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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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A teoria da farsa ou a farsa da teoria

À hora a que escrevo deverá estar a ser assinado um acordo entre Governo e PSD que permite a viabilização do Orçamento de Estado.

Mas abrimos a televisão, lemos os comentários em jornais e blogues, encontramos sobretudo posições críticas, cujo resumo podia ser este: as pessoas estão fartas do tema, vivemos semanas de farsa política que os mercados penalizaram, toda a gente sabia que eles iam assinar, estiveram imenso tempo a discutir tostões, não há liderança, lá fora acham que somos loucos.

 

Na realidade, nunca um Orçamento de Estado foi tão discutido neste País. Pela primeira vez, os portugueses tiveram um vislumbre daquilo que os espera. Se as "pessoas estão fartas disto" é porque são tontinhas e gostam de pagar impostos.

Os comentadores acreditam na própria propaganda e presumem que eles iam assinar: mas pressionaram o PSD ou acharam bem as pressões. Diziam que era forçoso viabilizar o orçamento, apesar do único argumento ser o "dos mercados", essa entidade mítica cuja vigilância e sabedoria todos parecem compreender. Nunca ouvi tanto elogio à inteligência dos mercados e sobretudo nunca ouvi tal defesa da necessidade de cumprirmos o desejo dos mercados, algo que obviamente os opinadores conhecem ao pormenor.

 

É preciso não esquecer que o Governo não tem maioria e que, devido ao chumbo anunciado do BE, PCP e CDS, havia apenas três opções para o PSD, cujo voto seria decisivo. A primeira era viabilizar sem ler. Quase todos os observadores defenderam esta hipótese como sendo a mais sensata. Era uma solução sem verdade política, que impedia a discussão e que passava um cheque em branco, mas os defensores da opção garantiam que os mercados queriam isto. A segunda hipótese era o chumbo, solução de ruptura que obrigava a eleições e que antecipava em alguns meses a chegada da ajuda externa (Fundo de estabilização/ FMI). O PSD assumiria a responsabilidade e seria provavelmente penalizado nas urnas. A terceira hipótese, que exigia a possibilidade da segunda, era tentar negociar. Ora, uma negociação difícil pode levar meses, é arriscada, sobretudo se um dos lados não estiver de boa-fé. Se o PS não tem maioria, precisa dos votos do PSD, parece lógico negociar.

Mas os críticos nunca falam em negociação, falam em farsa. E mostram como a subida dos juros da dívida ocorreu nos momentos mais difíceis das discussões. Acho que os mercados são racionais (é o dinheirinho deles) e que, do seu ponto de vista, é melhor um orçamento menos mau do que um orçamento mau. É melhor um orçamento negociado do que um cheque em branco passado pela oposição, pois a primeira solução é mais estável.

 

Foram discutidos apenas tostões? Parece que sim, mas isso é próprio de um processo negocial. Lá fora acham que estamos loucos? Talvez achem, mas o orçamento da senhora Merkel passa com facilidade porque existe maioria no parlamento. O orçamento de Cameron passa porque existe maioria. Sem maioria, Sócrates é forçado a negociar, embora os analistas políticos tenham dito por outras palavras que isso era dispensável e contra os interesses do País. 

Pelo contrário. Forçar uma negociação, embarcar numa solução arriscada é mostrar liderança. Dizer a verdade inconveniente é mostrar liderança. Se a opinião pública discute hoje as consequências do orçamento na vida de cada um, isso deve-se à coragem que o PSD demonstrou nesta crise, contra todas as pressões. Isto não foi uma farsa, foi o início de uma mudança. Mas abrimos a televisão, lemos os jornais e os blogues, e esta será uma interpretação muito ausente.

 

  

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