As divisões do bloco
Rui Bebiano faz aqui uma reflexão sobre o futuro do Bloco de Esquerda, na linha do que escreve Daniel Oliveira, em Arrastão. Para justificar o resultado decepcionante, os autores identificam erros da liderança, sobretudo dois: o anúncio de uma moção de censura e a recusa em reunir com a troika.
Sou observador externo, com conhecimento relativamente superficial do bloco, mas julgo que os comentários que tenho ouvido são injustos para a liderança do partido. As perdas podiam ter sido piores sem o bom desempenho de Francisco Louçã nos debates e a quebra deve-se, a meu ver, ao resultado excepcional obtido em 2009, quando o BE conquistou uma significativa fatia de eleitorado identificado com a esquerda do PS.
Desta vez, o partido foi vítima do voto útil e muitos socialistas da ala esquerda não votaram outra vez BE para tentarem impedir a vitória da direita. No fundo, o BE parece-se com o CDS: não tem máquina partidária, mostra mais força nas zonas urbanas, atrai muitos jovens, a sua expressão autárquica é limitada e os votantes militam pouco e flutuam em excesso.
Mas os textos que tenho lido mostram que o BE discute os seus problemas e que as comparações que se fazem com o PC revelam incompreensão da realidade. Também já ouvi comparar com o Partido Renovador, mas sinceramente não vejo semelhanças. Este é um partido jovem, não institucional, que mal existia em 1998 e que teve a sua primeira votação importante em 2005, semelhante à actual e na altura uma vitória. Está em crise de crescimento, não à beira do colapso. E as suas divisões são sinal de vitalidade.
Serve esta introdução para tentar sublinhar um ponto mais largo, sobre a esquerda europeia.
A nível europeu, ocorre uma alteração fundamental dos modelos sociais. Os partidos tradicionalmente à esquerda têm enorme dificuldade em explicar o seu apoio a legislação que liberaliza a economia, reduz direitos dos trabalhadores e elimina privilégios conquistados por corporações. Por motivos demográficos, o Estado Providência deixou de ser sustentável e foi necessário fazer reformas contra os próprios eleitorados. Veja-se como mudaram, em poucos anos, os trabalhistas britânicos ou os social-democratas alemães. Os partidos socialistas da Europa Ocidental tornaram-se reformistas, aproximando-se das teses da direita conservadora ou liberal. E esta convergência está a acentuar-se, esbatendo as diferenças entre partidos e criando uma espécie de lugar comum. Nas simplificações jornalísticas, este território é o do neo-liberalismo, mas julgo que as definições são caricaturas, pois as ideologias estão em declínio e o espaço de manobra dos governos tornou-se mínimo (em Portugal, quase nulo) sendo aplicadas as mesmas fórmulas em todo o lado.
Esta é a razão estrutural da crise dos partidos de esquerda na Europa. Estou a falar de partidos que estiveram no poder décadas e que agora demonstram enorme dificuldade em reconquistar o eleitorado. Isto aplica-se a quase todos os partidos socialistas europeus e basta ver o declínio regular e metódico desta corrente no parlamento europeu.
Mas julgo ser um erro pensar que a esquerda acabou. Há muitos eleitores que se opõem às políticas do consenso e que continuarão a votar em partidos como o BE, de protesto e com forte marca ideológica, liberais em costumes mas anti-liberais na economia, anti-capitalistas e ambientalistas, muito pouco unitários e muito activos em causas. Estas pessoas não votarão no PC, que é demasiado conservador e centralizado; nem no PS, cujo pragmatismo a seu ver revela colaboração com a direita.
O Bloco de Esquerda nunca foi um bloco, mas uma confederação de grupos heterogéneos, incluindo alguns radicais. É este o seu dilema, cresceu por agregação, juntando gente muito diferente. E a vitória de 2009 mostrou que não resolvera o problema da proximidade ao poder.
A esquerda portuguesa tem semelhanças com a alemã: esta inclui os social-democratas do SPD, em declínio; o Linke, que junta dissidentes da esquerda sindicalista do SPD com ex-comunistas da RDA, numa formação conservadora, mas que resiste; e os Verdes, com natureza mais caótica e anarquista, que se agarraram a alguns temas fracturantes, sem hesitação em fazer alianças, desde que esses temas sejam respeitados. A analogia com a Alemanha mostra o grande problema do BE: a elite do partido admira o Linke, mas o eleitorado, bem lá no fundo, revê-se nos Verdes.