Crónicas do Demo III:
Quando os encarnados marcaram o primeiro golo levantei-me do sofá e tomei uma decisão: vamos comer uma bifana à Conga.
A Conga é um pedaço de mau caminho. Um balcão corrido frio e nada acolhedor com vistas deslumbrantes para uma zona de churrasco e uma grande panela cinza a fugir para o preto onde borbulha um molho vermelho alaranjado no topo e acastanhado na alternativa piscina onde nadam os pedaços de carne de porco. Dentro do balcão circulam vários artífices munidos de pratos repletos de iguarias várias: pregos, codornizes – não sei o motivo mas nunca consegui comer uma codorniz – bifanas em pão ou em prato. O barulho produzido pelos clientes rivaliza com as vozes autoritárias vindas da sala de produção: “São cinco em pão, duas codornizes com molho e três doses de batata”. A partilha é de tal forma que não raras vezes o pedido é repetido para o chefe da panela pelos clientes ao balcão.
A Conga é um verdadeiro albergue espanhol onde cabem todos, sejam doutores ou lixeiros, jornalistas ou chulos. Uma vez entramos na Conga antes de uma ida ao Teatro S. João. Eu de fato e gravata e a minha parceira de vestido comprido. Um momento raro – para nós, não para a malta da Conga - detesto enfiar um fato e pior é ter de colocar uma gravata pois penso sempre “é desta que vou morrer asfixiado” ou que me vão confundir com o tipo do banco ou com algum deputado da Assembleia Municipal. Depois de três finos e quatro bifanas em “molete” sorvidas à mão eles perceberam que estranha era só a indumentária. A gula não escolhe hora.
Desta feita, a vestimenta era típica de verão e a peregrinação à Conga servia de desculpa para fugir à dieta imposta pelos excessos dos últimos meses – a continuar assim deixo de andar e passo a rebolar. Primeira contrariedade: estacionar perto. Uma surpresa e tanto: a baixa invadida de automóveis. Um Sábado? E início da noite? Que raio se passa? Avançamos pela cidade. Nos Aliados um palco servia de festa a uma conhecida rádio local. Um mar de gente. Na rua de Ceuta outro palco e mais um mar de gente. Nas imediações do Piolho o povo acotovelava-se por um espaço. Na Cordoaria outro palco e mais gente. Nos Clérigos já estava montada a tenda do costume: gente e gente e mais gente. Depois de várias voltas e inúmeras transgressões de trânsito (não digam nada, não digam nada) consegui enfiar a custo o carro num parque na rua de Ceuta. Pouco passava das 22h30!
No palco de Ceuta tocavam quatro bacanos com um ar marialva e castiço. Não percebi bem o nome, qualquer coisa tipo “Country Doce”. Seria? Bem, a música Country era o mote para o ajuntamento de povo em volta. A cerveja, as caipirinhas (cada vez mais uma bebida universal, mais uma exportação brasileira do melhor!) e a sangria rodavam a bom ritmo, ao ritmo do country lusitano. Os tipos mandavam pinta e eram verdadeiros animais de palco. O povo alinhava na festa e que festa. Uma velhota fresca que nem uma alface dançava e tanto dançou que deu um enorme trambolhão mesmo em frente ao palco – o riso percorreu Ceuta – mas sem consequências de maior e pouco depois voltou à labuta de dançarina de circunstância. Eram novos e velhos, crianças com os pais e estrangeiros de várias paragens a divertir-se como miúdos no recreio da escola. Um grupo de adolescentes apoiados por duas “bifas rasta” transformou aquele pedaço de rua num improvisado concerto estilo festival de verão com direito a delírio, encore e saída em ombros. A minha alma continuava parva.
Terminado o concerto fomos até à rua Cândido dos Reis para beber uma caipirinha que também somos filhos de Deus. Mal entramos deparamos com uma surpreendente escuridão e um barulho estilo sala de cinema da lusomundo. Povo, nem vê-lo. Um pouco mais à frente e com os olhos já habituados ao escuro pareceu-nos ver as costas de um enorme écran e uma multidão sentada. Era uma sessão de cinema ao ar livre. Já munidos de duas caipirinhas (um pouco ranhosas por sinal) ficamos por ali entretidos com um olho na tela e outro no mar de povo concentrado por aquelas bandas. Olhamos um para o outro espantados com tal vitalidade da nossa cidade.
Pouco passava da uma quando resolvemos regressar a casa. A meio do caminho olhamos para um cartaz que dizia “Verão é no Porto” da autoria da Porto Lazer E.M. Está explicado. Quem diria, o nosso Porto está lentamente a renascer das cinzas.
a 144 quilómetros de Vale Penela, Agosto de 2010