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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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A caminho da República (3)

90 (7 de Julho de 1910)
A 7 de Julho de 1910 não houve noticiário invulgar, embora ninguém pudesse divinhar que faltavam apenas 90 dias para a queda da monarquia.
Convém explicar o contexto: os partidos tinham decidido avançar para eleições em Agosto e havia movimentações políticas que os jornais da época referiam em notícias curtas. Os republicanos estavam especialmente activos, embora as eleições viessem a ditar a sua derrota (mas lá iremos).
O país atravessava dificuldades económicas, o que se pode verificar nas notícias sobre uma crise social latente, com muitos crimes e protestos laborais. Na leitura dos jornais sente-se que numerosos portugueses apenas sobreviviam e parecia até haver escassez de comida.
O conselho de ministros reunira nessa noite na própria casa do presidente do conselho (primeiro-ministro) conselheiro Teixeira de Sousa. E nessa quinta-feira foi esclarecido o “desaparecimento” de um documento do Ministério da Justiça. Afinal, ao contrário do que tinham escrito “outras folhas” [certamente, jornais de escândalos], o referido documento não era uma factura de despesas da rainha D. Maria Pia de 16 a 18 contos de réis por compra de chapéus numa casa de modas em Paris. A rainha comprara jóias e a despesa era de 5 contos.
Mesmo assim, bastante dinheiro, dada a conjuntura. Seria hoje o equivalente a meio milhão de euros.


89 (8 de Julho de 1910)
Prosseguiam as movimentações políticas para as eleições que se avizinhavam, mas a história do dia veio numa página interior do DN, onde se narrava um crime que causara grande sensação em Palmela.
Um homem matou a ex-amante por esta não lhe entregar a filha de ambos. Era taberneiro, tinha 32 anos e chamava-se Joaquim Batalha, casado com Elvira Cabiça, de quem não tinha filhos. Algum tempo antes do drama, Batalha envolvera-se com uma mulher, Cecília Augusta, de quem teve uma filha. Esta criança passava tempo com a família do pai, mas a partilha acabou, na sequência uma doença da menina. A notícia refere-se a “umas intrigas” que tinham destruído a “harmonia”, mas sem explicar o que se passara.
O conflito acaba em tragédia porque Batalha exige que lhe entreguem a filha e durante a discussão agrediu à navalha a sobrinha de Cecília, Maria Guilhermina, que tinha apenas 21 anos. Gravemente ferida, a vítima pediu ajuda e foi auxiliada por uma vizinha, Gertrudes Magno, que foi também gravemente ferida. O assassino entregou-se e foi preso, bem como a sua mulher, por razões não adiantadas. Maria Guilhermina morreu no próprio local do crime e Gertrudes Magno foi levada para o hospital de Setúbal, onde a operaram. O jornal limitava-se a dizer que não havia "esperança de se salvar”.

 

88 (9 de Julho de 1910)
O crime de Palmela, que o DN já noticiara na véspera, é a grande história deste dia. Ocupa duas colunas, de alto a baixo, da primeira página da edição de dia 10, com inúmeros detalhes da morte da pobre Maria Guilhermina, sobrinha da amante do criminoso, Joaquim Augusto Batalha, que tinha por alcunha o “Pateta”. Joaquim era um homem baixo e forte, bastante calvo. Afinal, tem 35 anos. Matou uma jovem de 21 e feriu outra mulher por causa de uma discussão sobre a sua filha natural, que tinha cinco meses e nada sofreu. Aparentemente, o crime foi planeado e a vítima ferida, uma vizinha, continuava no hospital em estado crítico, sem que houvesse esperanças de sobrevivência.
Os pormenores do caso são bem o retrato de uma época conturbada. Joaquim (que já surge na reportagem como “o Batalha”) matou e seguiu para casa, em Palmela, dizendo com toda a tranquilidade à sua mulher (presa e depois libertada) que se ia entregar às autoridades. Era tal a sua calma, que a mulher nem acreditou que estivesse a dizer a verdade.
A caminho de Setúbal, Joaquim Batalha passou por uma taberna e pediu uns copos de aguardente, que pagou com um tostão. “Quando ia a receber o troco, caíram-lhe dez réis que não apanhou e dizendo para quem o servira:
- 'Deixai-o, não os agarro... Já para nada me servem'. E, dizendo isto, saiu”.


87 (10 de Julho de 1910)
Era um domingo e “as melhores famílias da nossa sociedade” assistiram a uma animada competição de automóveis e motocicletas. A rampa da Pimenteira foi a primeira competição do género a realizar-se em Portugal, organizada pelo Real Automóvel Clube, e o príncipe real D. Afonso (tio do rei D. Manuel II) passou revista aos competidores e presidiu ao júri. Parece que estavam na zona mais de 30 mil pessoas, com as autoridades numa tribuna. No que respeita aos automóveis, a taça do Sports Ilustrados foi para o senhor Estevam Fernandes, em Brazier, de 35 cavalos, que fez o percurso de 1500 metros em dois minutos e dois segundos.
Dava a alucinante velocidade de 44 quilómetros por hora.
O epílogo da história do crime de Palmela, que tanto interessara os leitores nos dois dias anteriores, vem numa página interior do DN do mesmo dia. A mulher gravemente ferida por Joaquim Batalha durante uma discussão em que o criminoso matara logo uma rapariga de 21 anos, acabou por falecer no hospital. Gertrudes Guilhermina, cuja idade não era referida,  fora ferida brutalmente com uma facada no baixo ventre.
O boletim meteorológico para Portugal dava bom tempo. Vento fraco, temperaturas amenas. 


86 (11 de Julho de 1910)
O DN publicava nesta altura muitas notícias sobre acidentes de avião, a que chamava “Martirológio da Aviação”. Uma dessas notícias dava conta do desastre que vitimara a baronesa Delaroche, a intrépida aviadora que dias antes tivera uma infelicidade, após “uma manobra errada”. A aristocrata francesa partira uma perna e um braço, efeito da queda de 50 metros de altura, também ganhara algumas escoriações. Na realidade, Delaroche teve muita sorte. A maior parte destas notícias dão conta da morte do aviador. Os frágeis aeroplanos eram muito perigosos e percebe-se o fascínio que produzia nos leitores esta incrível maravilha da técnica.
Nas notícias desta época também se nota uma impressionante taxa de crimes de morte. No dia 11 de Julho de 1910, o DN dá conta de uma meia dúzia. Por exemplo, em Figueiró dos Vinhos, perto de Pombal, um homem chamado António Duarte foi morto à paulada por um seu vizinho, António Santos. Este negou o crime, cuja motivação não é explicada na notícia. Mas por certo o alcoolismo teria um papel preponderante em muitos destes crimes violentos envolvendo pessoas que se conheciam bem. No caso de Figueiró, vítima e homicida viajavam juntos, provenientes da feira de Avelar.

 

Estas histórias estão a ser publicadas todos os dias nas páginas do Diário de Notícias. Baseiam-se na leitura do jornal do dia em que os factos ocorreram e têm uma intenção de ilustrar a vida quotidiana no período que antecedeu a proclamação da República.


 

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