursos de poder por parte de outras nações.

E talvez para se compreender melhor esta dinâmica será interessante recorrer-se à imagem elaborada pelo próprio Nye. Para este, a distribuição do poder assemelha-se um complexo jogo tridimensional de xadrez, onde num primeiro nível se encontra o poder militar, dominado pelos Estados Unidos num sistema claramente unipolar. Num segundo patamar vem o poder económico, sendo que o sistema tende a ser mais multipolar, com os Estados Unidos a partilharem a liderança com a Europa, o Japão, a China e outros países emergentes. Por fim, estão as relações transnacionais que incluem todo o tipo de actores não estatais, e aqui o poder é bastante difuso sendo difícil encontrar um modelo estanque que enquadre esta realidade.

 

Perante esta problemática, Nye defende uma “nova narrativa” sobre o futuro do poder americano.

Dizer que o século XXI é uma espécie de transição para o declínio do poder dos Estados Unidos é uma visão errada e, na opinião de Nye, pode ter implicações perigosas para o próprio sistema internacional, tais como, por exemplo, encorajando a China ou outros actores em “aventuras” irresponsáveis, partindo do pressuposto da subvalorização das verdadeiras capacidades americanas.

Nye alerta que o verdadeiro problema do poder americano no século XXI não é o seu declínio, mas sim o que fazer com este à luz da emergência de outros pólos de poder de modo a que os Estados Unidos alcancem os seus objectivos nas relações internacionais.   

E é aqui que Nye, tal como a secretária de Estado, Hillary Clinton, fala numa nova forma de poder, o “smart power”. Um poder que combina recursos do “hard” e do “soft power”, o que necessariamente pressupõe um novo entendimento sobre o conceito de poder.