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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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Sísifo, a arbitragem e o campo inclinado

Em eleições democráticas deve ser dada a todos a oportunidade de poderem dizer de sua justiça. Não estou a falar dos tempos de antena, em que existe igualdade ao segundo, mas dos critérios jornalísticos que fazem passar à opinião pública as verdadeiras posições dos partidos de poder, dos partidos de protestos, dos partidos que não vão entrar na Assembleia, cada um destes patamares tratado de acordo com a sua importância relativa, mas de forma justa para formações semelhantes.

Isto é a teoria, já que a nossa democracia é um pouco estranha e a direita do poder sempre teve um trabalho de Sísifo pela frente.

Apesar de tudo, nunca vi nada parecido com o que se está a passar nesta pré-campanha. Abro a televisão e todos os dias, a horas de grande audiência, vejo um ex-dirigente do PSD com meia hora ou 40 minutos de tempo de antena a fustigar a direcção do seu partido. É um por dia: Luís Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa, José Pacheco Pereira, Pedro Santana Lopes, Nuno Morais Sarmento.

Marcelo é um caso à parte, de invulgares qualidades mediáticas, e Marques Mendes critica muito mais os socialistas, mas existe aqui um padrão que convinha fazer reflectir os eleitores. E, a meu ver, esse padrão parece perigoso.

 

As pessoas citadas são todas militantes de um partido e ex-dirigentes insatisfeitos com a actual direcção; nenhum deles tem qualquer papel previsível no próximo ciclo, pelo que os seus comentários "desinteressados" fazem parte de agendas políticas próprias. Apesar disso, nunca são questionados pelos moderadores sobre essa agenda. Pacheco Pereira, para citar um exemplo, revelou um SMS interno do grupo parlamentar do seu partido (ainda por cima inócuo e em termos que falseavam o conteúdo) sem ser desafiado pelo jornalista de serviço a explicar por que o fazia.

O ponto é o seguinte: livres de dizerem o que quiserem sem terem de o explicar, passam por "comentadores" políticos, sendo na realidade políticos activos. Estes políticos activos nunca são verdadeiramente questionados pelos moderadores, como acontece (e bem) quando surge na antena um político ligado à direcção do partido.

 

A meu ver, isto é uma batota mediática que favorece o PS a dois meses de eleições. Aliás, na Quadratura do Círculo, António Costa só tem de estar calado para ultrapassar os seus objectivos.

O facto é que o PSD dá uma imagem de partido extremamente dividido, quando na realidade o seu líder foi eleito em eleições directas com dois terços dos votos dos militantes. O PS, que deve estar muito dividido e não teve directas, deu a imagem inversa no fim-de-semana passado, de um bloco de betão sem a mínima fissura.

No comentário televisivo e nas colunas de imprensa existe uma única voz verdadeiramente dissonante entre os socialistas, a de Manuel Maria Carrilho, e de forma mais moderada a de Ana Gomes. Mas não há facções, não se ouve falar nas recusas deste e daquele em integrar as listas, não há notícias como esta, sobre uma zanga entre Passos Coelho e Durão Barroso.

Em relação a isso, uma pequena observação: Barroso abandonou o Governo e fez com que o PSD perdesse o poder a meio de um mandato; é o actual Presidente da Comissão Europeia, que não pode interferir na política interna de um Estado-membro; Barroso deve dar conselhos a líderes de oposição de um Estado-membro, mas uma zanga implica ir muito para além de um simples conselho; um dirigente de oposição é um potencial primeiro-ministro e Barroso é escolhido pelo Conselho Europeu onde têm assento os primeiros-ministros. Uma zanga com Passos Coelho não faz qualquer sentido num contexto europeu. Imaginem o que aconteceria se Barroso se zangasse com Ed Milliband por causa de um assunto comunitário! Se Milliband não respondesse à letra, era crucificado nos jornais tablóides.

 

Como consumidor de informação, tenho cada vez mais cuidado com aquilo que leio, sobretudo na área da opinião. Políticos-comentadores são isso mesmo, políticos, e devem ser ouvidos cum grano salis. E no que toca aos gurus convém que os leitores façam um exercício de memória: quantas vezes é que estes autores acertam?

Não defendo que haja menos comentadores do PSD a fustigar o seu partido a dois meses de eleições. O que não quero é jornalistas-moderadores subservientes, que deixam fazer os ataques sem questionarem os motivos do político que têm em frente, mantendo a ficção de que se trata de um comentador sem objectivos.

A actual crise económica e financeira do País não tem precedentes, mas a dois meses de eleições decorre uma operação mediática de lavagem de responsabilidades, sobretudo as dos socialistas, mas também as há no PSD: Santana Lopes dirigiu um governo de trapalhadas que durou seis meses, mas nos seus "comentários" isso nunca surge à baila; Durão Barroso preferiu o seu cargo europeu, que o exclui da política interna activa. Nada disto se compara com o que fizeram os socialistas durante os últimos seis anos, um afundamento que pode levar uma década a reparar. E, no entanto, o essencial do comentário político que ouvi nas últimas semanas dedicou-se a fustigar decisões da direcção do PSD, que por enquanto vai à frente nas sondagens (e por isso é tão atacado o PSD).

Num contexto democrático, a comunicação social funciona como árbitro no jogo. Ora, se os árbitros obrigam uma das equipas a jogar num campo inclinado, então a eleição não será muito limpa, não é verdade?

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