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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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O artigo 22

A Grécia está a viver um pesadelo que lembra o famoso paradoxo de Catch-22, do romance homónimo de Joseph Heller. Se não cumprir a austeridade, não paga a dívida, mas não pode pagar a dívida cumprindo a austeridade.

O romance, muito divertido (comemoram-se os 50 anos da sua publicação), decorre num ambiente de Segunda Guerra Mundial, colocando o problema de um Artigo 22 do regulamento militar, segundo o qual um piloto é dado como louco se continuar a voar em missões de bombardeamento perigosas, mas se apresentar um pedido de dispensa, então é porque se encontra são e perfeitamente capaz de voar. Não existe fuga possível ao enunciado.

A cimeira europeia de hoje, com os seus resultados magros e desanimadores, mostrou que a Europa está a cair numa lógica de artigo 22: não pode resolver os problemas do euro sem federalizar mais a moeda única, mas não pode de forma nenhuma federalizar a moeda única sem provocar a desagregação da União Europeia.

Generaliza-se entretanto em Portugal a ideia de que a Europa está a acabar, tese que acho algo estranha. A Europa suicidou-se em 1914 e o que resta dela tentou fazer uma aliança de nações que desse algum futuro a cada uma das componentes. Esta ideia ainda não perdeu o seu sentido. O que perde sentido é a visão mítica da União Europeia.

 

Mais federalismo como resposta à crise do euro é mergulhar no paradoxo. Nos Tratados (que envolveram longas negociações) não está prevista nenhuma das formulações referidas para tratar da crise, ministro das finanças europeu que não seja irrelevante como a senhora Ashton ou eurobonds que tenham por corolário um futuro imposto europeu. Estas ideias, para mais, não passam nos sistemas digestivos eleitorais. Para um eleitor alemão não faz sentido assumir as dívidas da Grécia, sobretudo se os gregos não quiserem pagar portagens ou não quiserem acabar com os seus privilégios mais jurássicos. Os pacotes de solidariedade também fazem cada vez menos sentido.

Por tudo isto, o conselho europeu chutou para canto o problema grego, sobretudo a questão central do novo pacote de ajuda depender de uma margem mínima do governo de Atenas na votação do parlamento prevista até 30 de Junho (julgo que o PASOK está com três deputados de vantagem). Se a Grécia recusar a austeridade, não receberá o novo pacote, entra em bancarrota e provavelmente terá de sair do euro, o que também não está previsto nos tratados. Há juristas que dizem que sair do euro equivale a sair da UE. Para Portugal, sobretudo devido à pressão dos mercados, este é um cenário de pesadelo. Outro artigo 22: os mercados acreditam que o país vai à falência, baixam a sua notação e levam-no à falência.

Ora, os europeus não têm tempo para mudar os Tratados (o que levaria três anos, ou mais) e estão entretidos há um ano e meio a discutir pequenas reformas intergovernamentais, tais como o semestre europeu, um conjunto de regras que permite ao Conselho Europeu, através da Comissão, vigiar as contas públicas de cada parceiro, leia-se dos pequenos parceiros. A parte difícil está nas decisões sobre formas de sanção para os prevaricadores e, claro, ninguém tem dúvidas de que isto não se aplicará aos grandes, pois não está nos tratados.

 

As consequências políticas desta crise, na Grécia, são quase imprevisíveis. Os dois maiores partidos serão duramente penalizados nas eleições seguintes. A nível europeu, o mesmo, a próxima vaga política poderá tender para o aumento dos grupos de franja, dos partidos de protesto e das formações populistas.

Neste contexto adverso, Portugal terá agora algum tempo para respirar, mas não deve manter ilusões: da Europa não virá nenhuma ajuda extraordinária.

Por exemplo: o euro devia desvalorizar para aliviar os endividados, mas isso não vai acontecer, por não ser do interesse da Alemanha. É espantoso que uma moeda à beira do colapso continue em alta face ao dólar.

Por outro lado, no último ano e meio da crise do euro, aumentou o poder dos grandes países da UE e reduziu-se o espaço de manobra dos mais pequenos. Essa tendência poderá agravar-se, assim como a tendência de certos Estados começarem a distanciar-se do núcleo central, mantendo órbitas cada vez mais afastadas em relação ao eixo Paris-Berlim. No Reino Unido, para citar um exemplo óbvio, as forças centrífugas intensificam-se.

É mais uma vez o artigo 22: para manter alguma coesão interna e evitar a catástrofe, a UE terá de parecer um sistema solar em expansão, com os planetas cada vez mais separados uns dos outros, mas a única verdadeira solução seria uma federação, com os planetas mais próximos, algo que parece cada vez mais uma miragem. 

 

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