Paralelos irresistíveis
Francisco Assis disse ontem, ao anunciar a sua candidatura a SG do PS, que era ao mesmo tempo candidato da continuidade e da mudança. Para azar meu, sou velho que chegue para me lembrar do último político português que se definiu assim: acabou na mais completa irrelevância, zangado com o país e atrozmente sózinho, e chamava-se Marcelo Caetano. Mas os paralelos não se ficam por aí: quando, em 2004, o PP espanhol, na sequência do atentado de 11 de Março na Atocha e da gestão mais que lamentável que fez do evento, viu uma vitória que parecia certa esfumar-se, e transformar-se, em meia-dúzia de horas, numa derrota absoluta, aconteceu-lhe ainda, de seguida, uma segunda derrota: porque em vez de se interrogar honestamente sobre o que poderia ter feito de errado, o PP evoluíu para uma posição de ressabiamento e uma pose de "demita-se o povo" que cortou as suas amarras com o real e lhe custou ainda mais anos de oposição do que aqueles que o castigo eleitoral inicialmente lhe impunha; ora o PS, pelo menos até agora, e certamente no futuro, se Assis ganhar, está a desenvolver uma relação com o socratismo que, à sua maneira, é tão autista como a de Aznar: o facto de mais de dois terços dos eleitores terem querido ver-se livres de Sócrates, não confiarem decididamente mais no querido e estimado lider nem nos Santos Silva ou Silva Pereira desta vida, não foi ainda assumido nem muito menos compreendido no Largo do Rato. Em deixando-os, eles vão continuar a falar da conspiração dos mercados, da aliança espúria da direita com a extrema-esquerda e sei lá que absurdo mais para justificarem aquilo que não conseguem ver de frente nem têm coragem de enfrentar: o inapelável fracasso da sua própria governação, e a enorme responsabilidade que ela teve na crise gravíssima que o país vive.