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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Cimeira Franco-Alemã

1. Os eurobonds têm sido encarados por muitos com demasiado optimismo mas são melhores do que nada. Se não há eurobonds nem defaults parciais, a dívida total da zona euro, com tanto novo endividamento, tantos planos de ajuda e tantos bailouts, cresce para níveis incomportáveis colocando em risco não só o euro mas a própria União Europeia.

2. Concordo com o Luís Menezes Leitão: "o governo económico europeu" presidido por aquele não se sabe quem será mais um veículo do abuso de poder alemão (e também francês).

3. A taxa sobre as transacções financeiras será uma maneira de tornar a Europa cada vez menos relevante na cena financeira internacional. A recente notícia da proibição de short selling de activos financeiros, ainda que só durante quinze dias, já foi uma monstruosidade anti-liberal. No mundo globalizado (desculpem lá o cliché), as regiões mundiais que mais proibem são as que mais perdem. E os surtos de proteccionismo são quase sempre a ante-câmara da guerra.

4. "Os dois líderes (...) consideraram também "suficiente" a dotação orçamental do fundo europeu de resgate" (no Expresso).

 

Então vejamos: não há eurobonds (pelo menos para já), não há defaults parciais (pelo menos até depois das eleições na Alemanha) e não há aumento do fundo europeu de resgate (Durão Barroso já alertou várias vezes para a insuficiência do mesmo). O que é que há então de novo?

 

Tendo em conta que as medidas de austeridade na Itália, Espanha e França não são credíveis devido à proximidade das eleições (antecipáveis, antecipadas e previstas) - não há rigorosamente nada de novo no sentido de trazer acalmia aos mercados.

 

Esta cimeira foi, portanto, mais uma perda de tempo com o único fim de empolar a imagem internacional de Sarkozy e de Merkel para consumo populista interno (os franceses adoram que os seus políticos tenham ou aparentem ter relevância internacional, os alemães adoram acreditar que são mais progressistas que os outros europeus todos e acham que ter uma chancelerina mulher é o supra-sumo da superioridade progressista).

 

A consequência óbvia é esta: os mercados continuarão cada vez mais a castigar a Espanha, a Itália e a França. Com "líderes" desta estirpe, pobre União Europeia...

Visto da Alemanha

Estando presentemente na Alemanha por motivos profissionais, posso ver a perspectiva com que aqui é encarado o resultado da cimeira Merkel-Sarkozy. Aqui acentua-se essencialmente a recusa dos Eurobonds, sendo manifesto que os cidadaos alemaes veriam com muito maus olhos qualquer tentativa de os criar. Parece-me por isso que Merkel nunca alinhará nessa proposta, uma vez que tal lhe custaria inevitavelmente o cargo.

 

Os resultados da cimeira demonstram, por outro lado, mais uma vez o apagamento total da Comissao Europeia e de Durao Barroso. O pretenso "governo económico europeu" constitui apenas uma submissao dos outros Estados-Membros ao Diktat da Alemanha, tanto assim que a sua presidencia é oferecida sem qualquer escrutínio democrático a uma figura totalmente apagada como Hermann Van Rompuy, que se limitará a executar as ordens da Alemanha. Quanto à referida taxa Tobin nao me parece que vá resolver problema algum. É evidente por isso que, a continuar-se assim, o descalabro do euro será uma realidade, mais dia menos dia.

 

Mas de uma coisa fiquei convencido. Levar a Alemanha a aceitar os Eurobonds é um sonho de uma noite de Verao. E o Verao este ano na Alemanha está a ser muito frio, pouco propício a sonhos.

Mutualização da Dívida: uma Enormidade de Problemas

Os eurobonds têm um elemento de mutualização das dívidas públicas da zona euro, o que significa que um conjunto de países passa a responder solidariamente pelo cumprimento das obrigações de qualquer um dos membros desse conjunto (até um certo limite que, porém, não é nada pequeno).

Esta mutualização implica três problemas, dois dos quais já descritos anteriormente (aqui e aqui): muitos dos países da zona euro podem muito simplesmente não querer fazer parte deste acordo, pelo que a mutualização das dívidas públicas poderá ficar limitada a que apenas países como a França e a Alemanha se responsabilizam pela dívida de alguns países, enquanto outros começam seriamente a equacionar a saída do euro como forma de se eximirem às obrigações que nunca foram suas.

