Fácil de entender.
O facto de existir uma coisa chamada responsabilidade política, que permite responsabilizar um político por tudo e mais um par de botas (em geral correndo com ele) não implica que um político não possa ser sujeito a outros tipos de responsabilização. Isto devia ser muito fácil de entender - e é - mas há quem goste de complicar. Vamos então dar uns exemplos a ver se os complicadexes entendem.
Situação 1. O Governo apresenta um orçamento que prevê um défice elevadíssimo, bem como medidas que se revelarão com o tempo ruinosas para o País. O orçamento é aprovado e o Governo executa esse orçamento tal como previsto. Mais tarde, quando os efeitos dessa política se fazem sentir, a maioria dos portugueses concorda que "este Governo arruinou o País". Há responsabilidade civil ou criminal em jogo? Evidentemente não: o Governo agiu dentro da legalidade, o que não o exime de se sujeitar à responsabilidade política que lhe cabe por ter arruinado o País.
Situação 2. O orçamento é aprovado e o Governo executa-o, mas verifica-se que a receita foi inferior à prevista e as despesas com transferências sociais aumentaram, na medida em que o desemprego ficou a um nível superior ao previsto. Há responsabilidade civil ou criminal em jogo? Também aqui isso não está em causa: fazer previsões erradas não é crime; o Governo agiu dentro da legalidade tanto na cobrança de impostos como na despesa suplementar. Mas mais uma vez isso não o exime de se sujeitar à responsabilidade política que lhe cabe por ter feito derrapar as contas públicas.
Situação 3. O orçamento é aprovado e o Governo executa-o, mas verifica-se que há categorias de despesa que estão acima do previsto sem que isso decorra de obrigações legais como por exemplo o pagamento de prestações sociais. Verifica-se que há serviços públicos que têm orçamentos de 100 mas compram 200, criando uma dívida oculta que alguém vai ter que pagar. Como é evidente isto não é matéria de simples responsabilidade política e não vai lá com uma simples exoneração. Há aqui abusos, ilegalidades que devem ser punidas de outra forma. E, surpresa - a lei já o prevê - embora com os resultados práticos que se sabe.
Como é evidente, na posição que Passos Coelho assumiu nesta matéria não está em causa substituir a responsabilização política pela responsabilização judicial. O que está em causa é impedir que os mecanismos democráticos possam continuar a servir para branquear o cometimento de actos ilícitos. Não sei o que é mais fácil: entender isto, ou entender porque é que tantos não querem que se entenda...