Carta de um homem revoltado a um desses ministros da nova era, com boas intenções
I
Estou chocado e humilhado com a tal agência de ratação. Estou hoje e digo-o em público como o disse há meses, com outro sinal de governo. Temos de elevar a parada de consenso interno. Perante o desafio, não chega a aritmética de uma maioria parlamentar. Tem de haver uma mais forte geometria social. Também já o defendi há meses.
Mas qualquer observador imparcial consegue detectar, hoje, aqui e agora, centenas, senão milhares, de omnipotentes que se pensam omniscientes, que vão usando um poder, que não é deles, em regime de incontrolado abuso do poder. Alguns até foram premiados com a mudança para irem despedaçar outras bonecas. E continuam a não ter vergonha. Não faltam até as devidas usurpações de título e as costumadas persigangas...
Entretanto, suas senhorias, os ocupantes da mesa do orçamento, vão emitindo, todos os dias, suas ordenanças decretinas por entre a floresta dos micro-autoritarismos estatais, onde cada chefe se tornou ministro da sua pequena corte, gerindo muitos restos da despedaçada república como se eles fossem a sua própria casa, porque enquanto o pau vai e vem folgam as costas aos validos incompetentes que nos assaltaram...
II
As leis orgânicas são o habitual lixo orgânico de qualquer mudança. Devia haver uma lei supra-orgânica que desfizesse a hipótese de qualquer conjuntura se decretar como estrutura. Bastava um conhecimento modesto sobre essas coisas supremas. Ministro vem de "servus ministerialis", escravo do ofício e quer dizer o mesmo que funcionário, oficial ou... vigário. Logo, deixem-se dos contos deste!
Para tanto, era preciso rever o artigo da constituição segundo o qual, cada governo, pelo decreto presidencial de nomeação é que estabelece a estrutura dos ministérios...Não conheço nenhuma proposta de revisão constitucional que alguma vez o tivesse proposto. Daí a sucessão de asneiras...sobre asneiras, para que depois prometam revogar as asneiras e fazerem ainda mias asneiras, com o pagante a bater palmas à expropriação fiscal em que assenta esta coisa de não assumirmos que o Estado não são eles, somos nós!. Que saudades do Mouzinho da Silveira!
Querem fazer uma reportagem sobre a quantidade de placas de ministérios que estão guardadas no sótão do Terreiro do Paço? Querem fazer uma lista das sucessivas leis orgânicas publicadas? Querem ter mesmo juizinho? Ou pomos fim a este ciclo de ditadura da incompetência ou deixaremos de ser governados por nós... A incompetência é o pior inimigo desta democracia!
Querem saber o que é um reformador vilão? Ponham-no a gerir em plenitude e depois meçam os resultados em dispersões orgânicas, consultadorias e sacanices, com verdadeiros atentados aos mínimos de Estado de Direito. Ainda não perceberam que a nossa Ditadura de quase meio século obedeceu sempre à hipocrisia do Estado de Legalidade? Até os torturadores faziam adequado relatório ao abrigo do regulamento...
Mudar implica mudança de atitude!
III
O Estado a que chegámos é este: senhor cidadão, Vossa Excelência tem toda a razão substancial, infelizmente a exposição tem que ser rejeitada pelo facto de o acto impugnado não ser susceptível de recurso para o membro do governo que o tutela, pelo que lhe resta recorrer aos tribunais competentes. É assim todos os dias, há muitos anos, desde o Marquês de Pombal. Estado de direito, só se for de direito administrativo.
Portanto, desembolsa mais uns euritos, centenas, milhares, mesmo que Provedores de Justiça recomendem a via direita, porque, enquanto o pau vai e vem, a mesa do orçamento é Deles e, com a arte e o engenho da irresponsabilidade inamovível, até podem continuar a mandar por entre essa floresta de poderes fácticos e protectorados, cuja rede se estende, sorridente, à música celestial do novo situacionismo. A cena não se passou comigo. Apenas recebi o testemunho. Um dos regulares testemunhos de sua senhoria Pôncio Pilotos, governador da coisa, em nome do Senhor Ninguém.
Por outras palavras, só os ricos é que podem ver seus direitos minimamente protegidos e com atraso.
Neste caso, como o sub do ajudante em causa, já vinha da maioria que tinha sido contrária ao governo antigo e até coincide com a maioria igual à que estava e que o nomeou, ele não vai dizer que só lá esteve para fazer o trabalho que o ajudante derrubado lhe encomendou. Até vai insinuar que foi vítima de perseguições pelos socráticos. Juro que já vi este filme muitas vezes. Conheço os meandros do mostrengo, da tal máquina anónima e trituradora do mesmo Leviathan.
Até os que feiticeiros que pensam manipular o feitiço arderão em estrondo...Infelizmente, não será em nome da justiça, mas da vindicta. Para que novos feiticeiros usem o mesmo feitiço do mais do mesmo.
Por trás das afirmações emitidas, há um caso real, de pessoas com carne, sangue e sonhos. Quando os ministros rasgam os princípios, fica a pura força. Refazer a paz pelo direito só com homens justos.
Não é com a soma das cavalariças e das sacristias que se refaz um Estado.