Uma mutualização limitada à França e à Alemanha não será muito diferente da actual situação em que aqueles dois países têm liderado (muito mal, diga-se) o processo de resposta à crise das dívidas soberanas. Por outro lado, forçar essa mutualização tem como efeito o aumento de popularidade das facções e partidos políticos anti-União Europeia. Basta juntar esse fenómeno aos programas de austeridade e à violência nas ruas e teremos a União a desintegrar-se irremediavelmente.

O outro problema é de credibilidade. À medida que mais e mais endividamento, mais e mais bailouts se sucedem, a crise do euro vai-se transmitindo dos pequenos países periféricos para economias que, pela sua dimensão, não podem ser resgatadas totalmente. Se até a relativamente pequena economia da Grécia não se livrou de um default parcial, é mais do que certo que, em caso de crise de pagamentos, é impossível não ocorrer um default parcial da dívida de Espanha, Itália e França. Em tal caso, será o rating dos eurobonds que se degradará. Ora toda esta dinâmica, que é previsível desde já, tem como consequência que os eurobonds não beneficiem de rating triple A nem sequer à nascença.

O terceiro problema da mutualização da dívida é o défice de democracia. O princípio de no taxation without representation é violado. Porque é que o contribuinte finlandês, que nunca votou nem aprovou o "welfare state grego" há-de responsabilizar-se por esse sistema?

 

Certo é que quase todo o processo da construção europeia tem sido realizado com uma adesão insuficiente aos princípios da democracia. Mas isso não era especialmente problemático enquanto a aceitação popular da integração europeia era generalizada e o efeito mais visível da União correspondia a dinheiro a entrar.

 

Já no caso da "solidarização" pelas dívidas dos outros, a opinião geral é desfavorável e o resultado é dinheiro a sair, sendo que o objectivo desse dinheiro não é nenhum projecto benemérito mas sim cobrir os excessos, irresponsabilidades e megalomanias de países que não foram capazes de se governar sem a ajuda in extremis dos outros.

É preciso notar que ainda que os países em risco de incumprimento aceitem que toda a sua política de finanças públicas seja escrutinada pelo "eurobond group" (o que é em si mesmo uma afronta à soberania e democracia dos países em causa) - o mesmo défice de democracia mantém-se, pois (se percebi bem) a mutualização das responsabilidades recai não só sobre a dívida contraída no futuro mas também sobre a dívida anterior. Mas de qualquer forma, ainda que esteja em causa apenas a dívida futura, esta é emitida para refinanciar dívidas passadas pelo que, economicamente, a mutualização da dívida implica sempre uma responsabilização por decisões passadas, o que viola o referido princípio de no taxation without representation.

O défice de democracia é mais uma força no sentido do desmoronamento do edifício europeu. E é mais uma razão para parar a bola de neve dos endividamentos e bailouts sucessivos enquanto é tempo. Isto é, enquanto a crise não chega à Itália e à França e enquanto a própria União Europeia ainda se encontra a salvo.

Default/Reestruturação: o Modo

Como já escrevi várias vezes neste blogue, a reestruturação das dívidas públicas grega e portuguesa é uma inevitabilidade (um primeiro haircut já ocorreu na Grécia e não será o único). Não se trata de uma mera opção económica ou política: é a pressão dos factos que leva a esse resultado.

 

O facto principal não tem nada de esotérico ou complexo: a quantidade total de dinheiro em dívida já é demasiado grande para que alguém possa acreditar que toda a dívida venha a ser honrada. Logo, os novos credores só emprestam a juros que de tão altos só agravam ainda mais a dimensão do problema. O resultado é uma bola de neve de mais endividamento e sucessivos bailouts que é em si mesmo um fenómeno especulativo dos piores, em que todos sabem que o desastre se aproxima mas todos acreditam que escaparão antes do barco afundar. Só há uma maneira de travar esta bola de neve: o default parcial.

 

Sendo o default inevitável, o que fica a caber na esfera de decisão política são duas questões importantes: o timing e o modo do default/reestruturação. [A propósito: default parcial e reestruturação são essencialmente a mesma coisa, a diferença é que reestruturação é uma palavra mais soft. O politiquês é a arte de tornar eleitoralmente mais tragável uma mesma e horrível realidade através da utilização de eufemismos.]

