Emoções básicas (crónicas) 1
Há almas soturnas que o vendaval da história empurrou para destinos à deriva. Por vezes, alguns destes seres perturbados irrompem nas notícias, por um qualquer crime de raiva ou episódio triste. Todos têm egos excessivos, culpam sempre os outros pelas suas falhas, vivem desesperados por um pouco de amor ou de admiração, a ponto de soarem como alucinados cada vez que abrem a boca. Falharam as vidas, perderam a noção da realidade, são cruéis e tirânicos para quem os rodeia, e jamais admitem que aquilo que os move é a ignorância e o preconceito.
Em épocas normais, estas pessoas acabam sozinhas. Mas, nos tempos de crise, os histéricos prosperam.
Não escrevo apenas sobre fracassados anónimos nem sobre predestinados para o mal. Esta foi a primeira reflexão que me surgiu da leitura do excelente livro de Ian Kershaw, Hitler. A biografia de Adolf Hitler, uma personalidade doentia, homem condenado ao fracasso, sem estudos nem talento, mas que em circunstâncias de crise levou a Europa ao suicídio, apenas armado de infinita demagogia, da megalomania egotista dos loucos e da rara habilidade de acreditar fanaticamente nas próprias fantasias.
Em cada nova página deste livro, a personagem torna-se mais opaca, mais incompreensível, mais demoníaca.
A história do ditador nacional-socialista contém, apesar de tudo, uma lição, relativa ao papel do acaso nas épocas de perturbação. A instabilidade que vem da derrota, os ódios acumulados e a pobreza súbita tornam-se mais perigosos em crises caóticas. O triunfo do mal é sempre possível nestes caldos enraivecidos. Em sociedades voláteis e doentes ganha quem gritar mais alto. As vozes sensatas serão silenciadas. A tirania resulta da febre do mundo.