Regressemos aos Eurobonds
Mais vale tarde do que nunca e, além disso, os eurobonds são tema que nos vai acompanhar pelos próximos anos. Por isso, a novela continua (em resposta ao post do Vasco Campilho, sendo todas as citações abaixo desse mesmo post):
1. A "mutualização da dívida" já é um enorme pomme de discorde europeu. A "mutualização de um volume de dívida pública entre 40 a 60% do PIB dos Estados participantes tem efeitos que vão muito além disso": pois tem: um deles é que se uma parte da Europa tiver de responder por dívida equivalente a 60% do PIB da Espanha+Itália, essa Europa salvadora terá ela mesma de aumentar o volume da sua própria dívida para valores que não serão sustentáveis. Como já escrevi, em tal situação dificilmente a União Europeia escapará a uma enorme e generalizada bancarrota - e, nessa altura, coitadinho do rating dos eurobonds... E também não estou a ver uma Finlândia ou Holanda querer responsabilizar-se pelas dívidas da Itália e França (já bastam as dívidas dos pequenos países periféricos).
É preciso pensar seriamente em cortar de vez com este ciclo de endividamentos e bail outs sucessivos. Quanto maior for a dívida acumulada, maior será o desastre. Aqui, o problema é de calendário eleitoral: antes das eleições na França e na Alemanha, não se pode falar abertamente de default.
2. A reestruturação/default da Grécia já começou: já há credores que aceitaram perder dinheiro. A forma foi amigável e negociada mas o resultado foi esse: perder dinheiro.
"Não entendo o raciocínio: refinanciar a dívida chegada à maturidade ou aproveitar a disponibilidade de um crédito mais favorável para recomprar títulos emitidos com um juro mais caro a valor de mercado é tudo menos incumprimento."
Eu explico: eu emprestei 100 ao Estado (português ou grego ou...) e espero receber 110 ao fim do prazo. A meio do prazo, a probabilidade de esse país falir aumenta brutalmente e, daí, o valor de mercado do meu título cai para 70. Entretanto aparece o Sarkozy a tentar convencer-me amigavelmente e com muita simpatia a vender agora esse título por 75. E eu aceito.
Houve incumprimento? Fiz um bom negócio? Perdi dinheiro? Se pusermos de lado as charadas semânticas e o double speak político as respostas a estas perguntas são: segundo pelo menos uma agência de rating, houve incumprimento; já os juristas dirão que, sendo o incumprimento do devedor aceite voluntariamente pelo credor, o incumprimento afinal não é incumprimento (conversa de jurista, etc.); fiz o melhor negócio que me foi apresentado mas PERDI DINHEIRO: receber 75 em vez de 110 é perder dinheiro aqui e em toda a parte.
3. "não vejo quaisquer condições para que uma agência europeia pudesse emitir mais dívida em nome dos Estados do que aquela que estes autorizassem": basta a França e a Alemanha quererem. Recordo que a Alemanha e a França (juntas com Portugal) estiveram no pódio dos (primeiros) países a violar o PEC. E a agência de que falas não será independente (basta recordar as opiniões de Sarkozy sobre a independência do BCE).
Pois: isto é o Münchau a dar-me razão: à medida que o tempo passa, o projecto dos eurobonds torna-se mais indigesto politicamente e menos favorável em termos económicos. E os spreads da dívida francesa face à alemã têm aumentado... Mas, como digo acima, até às eleições presidenciais na França e legislativas na Alemanha, só vamos ter disto: medidas pontuais arrancadas in extremis pelas pressões dos mercados e sucessivos endividamentos e bailouts.