 

O melhor modo de reestruturar é a negociação respeitando minimamente a liberdade dos credores. Reestruturações unilaterais têm consequências políticas e económicas extremamente nocivas e de duração incerta. Uma maneira negociada e que atende à vontade dos credores é a emissão de eurobonds. Como em muitos outros aspectos da construção europeia, existe já um excesso de optimismo em relação aos eurobonds. Parece-me, apesar de tudo, que os eurobonds são um paliativo pelo menos tão bom como outro qualquer, o que já não é nada mau.

 

Já a questão do timing apresenta maiores dificuldades. Sobre esse tópico, sigam-me até ao próximo post...

Regressemos aos Eurobonds

Mais vale tarde do que nunca e, além disso, os eurobonds são tema que nos vai acompanhar pelos próximos anos. Por isso, a novela continua (em resposta ao post do Vasco Campilho, sendo todas as citações abaixo desse mesmo post):

 

1. A "mutualização da dívida" já é um enorme pomme de discorde europeu. A "mutualização de um volume de dívida pública entre 40 a 60% do PIB dos Estados participantes tem efeitos que vão muito além disso": pois tem: um deles é que se uma parte da Europa tiver de responder por dívida equivalente a 60% do PIB da Espanha+Itália, essa Europa salvadora terá ela mesma de aumentar o volume da sua própria dívida para valores que não serão sustentáveis. Como já escrevi, em tal situação dificilmente a União Europeia escapará a uma enorme e generalizada bancarrota - e, nessa altura, coitadinho do rating dos eurobonds... E também não estou a ver uma Finlândia ou Holanda querer responsabilizar-se pelas dívidas da Itália e França (já bastam as dívidas dos pequenos países periféricos).

 

É preciso pensar seriamente em cortar de vez com este ciclo de endividamentos e bail outs sucessivos. Quanto maior for a dívida acumulada, maior será o desastre. Aqui, o problema é de calendário eleitoral: antes das eleições na França e na Alemanha, não se pode falar abertamente de default.

2. A reestruturação/default da Grécia já começou: já há credores que aceitaram perder dinheiro. A forma foi amigável e negociada mas o resultado foi esse: perder dinheiro.

"Não entendo o raciocínio: refinanciar a dívida chegada à maturidade ou aproveitar a disponibilidade de um crédito mais favorável para recomprar títulos emitidos com um juro mais caro a valor de mercado é tudo menos incumprimento."

Eu explico: eu emprestei 100 ao Estado (português ou grego ou...) e espero receber 110 ao fim do prazo. A meio do prazo, a probabilidade de esse país falir aumenta brutalmente e, daí, o valor de mercado do meu título cai para 70. Entretanto aparece o Sarkozy a tentar convencer-me amigavelmente e com muita simpatia a vender agora esse título por 75. E eu aceito.

 

Houve incumprimento? Fiz um bom negócio? Perdi dinheiro? Se pusermos de lado as charadas semânticas e o double speak político as respostas a estas perguntas são: segundo pelo menos uma agência de rating, houve incumprimento; já os juristas dirão que, sendo o incumprimento do devedor aceite voluntariamente pelo credor, o incumprimento afinal não é incumprimento (conversa de jurista, etc.); fiz o melhor negócio que me foi apresentado mas PERDI DINHEIRO: receber 75 em vez de 110 é perder dinheiro aqui e em toda a parte.

 

3. "não vejo quaisquer condições para que uma agência europeia pudesse emitir mais dívida em nome dos Estados do que aquela que estes autorizassem": basta a França e a Alemanha quererem. Recordo que a Alemanha e a França (juntas com Portugal) estiveram no pódio dos (primeiros) países a violar o PEC. E a agência de que falas não será independente (basta recordar as opiniões de Sarkozy sobre a independência do BCE).

Pois: isto é o Münchau a dar-me razão: à medida que o tempo passa, o projecto dos eurobonds torna-se mais indigesto politicamente e menos favorável em termos económicos. E os spreads da dívida francesa face à alemã têm aumentado... Mas, como digo acima, até às eleições presidenciais na França e legislativas na Alemanha, só vamos ter disto: medidas pontuais arrancadas in extremis pelas pressões dos mercados e sucessivos endividamentos e bailouts.

As dúvidas de Agosto

Sem querer interferir no debate entre Ricardo VicenteVasco Campilho, um pouco mais abaixo neste blogue, julgo que a Europa enfrenta a sua hora decisiva, para mais num contexto de crise iminente também nos Estados Unidos. Este comentário no Financial Times é preocupante e deve ser lido com atenção.

