Menos com mais, dá menos.
No que toca a tecnologia sou, por definição, uma late adopter. Olho para novos gadgets com o terror de quem tem a certeza de que vai escangalhar irremediavelmente o circuito logo da primeira vez que se atrever a pousar o dedo num botão.
Talvez por isso só muito tarde abri os olhos para o vasto e intrincado mundo dos blogues. Comecei por achar curioso. Afinal, era uma forma grátis de aceder a conteúdos potencialmente interessantes à distância de um leve premir no rato (gesto que, na altura, já dominava ao nível de qualquer bom hacker).
À medida que comecei a passear de blogue para blogue, cheguei à conclusão de que, embora houvesse muito lixo, me deparava com a surpresa de ver gente anónima a escrever bom português com inteligência, sagacidade e sentido de humor.
Agora estou na fase em que acho que o mundo está louco e que abraçou a cibernáutica como uma retrete para onde se vomita uma bebedeira de mau vinho.
Antigamente, quando alguém andava zangado com a vida e lia uma coisa com a qual se resolvia indignar, tinha de escrever uma carta dirigida ao director do jornal ou da revista, locomover-se até à estação dos CTT mais próxima, aguentar na fila e comprar um selo. Dava trabalho uma pessoa libertar a sua indignação.
Agora é facílimo. Vai-se a um blogue, pega-se na primeira linha de um post (tanto faz qual é) e abre-se a caixa de comentários para fazer vinte extrapolações e atribuir trinta significados perniciosos à verve daquele atrasado mental que teve a ousadia de proferir tais palavras.
“Ela diz pi, mas está-se mesmo a ver que é pilinha. Quem é que ela julga que é para falar de pilinhas, a ordinária”. E achincalha-se a ordinária até ao tutano, corre-se para outros blogues a dizer que a ordinária disse pilinha, que rasca que ela é, e por aí fora.
(a ordinária, nesse momento, bebe pacatamente um café na cozinha do escritório, sem imaginar que o mundo anda num corropio por lhe ter escorregado um dedo no teclado enquanto escrevia “dava tudo por ti”).
Associado a este fenómeno de haver quem considere libertador andar a espanhar fel pelas caixas de comentários alheias, surge outro enigma.
Ora aceder a um blogue ainda dá um certo trabalho. É pelo menos preciso digitar nomes como “agatadaminhatia.pt” ou “otremoçoarrepiante.com”. E eu não consigo perceber como é que alguém que despreza fidagalmente sicrana se dá à maçada de a visitar regularmente e de andar a fazer scroll pelo seu blogue.
Só vejo como hipótese já ter guardado o endereço nos “favorites”, coisa que seria digna de um Nobel da Ironia.
Muitas vezes penso que há para aí muito ódio visceral sub-aproveitado. Se se rodasse o chip de toda a língua viperina para pólo positivo, estou certa de que a EDP teria muita coisa a explicar aos accionistas.
O pior é que preferimos viver nas trevas a lançar sinais de menos, que nem mísseis em acção, para ter a certeza de que damos cabo dos de mais.