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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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Um futuro incerto

Impressiona muito a leitura de um livro recente, Why The West Rules - For Now, de Ian Morris, professor na Universidade de Stanford. O autor tenta fazer uma leitura dos padrões da História num longo período de 15 mil anos, usando para o efeito documentos e dados arqueológicos, tirando no final algumas ideias sobre o futuro da nossa civilização. Morris concebe um modelo quantitativo, o seu índice de desenvolvimento humano, baseado em factores como energia consumida per capita, urbanização ou poder dos exércitos, entre outros. Em gráficos muito eloquentes, mostra-se a evolução das sociedades humanas, no ocidente e oriente, com comparação permanente entre as duas, como se de uma competição se tratasse.

O livro é bastante complexo e, para um leitor como eu, exige mais do que uma leitura. Mas queria deixar aqui uma nota sobre a conclusão, que tentarei resumir.

No modelo deste historiador, várias civilizações bateram num tecto de desenvolvimento humano, em diferentes momentos, sem conseguirem ultrapassar os obstáculos colocados pelo seu próprio êxito. Isto aconteceu ao Império Romano, por exemplo, e em todos os casos sempre por uma mistura de efeitos, como doenças, migrações súbitas, alterações climáticas, esgotamento de recursos. A Humanidade recuperou sempre os conhecimentos antigos e recomeçou, até bater no tecto outra vez, isto em ciclos sucessivos. Em meados do século XVIII, o Ocidente começou a destacar-se depressa do Oriente e Ian Morris pensa que a industrialização tenha evitado um possível colapso. No índice do autor, foi ultrapassado um tecto, o que ditou o triunfo dos ocidentais.

 

A parte das conclusões deste livro é talvez a mais controversa. O autor é visivelmente um amador de ficção científica e, em relação ao nosso futuro, coloca dois cenários, um de esgotamento de recursos e outro de superação de mais um tecto no desenvolvimento humano.

O primeiro cenário é Nightfall, que tem por base um famoso conto de Isaac Asimov; o segundo, a singularidade, ideia mais recente, que aposta no aparecimento de uma nova civilização num período de 30 anos.

Na teoria do colapso, a humanidade não conseguiria resolver os problemas contemporâneos: economia baseada em combustíveis fósseis, insustentabilidade do actual modelo económico, alterações climáticas, migrações em massa, conflitos pela água ou solo arável. Será muito difícil aumentar a produtividade dos solos e alimentar 9 mil milhões de pessoas; a mudança no clima implica perdas de colheitas e fomes em larga escala; a água potável é um recursos escasso; e não parece existir uma alternativa para o petróleo que permita sustentar o actual crescimento das taxas de consumo de energia. Ou seja (e tento resumir a ideia), os próximos anos seriam de declínio rápido e em aceleração, à maneira do que aconteceu com o Império Romano.

 

A alternativa, a singularidade, é quase arrepiante. A evolução dos computadores, se prosseguir ao actual ritmo, dará origem em 2040 a máquinas capazes de igualar a inteligência de toda a humanidade. Alguns teóricos da singularidade dizem mesmo que a humanidade está condenada a ser superada pelas máquinas. Também estão a surgir conhecimentos que unem a máquina ao biológico, robôs e inteligência artificial, nanotecnologias e manipulações genéticas que permitirão alterar os próprios seres humanos. Um homem melhorado ainda é um homem?

Vendo os gráficos de Ian Morris, a continuação das curvas de crescimento do índice de desenvolvimento humano exigiria consumos de energia inimagináveis, cidades de 150 milhões de pessoas, máquinas de guerra com absurdo poder destrutivo.

O futuro é uma terra incógnita e a sua previsão parece hoje um exercício ainda mais fútil do que foi no passado. Morris tenta ver padrões na História e usa uma série extensa de eventos, que parecem ter vários ciclos de ascensão e queda. O exercício de antecipação do futuro é uma das marcas da inteligência humana. Os nossos avós eram capazes de imaginar máquinas voadoras e submarinas, mas parecia-lhes idiota imaginar um futuro em que os impérios europeus tinham perdido o seu poder. A ideia de futuro era adicionar mais do que tinham nesse momento, mas sem algo de verdadeiramente novo. Hélices maiores a barcos maiores; exércitos com mais milhões; cidades em expansão; comboios mais rápidos e em mais rotas; foguetões mais poderosos; maior número de telefones, mas não telefone móvel (o último exemplo talvez não seja bom, porque esta ideia surge no Caminho das Estrelas e inspirou os inventores do telemóvel, que eram amadores de ficção científica).

Neste livro notável, a ideia mais perturbadora é a de que a actual civilização poderá não escapar a um colapso no tempo de uma geração, a não ser que haja uma verdadeira ruptura, não mais do mesmo e em quantidades crescentes, mas algo de inteiramente novo.

 

Um post sobre um assunto relacionado, aqui.

Existe entre nós uma obsessão pelo novo e quase sempre se está perante a continuidade, misturada com a falta de memória.

     

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