Segundo as interpretações dominantes na imprensa, ainda não estamos na situação que levou aos canhões de Agosto, o esplêndido suicídio da Europa em 1914, mas há elementos semelhantes, desde a má interpretação dos factos à lentidão na reacção, passando pela cedência ao sentimento da opinião pública. Nas semanas frenéticas que levaram à Primeira Guerra Mundial, os alemães terão agido na base de um catastrófico erro de cálculo, de que o império britânico ficaria fora do conflito. Agora, a culpa será também alemã, já que Berlim minimiza a dimensão do problema e interpreta mal os sinais da realidade. 

A atitude da opinião pública em 1914, entre o patriótico e o displicente, é descrita num fabuloso romance francês, Os Thibault, de Roger Martin du Gard. O raciocínio frio dos diplomatas tornou-se impossível e os pacifistas foram depressa ultrapassados pelo tumulto da rua.

Ao ler alguns dos comentários sobre a actual crise, ocorrem-me todas estas semelhanças. Claro que desta vez não estamos a falar de uma guerra, mas apenas do que parece ser o iminente colapso de uma determinada ordem europeia.

 

Das interpretações que tenho lido sobre este verão, sobretudo em jornais económicos, surge a tese frequente de que os políticos europeus estão a avaliar mal os mercados financeiros. Jean-Claude Trichet surge nestes textos como um sábio que tenta travar a teimosia alemã da senhora Angela Merkel. Por outro lado, Silvio Berlusconi, na sua habitual inabilidade, colocou a Itália em perigo, ao gozar (literalmente) com o sábio Giulio Tremonti, o seu ministro das finanças. Berlusconi e Merkel cometeram ambos o incrível erro de cálculo de dizerem em público que devia ser a política a comandar as soluções, e não as finanças. Merkel teve uma frase também muito criticada (tendo os seus conselheiros divididos em duas metades, prefere esperar mais um pouco para escolher uma das duas vias). 

Confesso não perceber muito bem estas críticas. Merkel responde perante os eleitores alemães e o seu parlamento.  E é muito evidente que a Alemanha tem outros países a apoiarem as suas posições contra, por exemplo, os eurobonds. Este mecanismo seria óptimo para Portugal, mas claramente prejudicial para os contribuintes alemães, holandeses, austríacos, finlandeses. E aqueles que acreditam que o governo português pode ir a Bruxelas bater o pé e fazer alianças com outros endividados, parecem não perceber os mecanismos de poder na UE.

Enfim, sobretudo não entendo a razão pela qual devem ser os contribuintes europeus os únicos a pagar esta crise.

 

A tese dominante, em comentários de jornais e televisões, é a de que a Europa enfrenta um dilema entre federalização da moeda única e colapso da zona euro. As abordagens intermédias que foram ensaiadas estão condenadas ao fracasso e isso aplica-se à mais recente ideia defendida pela França e Alemanha, a de se estabelecer um acordo com bancos europeus para que estes aceitem de forma voluntária suavizar o peso da dívida grega, aceitando algum prejuízo. As agências de notação ameaçaram de imediato decretar o incumprimento da Grécia e o Banco Central Europeu recusa acompanhar financiar os bancos gregos se houver incumprimento. Em resumo, a Grécia não consegue pagar a sua dívida com as actuais taxas de juro e as agências de notação dão nota de lixo; mas se essa dívida diminuir por acordo voluntário dos credores, não há nota de lixo, mas incumprimento.

Os mercados apostam no seguinte resultado: a Grécia pagará a totalidade da dívida ou alguém por ela. A partilha da dívida entre contribuintes e instituições é intolerável. Se Atenas não conseguir pagar, então, em nome da solidariedade europeia e da defesa da moeda única, a dívida grega será assumida pelos contribuintes dos países menos endividados, por exemplo, na forma de eurobonds.

Ora, quando a senhora Merkel diz que isto não é justo, que a decisão final será política e que os bancos têm de pagar a sua quota-parte do prejuízo (quem os mandou especular com dívida soberana?), surgem textos a jurar que a Europa não tem liderança à altura do desafio, que a Alemanha está a deixar cair a Grécia, a arrastar os pés numa questão que já devia estar decidida, e que a chanceler alemã é uma ignorante que não percebe o funcionamento dos mercados.

 

Não digo que isto não seja assim. A liderança europeia não parece particularmente feliz e pode existir profunda incompreensão do funcionamento dos mercados. Da parte da opinião pública, há certamente. O que digo é que esta narrativa tem de ser questionada.

