Presidenciais (6)
Debate Fernando Nobre-Manuel Alegre
Manuel Alegre tem uma notória dificuldade nesta campanha presidencial: os valores da "cidadania" que lhe serviram de bandeira na corrida a Belém de 2006 estão a ser hoje levantados pelo candidato que notoriamente mais o irrita. Fernando Nobre, que Alegre defrontou esta noite pela primeira vez, num frente-a-frente na TVI, faz lembrar muito o Alegre de há cinco anos: procura captar votos em vários terrenos ideológicos, proclama aos quatro ventos a "independência" como valor político supremo e assume um discurso antipoder que entra como faca em manteiga num país que vive a maior crise económica dos últimos 30 anos.
Alegre é político profissional desde 1974. Mas hoje Nobre - o amador - ultrapassou-o em profissionalismo na forma como arquitectou o debate, sem dúvida o mais interessante de todos quantos ocorreram nesta campanha. Foi contundente sem se tornar impertinente, roubou a Alegre o habitual discurso em defesa dos mais desfavorecidos e teve ainda a subtileza de citar perante o poeta que se orgulha de ter cátedra em Parma dois outros grande vultos da nossa poesia, Sophia e Torga.
"Tenho dificuldade em entender Manuel Alegre. Em 2006, dizia que Francisco Louçã é um Cavaco do avesso. Em 2007, dizia que o Governo do PS estava a destruir o estado social." Frases de Nobre, que obrigaram Alegre a abandonar a atitude de bonomia com que se apresentou em estúdio: "Não gosto de pessoas que se apresentam com uma pretensa superioridade moral." Ambos invocaram - significativamente - o nome de Mário Soares. Nobre caiu no erro de recordar novamente que testemunhou a tragédia de Beirute em 1982: as repetições soam mal nestes debates. Melhor andou Alegre ao deixar um rasgado elogio à "excelente prestação" de Francisco Lopes, que na véspera vencera Cavaco Silva num debate igualmente moderado por Constança Cunha e Sá na TVI. O candidato apoiado pelo PS e pelo Bloco de Esquerda não ignora que podem fazer-lhe falta os votos comunistas.
O poeta orgulha-se de conciliar hoje apoiantes do Governo e da oposição: "É bom conseguir unir dois partidos que parecem inconciliáveis." E advertiu o seu antagonista: "Ninguém é proprietário da cidadania." Mas foi ambíguo em questões como o apoio à recente greve geral e em momento algum do debate pareceu o Alegre dos melhores tempos - aquele que enfrentou com eficácia Mário Soares no decisivo frente-a-frente da campanha eleitoral anterior, por exemplo. Nobre mostrou-se superior ao dirigir-se a segmentos muito significativos do eleitorado que vão sofrer os efeitos do Orçamento do Estado. "Não há maior falência da nossa democracia do que a fome instalada entre nós, do que a pobreza, do que haver 300 mil idosos com reformas inferiores a 300 euros", sublinhou.
Há cinco anos, seria Alegre a dizer isto. Nobre é o Alegre de 2011.
Vencedor: Fernando Nobre
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Frases do debate:
Alegre - Ninguém tem o monopólio da cidadania.
Nobre - Não sou pessoa para me deixar condicionar ou empurrar seja por quem for.
Alegre - Não misturemos uma candidatura presidencial com percursos de vida.
Nobre - Há cinco anos [Alegre] candidatou-se contra o candidato do seu partido. São estas incoerências que tenho dificuldade em entender.
Alegre - Conhece mal essa história. É estranho. [Nobre] parece que é mais do PS do que os próprios dirigentes do PS.
Nobre - Sou apenas dono do meu voto. Sou casado há mais de duas décadas e nem sei em quem vota a minha mulher. O voto é livre e secreto.
Alegre - Fernando Nobre entrou no sistema. É candidato, é político. Penso que não está aqui para derrubar o sistema. (...) É muito perigoso fazer o discurso antipartidos.
Nobre - Perigoso para a democracia é termos chegado à situação social a que chegámos.
Alegre- [Nobre] não tem o exclusivo da preocupação.
Nobre - Manuel Alegre sabe quanto custa um litro de leite? Sabe quanto custa um pão? Sabe quanto custa um ticket da Carris em Lisboa?
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A 'gaffe':
"Vasco Gonçalves contribuiu para a construção da nossa democracia."
Fernando Nobre