Os colonos e os colonatos
Soldados das IDF patrulham as ruas de Hebron nas imediações do colonato judeu
Ariel, Ravava, Yakir e Kochav a Hashachar são alguns dos colonatos na Cisjordânia que ontem, em ambiente festivo, recomeçaram a construção de várias casas, após o fim da moratória que durante 10 meses tinha congelado os trabalhos.
Contra todas as pressões internacionais, incluindo do aliado Estados Unidos, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, não prolongou a moratória, indo, assim, de encontro às pretensões do sector mais ortodoxo da sociedade hebraica, o principal defensor da expansão dos colonatos.
Embora sob o Governo de Netanyahu se tenha registado o mais baixo número de novas construções desde os tempos do falecido Itzak Rabin, o reinício dos trabalhos deverão comprometer os mais recentes esforços negociais entre israelitas e palestinianos. Das 2000 mil novas casas previstas nos vários colonatos da Cisjordânia, 600 deverão estar concluídas já nos próximos meses.
Netanyahu apelou ao líder palestiniano Mahmoud Abbas para continuar empenhado no processo negocial, mas dificilmente existem neste momento condições para que ambos se voltem a sentar à mesa das conversações num futuro próximo.
Washington já manifestou o seu descontentamento e a ONU e a União Europeia classificaram de actos “provocadores” a posição do Governo hebraico.
Efectivamente, é desta forma que os palestinianos estão a interpretar a suspensão da moratória. De Damasco, o líder do Hamas, Khaleed Mashaal, já avisou que o seu movimento vai continuar a “matar colonos ilegais”.
A questão dos colonatos é um tema central no conflito israelo-palestiniano. Para os judeus ortodoxos, os colonatos são a materialização de um direito histórico. Para os palestinianos, trata-se de uma violação clara das fronteiras de 1967.
Os colonatos são autênticas cidades, completamente autónomas, dotadas de infraestruturas internas, tais como escolas, lojas, hospitais, serviços de abastecimento de água, entre outros. Cada colonato está ligado a Israel por uma estrada ou autoestrada para uso exclusivo dos colonos.
Cada colonato é uma fortificação, de acesso restrito, ao que é aconselhável a qualquer palestiniano manter-se bem afastado das imediações do complexo. A entrada de jornalistas e de estrangeiros só é possível com uma autorização prévia, sem qualquer garantia de sucesso.
A maioria dos colonos são radicais no seu pensamento, embora não sejam necessariamente violentos. São uma espécie de linha avançada da causa sionista na Terra Santa.
Dentro da própria sociedade israelita são vistos como uma corrente radical, que canaliza muitos recursos financeiros ao Estado hebraico e que é responsável pelo fracasso crónico das negociações com os palestinianos.
Em tempos, o autor destas linhas conversava em Telavive com um judeu ortodoxo da ala mais radical que tinha passado uma temporada num colonato, e apesar do seu discurso sustentando por uma aparente racionalidade histórica, rapidamente se percebeu que por detrás dos argumentos apresentados se esconde uma fé cega inabalável de “direito histórico” ao território da Cisjordânia, numa perspectiva de Grande Israel.
Existem actualmente 149 colonatos, sendo que alguns dos mais significativos estão situados nos territórios contíguos a Jerusalém Oriental, para lá da “Green Line”. Mas também cidades palestinianas como Nablus, Jericó, Belém ou Ramallah convivem com colonatos nas imediações geográficas.
Algo que não incomoda particularmente os colonos, já que estes consideram estar ao serviço da causa judaica, ao ocuparem território aos palestinianos, inimigos por definição histórica e bíblica.
É com esta convicção que milhares de colonos vivem tranquilamente o seu quotidiano, apesar de rodeados de arame farpado, escoltados pelas Forças de Segurança Israelitas (IDF), e sempre sob o perigo iminente proveniente, sobretudo, dos movimentos terroristas do Hamas e das milícias da Fatah.
Uma estranha e obsessiva forma de estar na vida dirá o leitor deste texto, mas a insanidade mental reinante no Médio Oriente altera por completo a perspectiva do problema.
E se esta realidade perturbante perpassa quase todos os colonatos da Cisjordânia, é na cidade de Hebron que a loucura atinge toda a sua plenitude, onde colonos e palestinianos coabitam num ambiente doentio e, muitas das vezes, violento. Como escrevia há uns anos Yossi Sarid no Haaretz, o colonato de Hebron “nasceu em pecado, e vive no pecado”.
Não será exagero afirmar que os colonos de Hebron são os mais radicais dos radicais. É um grupo exclusivo e relativamente pequeno de colonos (5 ou 6 centenas), que se consideram herdeiros dos judeus que viveram naquela cidade nos tempos bíblicos.
O colonato está literalmente incrustado no centro de Hebron. A proximidade com a vizinhança palestiniana é tal que dos telhados de alguns prédios próximos é possível olhar-se para dentro das casas dos colonos.
Perante esta proximidade explosiva, o colonato é uma autêntica fortificação, munida de uma forte guarnição de soldados das IDF. Os arredores do complexo são verdadeiras zonas de guerra, com divisórias em betão, carros de patrulha e “recolheres obrigatórios” constantes.
O orgulho judaico exacerbado e o espírito de missão regem as vidas destes colonos, que jamais trocariam a sua casa exígua em ambiente hostil no colonato em Hebron por uma vivenda de 10 assoalhadas à beira mar plantada na bela cidade mediterrânica de Haifa.
Curiosamente, numa outra conversa que o autor destas linhas teve com alguns colonos dos Montes Golã, foi possível encontrar algum equilíbrio no discurso e na abordagem a esta problemática. Contrastando com a realidade da Cisjordânia, nos Montes Golã a situação dos colonos, cerca de 20 mil, é bastante diferente.
A origem do movimento "colonizador" nos Montes Golã tem raízes estratégicas e políticas e deve-se à ocupação daquele território por parte de Israel à Síria em 1967. Na verdade, muitos dos judeus que ali residem, num ambiente bastante tranquilo, diga-se, não se consideram sequer colonos e alguns deles identificam-se com a ala esquerda israelita em termos políticos.
Quando há uns três anos se falou numa eventual devolução daquele território à Síria, muitos dos judeus residentes viram com normalidade esta possibilidade. Aliás, um deles chegou a dizer a quem escreve este texto que aceitaria de bom grado uma proposta financeira do Governo israelita para deixar os Montes Golã e regressar a Israel.
Obviamente que outros há que ao longo de mais de 40 anos criaram raízes e fizeram investimentos naquela região, sobretudo ao nível da agricultura, mas apesar disso, no que diz respeito aos colonos dos Montes Golã, é possível que Telavive e Damasco se entendam um dia.