Se houver cimeira europeia na quinta-feira e sair dali um plano para salvar a Grécia, a decisão política final será testada e talvez contrariada pelos mercados, essa misteriosa entidade sem nação, com infinitos poderes e que ninguém elegeu.

Os investidores, obviamente, não querem perder dinheiro esta semana, sobretudo os que estiverem mais expostos às dívidas grega, portuguesa, irlandesa e italiana. A actual fórmula parece conveniente: os gregos podem bem sofrer uma austeridade sem saída, os portugueses e os irlandeses podem fazer sacrifícios, tudo isto é indiferente para os ditos mercados, cujo funcionamento apenas um cínico poderá considerar como irrepreensível.

As vítimas estão presas no labirinto e estes "mercados" sabem bem que os europeus do norte vão pagar a despesa do resgate e que esta terá o valor que eles inscreverem na factura. E se houver mais países para salvar, melhor. Será uma questão dos líderes europeus terem tempo para convencer as respectivas opiniões públicas de que ceder à chantagem é melhor do que perder tudo.

 

Curiosamente, nenhuma das duas opções dadas como inevitáveis parece possível. Nem a federalização nem o colapso do euro. A federalização da zona euro não passa de uma quimera. Nada disso consta nos tratados e refazer a arquitectura da UE simplesmente não é viável a curto prazo. Bastam 30 segundos de análise para perceber que países como França ou Alemanha não têm nos seus planos a obediência a um ministro das finanças europeu (eleito por 27, por 17?) que impeça uma determinada despesa aprovada pelos parlamentos. Bruxelas a explicar aos alemães como vão organizar o seu orçamento, alguém consegue imaginar o cenário? O princípio da subsidariedade completamente enterrado? E tudo feito sem consulta aos eleitores? E como se avança para uma hipótese destas sem cobrança de impostos?

[Uma nota: já começou a discussão das perspectivas financeiras entre 2014 e 2020. Adivinham-se discussões ferozes no próximo ano e os contribuintes líquidos não querem passar de 1% do PIB, nem sequer um cêntimo a mais].

O colapso da moeda única era um filme de terror. Complicações técnicas e legais, o fim do mercado único, milhões de desempregados. A saída de um ou dois países era já uma complicação intragável e um super-euro sem os cábulas também não parece viável, pois segundo os tratados é mais fácil sair da União Europeia do que sair do euro. Mantinha-se a questão: moeda única com 14 ou 15 países bons alunos teria um deles mais endividado do que os outros e, portanto, mais vulnerável. Sem as garantias dadas por instituições federais, há sempre um lanterna vermelha, por muito bom que seja o pelotão.

 

Enfim, podemos estar a assistir a um verão recheado de erros políticos que nos conduza directamente a mais um esplêndido suicídio europeu. Mas julgo que o que está em causa, por estes dias, é saber se as democracias conseguem ou não resistir à ganância e à estupidez dos mercados sem regulação. A Europa parece estar entre um lugar afiado e um lugar duro, mas não deve ceder a uma perspectiva muito pior, a de se deixar dominar pelo medo puro, pois é esse que conduz aos piores desastres.

Resposta à Resposta da Perguntazinha

Caro Vasco, quem não tem Münchau caça com Campilho. Obrigado pela resposta! Não tenho agora tempo para responder em extensão e profundidade mas vou tentar mariposa porque estou prestes a viajar para um país bonito e deveria ir dormir mas considero que...

 

...primeiro: outra vez um limite de 40% ou 60% do PIB? Onde é que já vimos isto? E onde é que já vimos este tipo de regra ser respeitada? Volto pois a colocar em cima da mesa a minha perguntazinha e as minhas dúvidas quanto à credibilidade;

 

...segundo: seniority tem muito que se lhe diga. Há aqui um certo elemento de chantagem que só pode ser classificado de uma maneira: default. Ou compras eurobonds, trocando com desconto as bonds nacionais, ou ficas com as bonds nacionais e perdes dinheiro. De qualquer forma, os credores perdem dinheiro: nada que eu já não tenha previsto e que todos os economistas não-políticos (?!) não estejam já fartos de saber. Os eurobonds têm toda a aparência de serem um plano pelo menos tão bom como as alternativas para levar a cabo um default parcial e selectivo de forma amigável (como é que se diz "lol" em linguagem económica?). Mas isso só por si não garante credibilidade nem triple A, talvez garanta que o rating dos eurobonds seja superior ao das dívidas nacionais, o que já não é mau;

