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Albergue Espanhol

"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

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"-Já alguma vez estiveste apaixonado? - Não, fui barman toda a minha vida." My Darling Clementine, John Ford.

Eles fazem BMWs

Henrique Raposo escreve este manifesto por uma geração e julgo que é necessário um debate sério sobre o tema.

As questões que o autor levanta são demasiado pertinentes para serem colocadas nos termos em que surgem: na realidade, não se trata de problemas geracionais, mas transversais a toda a sociedade. Convém, por exemplo, ler este texto de Priscila Rêgo, em Douta Opinião.

Na tese de Henrique Raposo há três problemas que afectam a geração mais jovem: o mercado de arrendamento, a rigidez laboral e as condições económicas do País. No terceiro ponto, Henrique Raposo não é muito claro. Estará a dizer que as pensões de reforma são demasiado generosas ou que o sector privado não cria suficientes empregos? Confesso não ter entendido bem. Vamos partir do princípio de que o autor, ao mencionar as injustiças da segurança social, está a fazer uma crítica mais geral ao Estado Providência e ao escasso acesso que a sua geração terá a estes mecanismos de protecção social.

Como já escrevi aqui, o problema do mercado de arrendamento é muito mais antigo do que admite Henrique Raposo. Na realidade, qualquer pessoa com menos de 60 anos terá sido provavelmente afectada pelo fenómeno, obrigada a comprar casa, a endividar-se e levando toda uma vida de trabalho a pagar essa dívida, com as limitações respectivas: existe enorme rigidez na mobilidade de trabalhadores e, em Portugal, o endividamento das famílias é desproporcionado face aos parceiros europeus. As rendas baixas provocaram uma degradação urbana que não se vê em nenhum outro país da Europa. O problema é difícil de resolver, pois também não é possível liberalizar as rendas, ou veríamos velhinhos de 80 anos a dormir debaixo das pontes.

 

As leis laborais são o outro ponto pertinente levantado por Henrique Raposo. Os portugueses com menos de 30 anos têm como perspectiva única a possibilidade de um emprego precário, com contrato a prazo ou a recibos verdes. Estes mecanismos foram criados para flexibilizar um mercado laboral demasiado rígido e que protege os trabalhadores com contratos sem termo. No entanto, trata-se de uma caricatura a citação no texto, segundo a qual a legislação protege pessoas "conformadas com o seu emprego e a sua vida e que roubam oportunidades às gerações mais novas". É uma visão simplista que cria uma ficção sobre 2,5 milhões de trabalhadores portugueses, como se estes fossem todos uns barrigudos incompetentes a ocupar os postos de trabalho que os pobres jovens precários mereciam, com as suas superiores qualidades. Como é fácil criar mitos e repeti-los em conversa de barbeiro!

A revista Time desta semana tinha um artigo sobre a milagrosa economia alemã e explicava como as empresas preservaram a mão-de-obra altamente qualificada durante a crise, para aproveitarem agora as amplas oportunidades de exportação. Um dos empresários explicava que não foi beneficência, mas os "trabalhadores tinham tais qualificações, que não era fácil despedi-los. Perde-se demasiado conhecimento". Os alemães têm leis laborais tão rígidas como as nossas e tudo o que foi possível na Alemanha é possível em Portugal. E não consta que os jovens alemães não encontrem empregos. O problema pode estar noutro sítio, talvez na qualidade. Em resumo, eles fazem BMWs.

 

A meu ver, a explicação está no terceiro factor mencionado, o tal que não é descrito com precisão, as condições económicas. O desemprego na Alemanha é de 6,9% e em Portugal é de 11%. Temos também uma das mais elevadas taxas de precariedade da Europa, julgo que quase um em cada quatro trabalhadores. A competitividade portuguesa é baixa em comparação aos países de leste e toda a gente conhece histórias de trabalhadores precários que não envolvem apenas jovens com a idade de Henrique Raposo, mas pessoas da minha idade (49 anos). Tenho amigos que foram para o desemprego a meio das suas carreiras (sim, é bastante fácil despedir em Portugal, ao contrário do mito), com tudo o que isso implica de perspectiva de não se voltar a trabalhar, de se ter reforma miserável e empobrecimento abrupto. De não ter dinheiro para pagar a comida ou a educação dos filhos. É disso que estamos a falar e não envolve só uma geração, mas pelo menos duas ou três, porque às vezes há também um reformado na família, que tem de ajudar a pagar as contas da casa.

 

O Estado social, como está na moda dizer, é parcialmente uma ficção. O primeiro a ser cortado nos dias difíceis, pois não consta que as crises sejam muito más para os ricos. Aliás, veja-se as soluções deste governo: cortes nas prestações sociais dos pobres, aumento de impostos para a classe média, reduções nos salários dos funcionários públicos, com excepções para alguns instalados.

Isto surge após dez anos de coerente estagnação económica, com taxas de crescimento limitadas, o que explica um desemprego elevado e alta precariedade, mesmo descontado um efeito emigração que alguns sociólogos dizem ser comparável ao dos anos 60. A economia não cria empregos, por isso muitos jovens estão desempregados. A alternativa é despedir os "conformados" e contratar os jovens. Julgo que esse cenário está escrito nas estrelas, pois os empresários abusaram dos mecanismos dos recibos verdes, que tornam demasiado caro manter um contratado, já que à porta da empresa estão dez que aceitam trabalhar por metade do salário, pagando o próprio trabalhador a segurança social, dinheiro que a empresa poupará. Passa a ser um acto racional de gestão mandar o trabalhador antigo para a fila de desemprego, pois ele tornou-se demasiado caro. Perde-se conhecimento, é um facto, mas compensa a curto prazo, num contexto de aperto financeiro.

Aqui, não há bons e maus, mas leis erradas ou injustas. E, sinceramente, não percebo qual possa ser a vantagem de um mundo onde os trabalhadores perderam todos os direitos.

Até nas deslocalizações a Alemanha foi mais prudente, já que as fez de forma limitada, sobretudo para o leste da Europa, mas mantendo o essencial da mão-de-obra caseira. Em Portugal, o processo é diferente, parece haver uma corrida para o abismo, para a competição com a China, para os salários baixos e os custos reduzidos. As empresas estão financeiramente estranguladas e cortam no desenvolvimento de novos produtos. Abandonam-se indústrias e sectores inteiros, retiram-se privilégios. Ninguém fala em qualidade, mas apenas em cortar, cortar, cortar.

 

Estes problemas não são de uma geração, mas de todos os portugueses. A nossa sociedade está numa espécie de beco sem saída, mergulhada em discussões estéreis, entretida a observar a espuma superficial dos problemas.

No caso, eles só podem ser resolvidos por um esforço conjunto de todas as gerações e não inventando conflitos geracionais que não existem. É necessário criar um mercado de arrendamento sem colocar os velhinhos a dormir debaixo das pontes; modernizar a legislação laboral sem trocar empregos seguros por empregos precários; reformar a segurança social sem destruir os mecanismos de solidariedade; mudar o modelo económico criando emprego qualificado e competitivo.

As pessoas precisam de trabalhar por alguma coisa, por exemplo, para terem uma vida melhor.

 

 

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