Não entenderam nada
Em 1979, Francisco Sá Carneiro formou listas eleitorais. Alargando o espaço político do PSD ao centro e à direita, firmando uma coligação com o CDS de Freitas do Amaral e o PPM de Ribeiro Telles. Mas era também necessário alargar a influência eleitoral do seu partido à esquerda. O que fazer? Num daqueles lances tácticos que traçam a diferença entre o político mediano e o dirigente de excepção, atraiu para a nova coligação dois homens oriundos da esquerda, que pouco antes se haviam sentado no Conselho de Ministros como representantes da mais jovem geração de talentos do Partido Socialista: António Barreto, ex-titular da pasta da Agricultura, e José Medeiros Ferreira, ex-responsável dos Negócios Estrangeiros, anunciaram o voto na AD em nome do seu Manifesto Renovador, força política de centro-esquerda então lançada, dando o seu aval - como independentes - à nova coligação.
Os treinadores de bancada, que já nessa altura abundavam no PSD (embora em muito menor número do que agora), não tardaram a criticar Sá Carneiro, um político que - bem à portuguesa - só viu os seus méritos largamente reconhecidos após a morte. Acusaram-no de demagogia, de oportunismo, de abrupta viragem à esquerda, de tentar tudo na desesperada caça ao voto. O costume, entre nós: quando alguém tenta mudar alguma coisa, seja o que for, no quadro político português é logo cravejado de críticas pela corporação do comentário político, eternamente avessa a novos nomes e novas siglas, sempre passíveis de baralhar os quadros mentais instalados.
Sá Carneiro ganhou essa eleição de 1979. E com isso fez história: era a primeira vez que a direita chegava ao poder cumprindo as regras do jogo eleitoral. Barreto e Medeiros Ferreira contribuíram para essa maioria, também eles criticadíssimos pelos comentadores de serviço, que já na altura não entendiam nada. Alguns são os mesmos que continuam a não entender nada agora.