 

...terceiro: joint and several liability: esta é tão pouco credível que pode, só por si, fazer com que os países não se consigam entender sequer quanto à criação dos eurobonds. Mas isto traz ainda outro problema no bico: se a "Europa" (quem é a Europa? pois) hesita e não resolve o problema de PEQUENAS economias como é o caso da grega, irlandesa e portuguesa, nada nos garante que consiga resolver problemas maiores mesmo com eurobonds. Aliás, os eurobonds podem acabar por servir para facilitar o ainda maior endividamento de países como a França e a Itália. Isto tem a ver menos com o meu post da perguntazinha e mais com o post da Itália Aí Tão Perto. Como dizia o Wolfgang no outro dia, uma França ou "apenas" uma Itália não tem capacidade de se resgatar a si própria e a Europa, ainda que junta, também não tem (já tem sido um martírio resgatar qualquer uma das PEQUENAS economias periféricas, nem é bom pensar se o país a precisar de resgate for médio ou grande).

 

Se, se, se os problemas chegarem à Espanha e/ou à Itália a Europa, mesmo que "junta e solidária" e mesmo que com eurobonds fica num grande sarilho e, nesse caso, tal como escrevi no últmo post nem em sonhos azuis com estrelinhas amarelas irão os eurobonds ter triple A. Imaginem que quem tem dificuldade em pagar à entidade emissora dos eurobonds (quem?) é uma Espanha ou Itália: estarão em causa números com muitos algarismo "zero" à direita, mesmo muitos: quem é que vai cobrir o dinheiro em falta? Se calhar é a China, se esta estiver disposta a fazer parte dessa Europa "junta e solidária" (e a Europa gostar da solução)...

 

 

 

P.S.: Adorei o "esquissei".

 

P.S.2: Se os eurobonds são masculinos, então as bonds serão femininas?

A Itália Aí Tão Perto

Imaginem que depois da Irlanda, Grécia e Portugal e passando pela Espanha e pela Bélgica se chega à Itália (e se fica mais perto da França).

 

Imaginem que a Itália precisa de ser resgatada. Ora acontece que a Itália é grande demais. Mas continuemos a imaginar...

 

Em tal situação (no futuro) alguém poderia acreditar que os então já familiares eurobonds continuariam a ter um rating triple A?

 

A Moody's acreditaria?

 

Pois. Daí a minha pergunta.

Lieber Wolfgang Münchau, uma Perguntazinha sobre Eurobonds...

Lieber Wolfgang Münchau,

como tem passado? O tempo aí em Bruxelas? Mauzinho e de chuva? Acredite que é bem melhor do que os trinta e nove graus Celsius e positivos daqui de onde lhe escrevo.

 

Continuando pela meteorologia europeia, estou de acordo consigo que os eurobonds têm toda a aparência de serem um plano pelo menos tão bom como as alternativas. O que me preocupa é que a bondade dos eurobonds depende de uma hipotesezinha cuja validade não me parece evidente.

Os eurobonds terão um rating triple A (ou seja, AAA, isto é, á-á-á) e, por isso, haverá todo o incentivo a que os detentores de dívidas nacionais com ratings muito inferiores as troquem com desconto por eurobonds. O efeito será uma diminuição do valor do stock total de dívidas dos vários países europeus, o que contribuirá para a solvabilidade de cada país e, logo, para a sobrevivência do euro.

A minha perguntazinha é esta: mas quem é que garante que os eurobonds terão rating triple A??? É a senhora Viviane Reding que irá encostar uma arma à cabeça da Moody's e obrigá-la a dizer que os eurobonds são excelentes e credíveis e valem a pena? Pois...

Se a União Europeia não conseguiu levar a que todos os países da zona Euro respeitassem os critérios de Maastricht, se se deixou enganar pela contabilidade pública mentirosa da Grécia aquando da entrada desta no Euro, se tem sido tão titubeante e serôdia na reacção às crises na Irlanda, Grécia e Portugal - quem e como é que irá garantir que, desta vez, este novo plano europeu não sofrerá de um problema de credibilidade?

As várias crises europeias somadas têm uma causa e um nome comuns: défice de credibilidade: das instituições, das regras e dos vários planos apresentados.

Quem garante a credibilidade do novo projecto "eurobonds"? É esta a perguntazinha que lhe deixo.

 

Continuação de boa semana, viele Grüße

Ricardo Vicente